51
Helena esperou a dor dos espinhos, mas foi como pular em água. Através do espelho a escassa claridade se foi. Helena só conseguia ouvir a respiração pesada de Will e ele a dela. Os dois tatearam as mãos um do outro no escuro e se firmaram.
Então, houve luz. Fogos-fátuos azuis se acenderam junto à parede e iluminaram o interior do lugar como se soubessem da presença dos visitantes, revelando uma escultura de pedra no centro da sala circular de piso verde-escuro.
A figura macilenta e magra de Leon saiu de trás da escultura carregando Vince ensanguentado pelo pescoço. Helena engoliu em seco antes a figura do rapaz. O sangue seco sob o seu rosto, o cabelo loiro bagunçado, o desespero...
― Eu sabia que você não me desapontaria. ― Ele falou.
Will empunhou a espada e Helena produziu uma bola de fogo.
― Trouxe companhia. A sua presença vai ser mesmo necessária, garoto.
― Eu estou aqui, agora largue Vince. ― Helena disse com autoridade.
― Helena, não! ― Vince gritou.
Ela deu um passo à frente, mas os dedos de Will a prenderam feito algemas.
― O seu amiguinho tem me dado mesmo muito trabalho. ― Leon apertou a garganta do rapaz numa chave de braço. Ele apontava uma adaga para o pescoço do rapaz. ― Não sei porque se importa com esse verme e a família dele.
― É a mim que você quer. ― Ela tornou a dizer.
― A vida desse vermezinho pouco me importa. ― Leon cuspiu no chão. ― Você o terá, mas antes quero que faça algo para mim. ― Leon apontou para a escultura.
Foi como se Helena a tivesse notado apenas naquele instante. Um belo homem estendendo um cetro de pedra era representado ao centro. Em ambos os lados, como dois escudeiros, um homem segurava um livro e uma mulher sorria. A mulher era esbelta com cabelos presos por um arco e sorria de modo confiante.
Helena a reconheceu de imediato. Era a mulher espectral. O orbe de luz azul. Um sorriso brotou nos lábios de Leon ante a confusão momentânea de Helena. Não podia ser... Aquela estatua.
― Angelina Jenkins era tão bonita quanto letal. ― Leon parafraseou. ― Eu mal acreditei quando ela apareceu em minha cela.
― Não, isso não é verdade. ― Helena esbravejou. ― Você não passa de um assassino mentiroso.
― Do que ele está falando, Helena? ― Will sussurrou atrás dela.
― Vamos, conte a ele! ― Leon gritou numa voz que mostrava divertimento e impaciência. ― Conte a ele o que você libertou na floresta.
― Não, eu não sabia, Will. ― Helena suplicou.
― O que você fez? ― Will se desvencilhou. A sua voz pesada e acusatória.
A ponte indivisível entre eles tornou a aumentar. Helena queria alcança-lo, mas era intransponível. A afastava não só de Will, mas de tudo o que aprendeu e conquistou nos últimos meses, das pessoas que conheceu.... Ela estava se perdendo.
― Ela invocou.
A ponte invisível se quebrou como uma bala atingindo uma parede de vidro. Era permanente. Helena ergueu o rosto na direção de Will, envergonhada. Ela queria dizer que era mentira, que Leon não passava de um manipulador assassino, mas no fundo, sabia. Soube no instante que a sua gotícula de sangue tocou a água cristalina daquela pira de pedra. O rosto do protetor era uma mistura de decepção e desespero. Ele esperou a negação de Helena, que não veio.
O som de vidro se partindo inundou o recinto. Por um instante Helena pensou que fosse o seu coração se quebrando ante aquele olhar frio de Will. No entanto, era apenas o espelho de espinho se abrindo para mais um convidado.
Graças ao Elo! Estavam à salvo, ela pensou quando viu o sobretudo preto e a bengala em formato de cobra. Phineas.
O rosto de Leon era marcado por uma fúria velada e algo mais, medo talvez. Não era algo que estava em seus planos. Por um momento Helena se deliciou com aquela expressão, embora o êxito não tenha durado nem por um segundo, pois Phineas sacou a espada e apontou diretamente... para ela.
Helena queria gritar, mas se conteve. Isso só pode ser brincadeira, pensou. As palavras de Leon foram mais assustadoras possíveis, quando ele disse:
― Fique atrás de mim, Helena. ― Não era uma ordem ou ameaça, mas um pedido.
Phineas ergueu o rosto numa expressão alegre.
― Leon, meu amigo, há quanto tempo. ― Ele disse numa voz monótona.
― Maldito! Eu preferia morrer a ser o seu amigo. ― Leon respondeu em fúria.
― Esse desejo será concedido em breve, mas antes que tal ver o filho do seu melhor amigo morrer?
