Doze - Keline
Mãos habilidosas e pálidas entravam e saiam do meu campo de visão, arrumando as mechas verdes cor de sangue de dragão do meu cabelo. Não tinha muito o que ser feito, de todo o modo, não era uma premiação de beleza, mas de habilidade.
- Estaremos na primeira fileira.- Minha bisavó, Aretha Reverdon, que conseguiu prender as mechas mais curtas da minha franja para traz, anunciou. A matriarca das Reverdon tinha a expressão séria, e apenas duas linhas de expressão nos olhos cor de âmbar. E essa beleza antiga e incrível me encarava, o orgulho não sendo muito escondido nos lábios escuros.
- É apenas um reconhecimento, não precisa de tudo isso.- Pedi.
Me olhei no espelho, arrumando as mangas da farda preta. Um pente prateado, cravejado de esmeraldas prendia as mechas da minha franja enroladas pra trás pela matriarca. O cabelo na altura do queixo, reto, e completamente verde da raiz as pontas, era ressaltado pela jóia. A farda era simples, do exercito, inteiramente preta e de couro. A calça não era completamente justa, facilitando a movimentação. O corpete era justo e também de couro, os cadarços da amarração do mesmo verde queimado dos meus cabelos, sustentavam a blusa preta de mangas compridas e simples, que ostentava o brasão da base de Wonderfull. Um tornado, representando as infinitas tempestades de areia dos desertos.
- É um reconhecimento seu, Keline. Você é uma Reverdon.
- Uma Reverdon, que escolheu ser um soldado Barbaro.- Respondi.
- Uma Reverdon, que escolheu lutar, como qualquer outra Reverdon faria com orgulho.
Minha bizavó retirou o colar de esmeraldas que adornava seu pescoço pálido, e o colocou no meu pescoço. Mas aquele colar era bem mais do que apenas um adorno bonito, era o colar da matriarca dos Reverdon. Era a representação da nossa família.
- Pela Deusa, Keline Reverdon, bruxa herdeira da família Reverdon, os ventos, as folhas, as chamas e a água estarão com você!
Aquilo me desestabilizou completamente. A matriarca estava passando o legado da nossa família, no pior dos momentos, preciso dizer. Suspirei profundamente, porém sem que minha matriarca perceba. Força, era o que precisava demonstrar agora. Força.
- Pela Deusa, Aretha Reverdon, matriarca da família Reverdon, agradeço a proteção.
- Mostre a todos que as Reverdon ainda são poderosas.
Concordei com a cabeça, nossos olhos encarando-se por um momento. Me virei, colocando a capa de fundo verde queimado nas costas. Coloquei a expressão séria no rosto, caminhando pelos longos corredores da mansão das Reverdon, apenas o som das minhas botas ecoando pelos corredores.
Nem minha mãe, nem minha avó se incomodaram em estar presentes naquele momento.
As palavras da matriarca ainda ecoavam na minha mente, quando as portas da mansão foram abertas e os ventos quentes do deserto acalentaram meu rosto. Mostrar a todos que as Reverdon são poderosas. Não sei se sou a melhor bruxa para trazer o legado dessa família de volta.
Sou uma desertora, uma renegada, como minha mãe gostava de ressaltar. Por ser uma tenente do exército, mas também pelo poder que corria em minhas veias. A magia dessa família havia me renegado. Os ventos não esvoaçavam o coração da herdeira, mas a terra, essa sim, sustentava meus passos.
Elandro me esperava no altíssimo portão de prata e arabescos que ladeava a propriedade da minha família, tão rica quanto o próprio império destes desertos. Meu imediato humano fez uma leve reverência, por puro respeito, já que Elandro Winston não precisava de maneira nenhuma me reverenciar.
- Pare com isso Elandro, deixe as reverências para a cerimônia.- Resmunguei, não muito feliz com toda a situação.
- Teskh e Samantha não te acompanharam, por isso a grosseria bruxinha?- Meu imediato brincou, mesmo que sua expressão continuasse séria enquanto caminhávamos pela vila um tanto cheia para aquela ocasião.
- Pela Deusa, se me chamar de bruxinha durante a cerimônia, vou enterrar as unhas no seu pescoço e faze-lo sangrar até a morte.
- Bom te ver também, Keline.
Não era um dia bom para brincadeiras.
