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A fada do dente - II

Ao chegar no hotel, pega a chave magnética na recepção mas antes de subir vai para frente da tv. Senta-se no sofá mas não assiste ao jogo que os outros hóspedes assistem, apenas mentaliza procurando por algum operador ou apoiador do Bureau. Depois de muitos anos é estranho fazer isso sem seu implante, mas misteriosamente ele faz a mentalização e percebe que o dente a pouco arrancado não lhe parecia fazer nenhuma falta, até o momento.

As vozes estranhas cessaram totalmente. Após alguns segundos decide que é seguro subir. Pega o elevador olha pro espelho tentando ver alguma coisa embaixo da gase que a dentista pusera no buraco de seu antigo implante, só vê a gase embebida em sangue e saliva. Agora é como se tivesse cortado o cordão umbilical que o ligava ao Bureau, talvez uma comparação ideal fosse a retirada de uma coleira. Uma coisa era certa o alívio de não estar mais com aquilo, agora era um homem livre. Suspira profundamente por mais de três vezes e continua o exame no espelho, olha para sua camisa e dá uma pequena estufada no peito. Seus olhos estão um pouco avermelhados nos cantos, pois não havia conseguido dormir direito desde sua fuga do CCO14. Seu cabelo já está pedindo um corte.

O elevador abre suas portas ele sai e abre seu quarto, olha para sua mochila e para sua mala. Tira os sapatos e meias sente o piso de madeira e fica um pouco mais confortável. Um resquício de uma voz fantasmagórica passa por seus ouvidos, o assusta. Mais uma interferência... "ou não?", desconfiado inspeciona o banheiro, não acha nada. Tenta abrir a porta de fórmica do guarda-roupas embutido, ela parece que está com problemas no trilho, ele força e consegue abri-la, nada além de roupas de cama. Se agacha e olha em baixo da cama, tudo limpo...

Vai para o banheiro e cospe o curativo no vaso sanitário. Sente mais uma vez o gosto metálico de sangue em sua boca. Passa a língua suavemente no buraco de seu antigo implante dentário, sente os pontos e os conta: um, dois ... três... Pega o embrulho em seu bolso, o abre, fica observando por um instante, vê a trinca que ficou após a Dra. Andréia ter forçado a extração, observa a raiz e vê que é realmente estranha, ela tinha os três prolongamentos normais de um dente molar, mas no centro saía uma quarta que se parecia com um tipo de uma broca de furadeira ou um tipo de espiral. A cor do líquido metálico que vazou do implante estava entre a prata e um leve tom esverdeado, o líquido não molhava o papel. A parte que ficava aparente do implante, parecia muito real a não ser por aquela raiz.

Pedro se lembra do dia em que o doutor Lourenço lhe explicou os benefícios daquele dispositivo:

- Pedro meu caro, isso vai lhe abrir muitas portas. Você poderá ajudar muitas pessoas com as vantagens que essa pequena peça vai lhe dar. Uma nova fase vai se abrir nos seus estudos, você será capaz de enviar e receber informações através disso apenas com sua concentração. Se você estiver na distância correta, será capaz de sentir os batimentos do coração, as ondas eletromagnéticas cerebrais, a liberação dos hormônios e com o treinamento certo será capaz de entender todos esses sinais corpóreos. Você será capaz de ler, e até mudar, o humor de alguém. Você poderá ver a alma de uma pessoa fora de sua casca. Com a chave certa, os apoiadores poderão recolher e enviar informações a muitos metros de distância e vocês nem precisam se ver para isso. Dr. Lourenço, um dos pesquisadores chefes do Bureau, continua com sua voz mansa e suave a falar sobre as possibilidades que se abririam com aquela peça, enquanto ele falava com seu "erre" carregado do interior sua longa barba branca tremulava e suas negras e grossas sobrancelhas erguiam-se e baixavam-se conforme ele vendia as qualidades da nova ferramenta. Os olhos do doutor brilhavam. Pedro realmente acreditava em suas palavras.

De volta de suas lembranças, Pedro olha novamente para o dente, fecha os olhos e dá um forte suspiro, lembra da Dr. Andréia... "Ela poderia ser uma boa operadora se tivesse tido a chance, pois quase me convenceu de não arrancar isso..."

Joga o dente no vaso sanitário e dá a descarga.

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