Dezoito - Keline
Era extremamente satisfatório ver os sete encolhidos em um canto, os olhares disfarçadamente nos encarando, avaliando. A roupa era comum para supostos viajantes, mas era notável que não eram apenas isso. Mantive o rosto impassível ao me dirigir a uma mesa casualmente próxima da que estavam. Segurei o impulso de abrir um sorriso ao ver a atenção mal disfarçava que direcionavam a nós. Seria tão simples...
Pedimos o primeiro prato que veio à mente, Elandro lançando olhares lascivos para a garçonete insinuante durante todo o tempo, o que foi repudiado com apenas um movimento de cabeça.
— Ah, essa vida de soldado do exército não é fácil...— Kirk começou, um sorriso de canto de boca contornando a voz grave. Arqueei uma sobrancelha, o encarando por baixo dos cílios. Robótico demais. Kirk sabia fazer algo melhor do que isto. O mercenário completou um momento depois, arqueando os ombros como se tivessem sofrido uma fisgado.— Minhas costas estão destruídas depois de hoje.
Voltei meus olhos cor de âmbar para a mesa, satisfeita. Meus dedos fizeram um círculo na madeira, contornando um dos pregos de sustentação.
— É uma pena que passaremos tanto tempo no labirinto...— Elandro passou a língua pelos lábios, os olhos revistando as mesas com certa luxúria. Ele traçou uma linha imaginária na mesa, casualmente.— As noites serão muito solitárias...
— Você conseguiu a façanha de me fazer perder a fome.— Clarissa conteve uma risada que poderia muito bem ter uma verdade tatuada. O som das armas presas no corpo chacoalharam quando o corpo da mercenária se arqueou.
— Acredite, quando entrarmos dentro daquele elevador vai se arrepender amargamente se não comer.— Pisquei os dois olhos, a frase saindo calculadamente satisfeita. Era suficiente. Quase dava pra ouvir o som das engrenagens na mente dos sete, enquanto comiam a carne gordurosa como animais.
A garçonete entregou o pedido, lançando o quadris de um lado para o outro. Os olhos de cílios volumosos piscaram para Elandro com uma veracidade absurda, sorrisos sendo trocados. Meu imediato a encarou por cima das sobrancelhas arqueadas, os lábios se repuxando nos cantos rosados. Levei a mão aos cabelos, e Elandro encarou o prato colocado no centro da mesa. A moça virou-se, balançando os quadris e montando um bico decepcionado.
Não era exatamente minha intensão marcar território em Elandro, porém, o brilho de brincadeira nos meus irradiou quase que na taverna inteira. Aquele rosto anguloso, bronzeado e belo era meu imediato. Meu. Provei a palavra ao pensar. Era bom colocar limites em Elandro...
O silêncio que se seguiu na mesa dos sete foi o suficiente para termos a certeza que estavam no caminho certo.
Demorou apenas alguns minutos para os sete se levantarem, os olhos passeando devagar pelo labirinto de mesas, praticamente correndo em direção a madeira desgastada da porta. Assim que o último fio de cabelo deles desapareceu na escuridão, Kirk não se preocupou em segurar o sorriso satisfeito.
— São despreparados. Cheiram a ferro e a medo...— O mercenário começou, mas Alexandrer, que até então apenas observava as mesas e sons atentamente.
— E a magia.
Minha aliança inteira, e eu mesma, encaramos Alexandrer, os olhares de surpresa faiscando dentro das expressões impassíveis.
— São humanos.— Confirmei, a voz firme.
— Cheiram a magia pura, os olhos deles faíscam, parece que a magia luta dentro deles, pede para ser usada.— O bruxo arqueou o corpo por cima da mesa, alcançando a carne colocada ali. Arrancou um pedaço, levando a boca.— Escute o som, é como um rio, provavelmente vai conseguir ouvir Kirk.
O mercenário silenciou-se. Kirk olhou para o chão, coçando o pomo de adão por um momento, enquanto nos servíamos da carne. Ele ergueu o olhar para meu rosto rápido demais para esconder a surpresa, a boca entreaberta levemente. Ele assentiu com a cabeça.
— Como?— A pergunta soou uma ordem.
— Não sei como...— O bruxo admitiu.— A magia que corre é parecida com a nossa, é pura. Talvez tenham ascendência...
— Saberíamos se existissem outros bruxos neste deserto Alexandrer. A Deusa teria destruído esta cidade se houvesse, sabe disso.— Ele encarou a comida rapidamente, concordando brevemente. Não me dei ao trabalho de me preocupar com a crueldade velada na frase.— Ainda são apenas jovens despreparados.