O vilarejo se encontrava apinhado de pessoas. Humanos e bruxas caminhavam lado a lado, diferenciados uns dos outros apenas pelas cores em meio as pequenas casas e comércios, feitas de pedra cor de areia. Mais e mais grupos de pessoas surgiam das estradinhas que levavam à outras mansões e pequenas propriedades, pertencentes à famílias de bruxas, como a minha, algumas com renome, outras, praticamente desconhecidas. Um arco íris de capas esvoaçavam ao vento, capitãs, tenentes, imediatos e soldados comuns se dirigiam à grande arena, a multidão atravessando o rio que dava vida ao oásis onde foram montado o vilarejo e a base militar. Todos humanos, com exceção de mim, e de uma de minhas aberrações, como eramos chamados.
A essa altura, Alexandrer Voltan, Kirk Harolmel, Marine Patreon e Calisse Yacal se prostravam em suas posições perto de Elandro. O meu grupo de operações. Minha aliança pessoal. Elandro, imediato à minha direita, Marine, terceira no comando à esquerda, Kirk e Calisse franqueando nós 3. E Alexandrer na retaguarda. A exceção como eu entre as aberrações. Mais raro do que uma bruxa oráculo.
Um bruxo.
A Deusa detestava bruxos. Não era digno que recebessem tais dons e não tivessem um coração feminino. Bruxos não tinham um nome, não tinham uma família ou um legado a defender. Não tinham dignidade o suficiente para tais coisas. Qualquer bruxa que desse a luz a um homem era assassinada pela honra, ou cometia suicídio para não conviver com a dor de colocar uma aberração andando sobre a terra. A morte era uma opção melhor. Um bruxo não era um mago ou um feiticeiro, que usava palavras, poções e ferramentas humanas para usar magia. Um bruxo nascia com magia pura correndo no sangue, magia como a minha.
Outro dos por quês o nome dos Reverdon é manchado por desonra. Além de escolher ser um soldado, escolhi para minha aliança pessoal, uma aberração. O sobrenome de Alexandrer foi dado após entrar no exército. Ele recebeu uma honra e um legado. Nas palavras do próprio Alexandrer, eu era o legado dele, e proteger seu legado significava proteger a mim e aos meus.
Enquanto eu recebi o dom da terra para me sustentar, Alexandrer roubou a chama do coração da Deusa. Um soldado forte, e que protegia toda minha aliança.
Kirk era um mercenário, especializado em venenos e substâncias. Fora recrutado pelos Bárbaros, e dado à minha aliança pela tenente chefe da Base 785 de Wonderfull assim que conquistei o título de tenente. Calissa era algo parecido, mas a mulher alta e corpulenta preferia um confronto corpo a corpo sangrento à morte rápida e piedosa dos venenos de Kirk. Ótimos franco atiradores, e flanquear Elandro, Marine e a mim pareceu a melhor opção. Marine era uma sombra, espiã e observadora. Inteligente de tal maneira que assustava quem ousasse iniciar uma conversa ou duvidar do que ela fazia. Ter uma sombra na aliança pessoal era algo único meu. Já Elandro, meu imediato, possuia uma expressão acolhedora e calma na maior parte do tempo, mas respondia apenas a mim e aos meus superiores. E por isso, era um guerreiro frio e duro como uma rocha, que destruiria seus inimigos sem piedade. Por isso, e por histórias anteriores, Elandro era meu imediato.
Minha aliança caminhou à passos largos e decididos pela rua principal. Humanos se afastando para que passássemos medo e respeito no olhar, bruxas encarando-nos, poucas com admiração, muitas ostentando asco no olhar. Já estava acostumada. Que sentissem nojo, hoje, quem deveria reconhecer meu poder reconheceria.
Mas é claro que o dia não seria tranquilo como o esperado.
Weele Krerovelle, herdeira das Krerovelle sorriu lascivamente ao entrar no caminho da minha aliança, Tressa e Yavel, gêmeas mais novas ladeando a bruxa. Os sorrisos nas três eram idênticos, assim como o asco que eu sentia das bruxas.
- Uma ótima manhã não acha Keline?- Adiantou-se para estar a apenas dois passos meus, o vestido azul celeste denunciando sua magia, e a cor que sua família ostentava com orgulho.
A proximidade e o sorriso delas fez o ar a nossa volta ficar mais abafado. Um aviso de Alexandrer. Sorri igualmente lasciva para ela.
- Teria sido perfeita caso a Deusa não tivesse punido-me com seu rosto Weele.- Uma faísca de raiva inundou a escuridão nos olhos da bruxa.