― Não se aproxime do garoto ou eu mato esse aqui. ― Leon segurou firme a espada em direção ao pescoço de Vince.
― Professor? ― Helena arriscou.
Phineas olhou para ela com desprezo. A sua bengala tremeu sobre a sua mão e como se tivesse se transformado em liquido foi ao chão, mas não era água. A serpente dourada rastejou em direção à Helena, que a atingiu com uma esfera de fogo. Will lançou uma mistura de gelo poderosa, que a deteve momentaneamente, mas não a impediu.
Antes da serpente se aproximar, ela sentiu o tecido viscoso e gelado serpenteando pela sua canela. Dezenas de cobras se esgueiravam por entre as fendas da montanha.
― Minhas amigas, minhas adoradas amigas. ― Phineas falou.
As serpentes rodearam o seu corpo, restringindo os seus movimentos e sufocando os seus músculos como se ela não passasse de um camundongo assustado. Will lutou mais do que ela, cortando a cabeça de duas serpentes antes de ser impedido, mas fora em vão. Ambos foram presos junto à estátua.
― Tanto poder, mas nenhuma inteligência. ― Ele ofendeu. ― A simples menção de Éfero ao Príncipe e você logo supôs que se tratava de Leon. Olha só para ele. ― Phineas zombou.
As vestes imundas e gastas. O rosto macilento, os dentes podres e o corpo magro. Não era nenhum pouco nobre.
― Você...? ― Will arriscou. Falando com dificuldade.
― Eu não, garoto estupido. ― Ele perdeu a paciência. ― Mas talvez eu tenha tempo antes de matar vocês dois para contar a minha história.
Leon deu um passo para lado, mas Phineas, tomando consciência de sua tentativa, ergueu os braços e as serpentes o pegaram. Vince só teve as mãos contidas por elas.
― Ora, você não achou que fosse me pegar distraído, achou? Sempre tão previsível. ― Phineas provocou. ― Eu sabia que você viria até mim quando descobrisse a minha traição e bastou uma única gota da Flor da Meia-Noite para você ruir. Pobre Leon, achava que a força bruta podia superar a inteligência.
― Nós confiamos em você. ― Leon falou, decepcionado. ― Ela confiou em você e você a traiu. Quebrou o nosso juramento!
― Juro em lugar escondido ser para sempre um dos perdidos. ― Phineas gritou em zombaria. ― Vocês quebraram o juramento primeiro, quando se uniram àquele demônio. ― Ele cuspiu.
― O nome riscado e o nome ininteligível. ― Helena se deu conta.
― Usando a cabeça, finalmente. Nós dois fazemos parte do Clube, assim como os pais de vocês como já devem saber. ― Phineas começou. ― Claro que tudo não passou de uma brincadeira entre amigos.
― Você nunca foi nosso amigo. ― Leon berrou.
― Isso você tem razão. ― Phineas foi complacente. ― Eu nunca precisei de amigos.
― Então, admita! William tem o direito de saber quem matou o seu pai. Um homem à beira da morte...
― Devemos a verdade. Eu ainda me lembro! ― Phineas o interrompeu. ― Rickard nos ensinou.
Will ergueu o rosto sufocado pelas serpentes e encarou Phineas com os olhos atônitos. Helena reparou no suor, na vermelhidão rosto e na expressão confusa. Nunca o viu tão... vulnerável. A mera menção do pai trouxe à tona sentimentos que só ela era capaz de entender.
― Leon matou o seu pai, garoto. ― Phineas revelou.
― Mentiroso! Mentiroso! ― Ele gritou. ― Você me obrigou com a sua droga. ― Ele falou feito um animal.
― Ah, isso também é verdade. Leon esmagou o crânio do seu pai, o seu melhor amigo. ― Ele revelou. ― Claro que para mim era apenas um experimento. Sete anos sendo submetido à concentração daquela poção, vocês podem imaginar como ele ficou. Bastou soprar no seu ouvido. Você sente saudades da sua coleira, cachorro?
Leon ficou tenso, na verdade, perturbado. Phineas nutria uma expressão doentia no rosto. Helena quis vomitar, mas se conteve. Ela tentou olhar para Will, mas as serpentes eram mais resistentes que cordas poderosas.
― Você deveria ter morrido naquele lago. ― Phineas se dirigiu a ela. ― Se tivesse se afogado quando eu joguei você lá, ninguém precisava ter morrido. Mas de algum jeito você sobreviveu e conseguiu partir de Brascard com Francis e Tereza.
"Só descobri depois de sete anos que a criança maldita ainda respirava. Você desapareceu, Helena. Era incapaz de ser rastreada, então eu precisava ir atrás de quem ajudou você. Mas quem poderia ter arrumado dois vistos de saída de Brascard em tempo de guerra?