A deixa para o silêncio foi seguida. Comemos em total silêncio, Kirk monitorando onde os sete se encontravam. Marine terminou a porção que comia, observando uma das mesas se levantar, os ocupantes barulhentos se dirigirem para a saída. Apenas um olhar foi preciso para minha sombra sumir na multidão.
Eu duvidava que precisaríamos sequer entrar nos corredores infinitos do labirinto para para-los.
Assim que a tábua onde estava o leitão se encontrou vazia, nos levantamos. Era inevitável reparar nos ombros tensos e olhares cheios de curiosidade e medo dos camponeses, as analises mal disfarçadas ao passarmos. Não que isso realmente incomodasse a mim ou à minha legião. Parecia certo que chamássemos atenção por conta disso.
A rua de pedra de areia estava escura e vazia. A leve brisa fria beijou meu rosto, tão acalentadora que duvidava ser apenas um vento comum do deserto. Que Aretha Reverdon e A Deusa estivessem com minha aliança naquela noite estrelada. Marine prostrou-se ao meu lado, tomando seu lugar como se nunca o tivesse abandonado. O queixo erguido me confirmou que estavam por perto.
Seguimos nosso caminho em direção à Grande Arena, lento o suficiente para não perder o farfalhar baixo das túnicas dos sete nos acompanhando. Assim que ultrapassamos o arco de pedra da Grande Arena, adentrando mais entre as portas, Alexandrer fez a gentileza de deixar todas as que ultrapassamos destrancadas, e os passos altos o suficiente para sermos seguidos.
Eram como ovelhas sendo pastoreadas. Decadente, no mínimo.
Rodeamos as alas diferentes do lugar, deixando sua localização o mais difícil possível. Não podíamos negar que brincar com a presa era algo que normalmente predadores fazem, e presas tão maleáveis era uma novidade.
A última porta desse jogo foi fechada. Era o último corredor antes de uma das entradas da Grande Arena, de paredes com pé direito alto e um leve cheiro de sangue envolvido na areia. Um lugar onde seria mais simples entregar os corpos às bestas de batalha depois de terminar. Sorrimos, a aliança inteira sacando alguma das armas escondidas, e apoiando os corpos na parede.
E esperamos.
Fomos apenas alguns minutos de espera em silêncio, até que a porta alta foi empurrada, e sete rostos assustados arregalaram os olhos. Não me dei ao trabalho de segurar a risada sadica, verificando as unhas por um momento. O olhar que direcionei aos sete poderia ser comparado ao de um animal faminto, fulminante.
— Ora, ora, ora... Parece que o ratinho acabou de achar o queijo.
Elandro arqueou uma sobrancelha para mim. Admitia, aquela frase foi horrível. Nas mãos, empunhei com orgulho a lança de ponta dourada presa retraída na base da coluna, verificando devagar enquanto o medo e a reação das nossas presas finalmente vinha a tona.
Alexandrer praticamente deixou o ar irrespirável. O peso da areia cresceu, lembrando que ainda estávamos vivendo em um clima desértico. Os pés batendo no chão com ansiedade forçada fez com que ele diminuísse o calor. Suor não era algo agradável.
O som dos passos de um deles fez com que eu arqueasse os ombros, virando a cabeça devagar e predatoriamente para eles. Um deles, uma garota mais jovem que Alexandrer, os cabelos cor de fogo, havia dado um passo a frente, ostentando um sorriso tão lascivo quando os de Elandro.
— Previsível eu diria.— Praticamente riu, os olhos verde escuro brilhando tão forte e verdadeiramente como uma estrela.— Gostam de brincar com fogo?— A garota puxou um chicote espinhoso, de cores arroxeadas, observando as pontas brilhantes do chicote. Pedi A Deusa que não reparassem quando perdi o folego, vendo cada um dos espinho do cabo até a ponta serem revestidos de gelo.— Querem ver um truque que eu andei treinando? Tudo o que precisam saber é que eu prefiro o frio.— E com um movimento rápido, a menina chicoteou o chão.
Todo o corredor, desde o chão, as portas, as paredes e o teto, foi simplesmente tomado por uma camada maciça de geada, neve e gelo puro. Subitamente, o calor de Alexandrer não surtia mais efeito. Aquela sensação de frio subiu pelas nossas pernas, parando próximo aos joelhos, e a expressão de assombro pouco escondida da minha aliança também estava no rosto dos outros seis.
Era uma demonstração de poder, sim. Mas acima de tudo, era uma demonstração de como esse poder poderia ser descontrolado.