- A Deusa é justa, pune deliberadamente aberrações como você se seu cachorrinho do qual o nome não é digno de habitar meus lábios.
- Mas é digno de habitar seus pensamentos à noite.- A palidez característica do rosto dela aumentou, os punhos fechados em claro descontrole. Continuei impassível.- A herdeira das Klerovelle não tem controle de seus próprios desejos, Weele? O que sua matriarca pensaria disso?
A raiva no rosto das três bruxas era pura. Elandro e Marine elevaram os queixos, imponentes, Kirk e Calissa se posicionando imediatamente atrás de mim. Alexandrer deixou o ar pesado. Elandro se manifestou, abrindo um sorriso que poderia ser considerado obsceno para Tressa e Yavel. Nunca para Weele. Ela era um problema que adorava tratar eu mesma.
- Controle suas feras, cadela Reverdon.- Resmungou, se virando e distanciando-se da minha aliança.
Quase gargalhei com a resposta.
Weele atrasara minha aliança, um problema facilmente resolvido. O som de trompetas soaram altas, anunciando que faltavam apenas meia hora para a cerimônia. Era suficiente.
A grande arena era uma construção colossal, que abrigava todo o complexo da base militar 785 do império Bárbaro. Possuía nove alas, cada uma especializada em uma legião, cada legião com outras vinte alianças menores de até seis pessoas. No meio, à céu aberto, uma arena enorme era usada para confrontos em geral e treinamentos. Eu e minha aliança eramos da ala três, legião Escuridão.
- Estão atrasados.- Jacal Zanberg, tenente geral da legião Escuridão nos encontrou nos corredores da ala sete, caminhando a passos largos. O homem humano de meia idade e mau humor constante resmungo para nós.- Sigam para o auditório da ala três, e posicionem-se atrás da cortina, alguém irá orienta-los sobre a cerimônia.
Fizemos uma reverência rápida e educada, voltando a caminhar o mais rápido possível. Quando a única coisa que era possível se ouvir nos corredores eram nossos passos calmos, perguntei, o tom um tando de ordem, baixo e calculado.
- Ameaças?
- Ar pesado e quente, cheiro de ferro e flores de cactus, som alto de risadas.- Kirk murmurou baixinho, e pude sentir seus olhos vistoriando a mim e ao espaço à frente.
- Conclusões.
- As Orethel estão na plateia, doze adagas escondidas entre os vestidos, resolveram deixar o ar cansativo para as outras alianças.- Marine foi a responsável por responder desta vez.
- Não para nós.- Elandro fez questão de anunciar, um sussurro baixo e risonho quase.
- Cuide disso Alexandrer.- Anunciei, e imediatamente o ar à nossa volta se tornou mais fácil de respirar.
- São três adultas e três em ascensão, não consigo cuidar da plateia.- O bruxo resmungou, não muito satisfeito.
- Proteja as alianças. Minha família sabe cuidar de si mesma.- Ordenei, sem encarar minha aliança. Mas sabia que eles concordariam. Era a função de uma aliança concordar com sua tenente.- Quantas armas.
- Quatro adagas invisíveis, espada visível.- Elandro respondeu.
- Sete adagas invisíveis, escopeta visível.- Marine continuou.
- Dois mortais, um incapacitante, três paralisantes, duas adagas visíveis.- Kirk resmungou, referindo-se aos venenos.
- Espada, AZ4 300 e um punhal visíveis, cinco adagas invisíveis.- Calissa murmurou. Fiquei satisfeita ao ver ela armada até os dentes.
- Uma adaga invisível.- Alexandrer grunhiu. Não me incomodei. Ele era uma arma poderosa por si só. Algo curioso em bruxos, é que eles tinham um poder um tanto mais incontrolável do que o de bruxas. Talvez por sua raridade, talvez por terem roubado da Deusa...
- Sete adagas invisíveis.- Sussurrei, satisfazendo o desejo de dar satisfações à minha aliança.
Atravessamos o corredor que dava a volta no auditório, chegando aos bastidores. Duas trabalhadoras humanas nos dirigiram até onde as outras alianças estaram posicionadas, para adentrar no grande palco de pedra do auditório fechado. O ar condicionado lutava bravamente para deixar o ar respirável, mas as pedras de areia que sustentavam a construção não ajudavam, e as Orethel pareciam se sentir melhor em um ambiente abafado.
- A herdeira está deliberadamente tentando entrar pelo corredor direito.- Marine sussurrou quase inaldívelmente no meu ouvido.- Permissão para dar um susto.