― Os meus pais. ― Will murmurou.
― Bingo! O casal de protetores diplomatas, que repentinamente viajou para o exterior com o filho recém-nascido. Não foram eles mesmo que viajaram, mas um casal disfarçado e uma recém-nascida vestida de menino. O seu pai foi tão covarde. ― Ele se dirigiu à Will. ― Não suportou ver a sua mãe ser torturada, então contou tudo. A ideia surgiu de imediato, como atrair dois protetores fujões de volta para Brascard?
― Por isso você os matou? ― Will perguntou. ― Por um plano estúpido. ― A sua expressão era desolada.
― Era isso ou matar os pais de Tereza, mas Lancastelo era longe demais e os dois já estavam ali. ― Phineas deu de ombro como se tivesse decido o que comer no jantar.
Will explodiu numa fúria gelada. Numa força descomunal, ele libertou os braços e rasgou duas serpentes com as unhas. O protetor produziu uma espada de gelo e cortou todas as cabeças que via em sua frente. Centenas delas. Até chegar à Phineas.
Phineas bloqueou o seu golpe com facilidade e o tinir entre ambas as espadas provocou um som de dar aflição no ouvido. O contragolpe veio tão rápido, que ela mal conseguiu acompanhar os giros e bloqueios de Will. Phineas surpreendeu Will com um soco no peito que o fez cair no chão a metros de distância. A espada se partiu em centenas de cristais de gelo.
― Você é tão covarde quanto o seu pai. ― Phineas disse. ― Sabe o que ele disse pouco antes de morrer? ― Phineas provocou. ― Ele pediu por uma morte rápida, mas você deve imaginar que eu não sou alguém misericordioso.
Leon se contraiu e começou a rasgas as cobras com as mãos. Transtornado pelas lembranças. Helena esquentou o corpo o máximo que pode e com dificuldade conseguiu libertar a sua mão esquerda. Se ao menos alcançasse o laço preso na calça. As serpentes a sufocaram ainda mais.
Ela viu Phineas girar o cabo da espada e estende-lo na direção de Will, que estava caído, de joelhos. A sua visão ficou turva e ao longe ela ouviu Phineas gritar. Helena tateou o ar em busca de algo que pudesse ajudar, alguma arma, qualquer coisa. As serpentes se enroscaram sob o seu pescoço e apertaram num abraço letal.
A mente agitou uma lembrança. Uma sensação. Sem ar. Despida. Afundando em meio à água gelada e escura. Então, o choro infantil. O seu coração bateu rápido e a despertou para o presente. Estava morrendo. Ela inspirou o ar ruidosamente, mas engasgou.
Pouco antes de desfalecer por completo, a sua mão livre tocou numa superfície lisa e alongada, que ela não conseguiu ver o que era. O último ato de desesperado de alguém à beira da morte. A pedra esquentou com o seu toque e se partiu, revelando uma superfície dourada, que emanava raios de luz como se fosse o seu próprio sol.
Naquele toque, ela sentiu o seu corpo levitar em si mesmo, apesar de ainda estar bem presa ao chão. Algo dentro dela se libertou, mas ela não fazia ideia de que estava presa, enlaçada. Então, morrer é assim? Estranho, pensou. Nunca se sentiu tão... viva e livre.
O vislumbre de uma tiara entre conchas e algas marinhas a despertou. Mortos não sonhavam. Helena abriu os olhos e se deu conta do que havia em suas mãos. O cetro de Edgar Blackwell.
As serpentes explodiram como se fossem feitas de uma sombra viscosa e, gradualmente, a escuridão se dissipou. Phineas a olhou, furioso e atônito. O seu maior erro foi a subestimar. Contudo, não era o único que pareceu surpreso, tanto Will quanto Vince a encaravam.
Não houve tempo para reparar em sua pele brilhando numa cor dourada ofuscante. Tampouco na queimadura incômoda de uma de suas tatuagens, o círculo fechado, pois, quando encostou o cetro no chão, o objeto emanou raios violentos na parede da montanha. As pedras rolaram do teto e caíram sobre eles. Por sorte, não atingiu ninguém. O teto tremeu sob os seus pés e rachaduras se formaram no piso.
― Helena! ― Will gritou. ― Faça parar!
O espelho de espinhos se espatifou em centenas de milhares de pedaços. Ela se lançou ao chão para fugir dos estilhaços e quando levantou a cabeça, após a névoa de poeira se dispersar um bocado, os viu.
Do portal que havia aberto por acidente, caminhando lentamente como num desfile pomposo, Edgar Blackwell apareceu.
***
Atenção, o próximo capítulo é o ultimo!
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