— Helena...— Outra garota, mais velha, de cabelos escuros e longos, disse, quase como um suspiro.
— Legal não acha? Congelei muitas cadeiras pra conseguir fazer.
A frase me lembrou da minha missão. Eram crianças, expressando vulnerabilidade sem se preocupar em esconder. E o que eu estava ali para fazer era deter aquelas crianças.
— As vezes é ótimo uma brisa fresca, mas não me leve a mal, estou mais acostumado ao clima quente do deserto.— Elandro sorriu. Meu imediato tomou o posto de ordem por um momento enquanto me recompunha, sua frase dando a deixa para Alexandrer irradiar calor, o gelo e neve derretendo em alguns segundos.
— Acho que prefiro acabar com esse papo furado mesmo.— Em questão de meio segundo, a garota de pele escura e cabelos volumosos puxou uma flecha da aljava nas costas, atirando diretamente em Marine. Minha sombra deu um passo rápido para o lado, a flecha passando zunindo ao seu ouvido e ricocheteando na parede.
Foi a deixa para o caos.
A garota mais velha, e outro garoto empunharam suas espadas, os dois direcionando sua atenção para Elandro. A menina mais nova cujo nome era Helena, escolheu diretamente Alexandrer para uma batalha que não envolvia apenas as armas. A garota do arco pareceu ter uma honra a cumprir, atirando mais e mais flechas em Marine, que desviava, e atirava adagas, das quais a garota também desviava.
Cerrei os punhos. As paredes se moldaram à minha vontade, estacas de pedra se formando pela pedra de areia, quase atingindo cabeças dos sete. No momento seguinte, as paredes se arquearam, tremente, enquanto algo tentava se sobrepor ao meu poder. Um braço escuro e musculoso se estendeu, e meu olhar se voltou para um garoto de cabeça raspada. Um garoto que possuía o mesmo poder que eu. Não me importei em esconder o orgulho ferido por aquele garoto. O chão tremeu sobre os pés dele, quando fios grossos de terra e areia se enroscaram em suas pernas rápido. Ela lutou contra, e senti sua magia se contorcer contra a minha, fraca e inexperiente.
O tempo passou rápido demais para perceber quando tiros ecoaram. Elandro lutava arduamente contra as duas espadas, mas acabou no chão, o cheiro de sangue se espalhando pela sala, pintando de vermelho a areia. Kirk, que até agora eu não havia percebido estar sendo atacado como um animal por um garoto acima do peso possuindo uma clava, também havia sido atingido, uma mancha vermelha se espalhando pela camiseta preta como uma praga. A preocupação com minha aliança se sobrepôs completamente a minha própria dor, e o sangue vermelho brilhante que escorria pela linha abaixo do meu estomago, quente como fogo, não parecia realmente estar ali.
Dois olhos, azuis como fogo escaldante, faiscaram eletricamente, enquanto a garota de cabelos quase brancos guardava uma arma pequena em um coldre por dentro da roupa. Dentre todos os sete, ela era a que se prostrava mais maduramente, o rosto jovem já recebendo traços de mulher no queixo fino e maçãs sobressalentes.
— Vamos.— O som das vozes dos sete se sobressaíram, e os passos apressados desapareceram arena a dentro.
semicerrei os olhos, ao vê-los desaparecer bem abaixo do nosso nariz. Minha sombra já havia arrancado a bala que atingiu Elandro, as mãos pequenas banhadas no líquido viscoso. O homem trincou os dentes ao levantar, dolorido. Um longo suspiro escapou entre meus lábios, impaciente, sopesando o que havia acabado de acontecer ali de todos os ângulos. A decepção no olhar era visível, a incompreensão se misturando a raiva de derrota. Encarei Alexandrer, buscando ar o suficiente para falar antes que Marine arrancasse a bala de mim.
— Vá atrás deles. Carbonize aqueles sorrisos sádicos se for preciso.
O bruxo não ousou encarar meu rosto. Apenas virou-se, os passos sumindo atrás dos sete. A última visão que tive de Alexandrer, foi a explosão de chamas, que se A Deusa permitisse, queimaria cada grão de areia naquele lugar.
Alexandrer... Será que conseguirá carbonizar nossos anjos? Eu diria que não, mas não consigo não amar todas as pessoas nessa aliança, por mais que eles queiram matar nossos Escolhidos a todo custo. Eu amo escrever a visão da Keline, escrever o jeitinho dela é a parte mais incrível da Keline. Amo a nossa herdeira mal vista pelas outras famílias! Coloquem suas opiniões e teorias nos comentários e não se esqueçam da estrelinha linda que me ajuda demais!!
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