5
― Indo a algum lugar? ― Disse o homem.
― Essa maldita me atacou. ― O rapaz saiu de dentro do orquidário esfregando o queixo.
― Você mereceu, imbecil. ― Helena grunhiu.
― Já gosto dela. ― Disse a ruiva com satisfação.
― Vocês dois, chega! Helena, precisamos que venha conosco. ― Disse o homem tentando o máximo ser cauteloso.
― Como você sabe o meu nome? ― Helena deu dois passos para trás e trombou com o rapaz, que segurou os seus ombros.
― Todos sabem o seu nome. ― Sussurrou.
Helena se desvencilhou e mostrou a espada fina e afiada que carregava consigo. A ruiva revirou os olhos e ela ouviu o rapaz sorrir atrás de si. O homem a sua frente não demonstrou reação algum diante da ameaça.
― Responda. ― Ela tentou soar o máximo ameaçadora.
― Tudo bem. ― O homem estendeu as mãos em sinal de rendição. ― Eu conheci os seus pais. Francis e Tereza Crawley, não?
Helena congelou por um momento. Não ouvia aqueles nomes fazia muito tempo. Dez anos mais precisamente. Nem mesmo pensava naqueles nomes.
― Mais um motivo para eu não confiar em você. ― Disse, seriamente. ― Você os conhece mesmo? Sabe o que eles fizeram comigo? ― Ela disse em tom amargo. ― O que aconteceu, eles se arrependeram e contrataram detetives particulares para me encontrar? ― Ela gritou de um jeito esbaforido. O homem robusto permaneceu sério na sua frente. ― Pois bem, diga a eles que eu não dou a mínima, entendeu? Sem ressentimentos! ― Esbravejou com o coração na boca. ― Só quero seguir o meu caminho, beleza?
― Eles morreram, Helena. ― Disse o homem calmamente. ― Foi há dez anos. Não sabíamos que eles haviam tido uma filha, por isso demoramos tanto para encontrá-la. Só descobrimos a sua existência há dois anos atrás.
Helena engoliu em seco e cambaleou. Depois que os dias seguintes ao abandono se transformaram em semanas e as semanas em meses, Helena, mesmo com sete anos, considerou a possibilidade de os pais terem morrido.
Talvez tivessem sido atingidos por um ônibus a caminho de busca-la. Talvez tivessem sido assaltados e mortos por bandidos. Mas no fundo, nunca acreditou que Francis e Tereza estivessem mortos. Era mais fácil sentir raiva deles do que se entristecer.
Mesmo naquele momento em que, supostamente, deveria se entristecer, tudo o que sentiu dentro de si foi uma raiva crescente. Ela não sabia exatamente do que sentia raiva, mas sentia de uma maneira mortal e lancinante. E a sua raiva era perigosa. Madalena que o diga.
Depois que abrandou a raiva em seu peito, Helena soltou o ar. O instante de choque não durou mais do que alguns segundos. O seu coração palpitou em seu peito de um jeito descompensado, como se tivesse sido apertado ao máximo por mãos de gigantes.
O fluxo do seu sangue era tão intenso e o ar não era suficiente para os seus pulmões. Ela não teve certeza se uma nuvem de chuva havia encobrido o céu ou se a sua visão que escurecia lentamente. Durante a queda, enquanto sucumbia, só pode sentir mãos frias, como escamas, segurando o seu corpo. Definitivamente, a segunda opção.
Não podia ser o homem robusto, porque ele olhava em seus olhos de um jeito preocupado. A confirmação veio quando um rapaz de cabelos negros e olhos escuros apareceu em seu campo de visão.
― Peguei você. ― Ele disse. Helena não tinha certeza se ele estava sussurrando ou se ela que estava desfalecendo, mas o som soo tão baixo que ela suspeitava que havia sido real.
***
Helena entrou na cafeteria insegura. Era o tipo de lugar pequeno que aparenta ser acolhedor e casual, com luz baixa e assentos acolchoados. Helena já havia olhado as vitrines de cafeterias como aquela antes e não achava nada acolhedor. A começar pelo cardápio que era em outra língua.