- Permissão concedida, cinco minutos Marine.- Sussurrei de volta.
Antes que qualquer um conseguisse perceber, Marine desapareceu, enquanto nos posicionávamos no fim da fila de alianças. Kirk percebeu a falta da terceira, posicionando-se ao meu lado. Era um procedimento padrão quando nossa sombra fazia o seu trabalho.
As trompetas soaram novamente, dessa vez, anunciando o início da cerimônia. Entramos no palco, aliança por aliança, posicionando-nos na parece de trás do palco. Jacal se encontrava com um microfone em mãos, no meio do palco. O ar se tornou respirável assim que Marine se encontrou novamente ao meu lado, e Alexandrer voltou sua atenção e seus poderes para as vinte legiões.
Jacal demorou mais uma hora e meia bajulando nosso império e contando feitos da nossa legião. Homenageou todos os seus superiores, incluindo o próprio General Sombra, e a Sub-General do império, imediata e segunda no comando, a bruxa responsável por me levar a seguir uma carreira no exército, Larya Yuriquer. Larya tinha tornado o nome do clã Yuriquer o mais famoso, desde que as raça das bruxas de aliaram completamente aos Bárbaros. Enquanto ele falava, vasculhei as pessoas na plateia.
Minha família se encontrava na primeira fileira, como nossa matriarca havia dito que estariam. Samantha Reverdon e Teskh Reverdon, respectivamente minha avó e minha mãe, tinham rosto impassíveis, sem nenhuma expressão, ao contrário da matriarca, que mesmo da posição sem muito privilégio que eu ocupava reparava no orgulho fervilhando nos olhos cor de âmbar das Reverdon.
As Orethel rodeavam a herdeira e a matriarca. A satisfação foi incontrolável ao ver que a matriarca Orethel segurava a mão da herdeira, que tremia um pouco. Marine costumava ser dura em seus sustos, apesar de não ser inconsequente de ferir uma bruxa. Mesmo assim, as bruxas lutavam para deixar o ar pesado. Reparei que as Reverdon tinham os cabelos esvoaçando levemente, o que confirmava que usavam de seus poderes para benefício próprio.
Eram as únicas bruxas presentes no auditório. O resto, eram as famílias de humanos que vieram prestigiar o evento. Apenas a de Elandro estava entre os inúmeros humanos, na primeira fileira próxima à minha. Não me surpreendi. Minha aliança pessoal não costumava ser muito próxima à suas famílias...
Uma pergunta se formou em minha mente. Porque as Orethel estavam prestigiando o evento?
- As alianças da legião Escuridão foram incluídas em muitas missões durante todo esse ano, porém, apenas uma de nossas legiões obteve exito em todas as missões que foi mandada.- Voltei a prestar atenção ao que Jacal dizia, um sorriso de canto de boca se formando. Ouvi toda a minha aliança estufar o peito. Um trabalhador humano entrou, seis bótons cravejados em uma caixa.- Por isso, estamos nesta premiação para condecorar a aliança da tenente-capitã, Keline Reverdon, por seus serviços prestados ao exército de Wonderfull. Venham receber sua premiação.
Demos alguns passos a frente, meu olhar se voltando rapidamente para a matriarca das Reverdon, que ostentava sozinha um sorriso orgulhoso. Nos posicionamos em frente a Jacal, a posição de aliança ainda formada.
- Tenente-capitã, Keline Reverdon, receba essa condecoração por seus serviços prestados.- Jacal anunciou, pegando o bóton maior, de prata e pedrarias.
Mas o som baixo da adaga cortando o ar fez com que eu desse três passos para trás, ao invés de receber a condecoração.
- SE ABAIXEM!- Elandro gritou.
Mais cinco adagas cortaram o ar, cada uma tentando atingir um da minha aliança. Mas não eramos a aliança que estava sendo condecorada a toa. A gritaria que as famílias humanas começaram no auditório foi ensurdecedora.
GENTEEE!!! EU TO SURTANDOOOO!!! Simplesmente amo a mitologia de As Sete Pedras, e uma das minhas raças favoritas é a das bruxas. Inclusive, uma das minhas personagens favoritas é a Keline, to feliz demais de ter conseguido apresentar ela desse jeito, eu adorei!! Coloquem suas opiniões e teorias sobre ela nos comentários, e não se esqueçam da estrelinha linda que me ajuda demais!!!
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