Eles sentaram ao fundo aonde a luz era mais fraca e não podiam ser ouvidos. A garota ruiva se prontificou em pedir algo para beber e comer, enquanto o garoto de cabelos pretos, que se recuperava do soco, sentava ao lado de Helena com feições desinteressadas.
O homem robusto estava a sua frente. Estava estranhamente quieto desde o caminho e parecia constrangido. Todos estavam constrangidos, na verdade. Não eram um grupo muito harmônico. E os geeks e hipsters que estavam ali perceberam isso no momento em que eles entraram.
Quando a ruiva voltou com quatros copos e alguns pães e bolos, Helena não fingiu cerimonia e se pôs a comer. Pelo menos havia algo que poderia aproveitar daquela conversa.
― É frio. ― Disse quando experimentou a bebida com uma careta.
O garoto ao seu lado e revirou os olhos e estendeu o seu copo para ela.
― Podemos trocar se quiser. ― Ele disse num tom monótono.
Helena assentiu e experimentou a bebida quente, enquanto mastigava um croissant de queijo. Os três a encaravam de um jeito esquisito. Preocupados com ela. Ou melhor, com a reação dela. Não era assim que, supostamente, uma pessoa que recebe a notícia de que os pais morreram deveria se comportar.
― Não consigo pensar quando eu estou com fome. ― Ela esclareceu.
O homem robusto assentiu lentamente e o garoto de cabelos escuros aproximou a bandeja de pães e bolos mais para perto dela.
― Então, vocês vão se apresentar ou não? ― Falou depois de forçar o croissant para dentro.
O homem robusto assentiu mais uma vez e pigarreou.
― Meu nome é Ivan Lee. Sou chefe dos protetores da ativa de Brascard e fui mandado para resgatar você. Esses são Charlotte Lovegreen e William Cardragon, os meus estagiários.
Helena se arrependeu naquele instante de ter sentado próximo à parede, pois se estivesse no corredor dar o fora teria sido muito mais fácil. Mas dessa vez, William parecia menos disposto a deixa-la escapar.
― Protetores da ativa? ― Foi tudo o que ela conseguiu perguntar.
― Você não sabe nada sobre nós? ― Ivan devolveu a pergunta.
Helena negou seriamente.
― Nós garantimos o equilíbrio entre as raças mágicas e tentamos permitir ao máximo que elas coexistam em igualdade e liberdade. Os protetores da ativa são como chamamos os protetores que realmente exercem tal função, enquanto os outros se dedicam as outras funções essenciais ao nosso país, seja no setor público ou privado.
Helena gargalhou e chamou a atenção do restante da cafeteria. Naquele instante os hipsters voltaram as atenções para eles com os seus óculos de armação antiga e olhares acusatórios. Helena se desculpou com um aceno e se aproximou mais de Ivan.
― Tomou sol demais na cabeça, foi?
― Mais respeito com o seu superior. ― Bradou Charlotte, segurando o pulso de Helena através da mesa.
A raiva despontou do peito de Helena, que sorriu de maneira sarcástica e encarou a ruiva por um segundo.
― Charlotte, por favor. ― Pediu Ivan. Charlotte soltou o pulso de Helena à contragosto.
― Você nunca fez nada que julgasse especial? ― Foi a vez do garoto de cabelos escuros falar. William. ― Nada que pensasse que podia ser inimaginável para os outros?
Os dois se encararam em silêncio. Helena sabia que era especial de alguma forma, mas não considerava que fosse especial de um jeito bom. Ela desviou os olhos para o pratinho de pães, não mais tão convidativo.
― Helena, você é uma protetora. É o seu dever servir o mundo e garantir a paz entre as raças. ― Ivan disse seriamente. ― Você herdou isso dos seus pais.
― E aonde eles estão? ― Helena perguntou num tom amargo. ― Será que na droga do seu pais você tem que servir primeiro o mundo antes de cuidar da própria família? Porque se for assim, eu não estou interessada.
― A morte de Francis e Tereza foi uma surpresa para nós e um lembrete de que nunca poderemos descansar das nossas responsabilidades. Por motivos desconhecidos os seus pais viviam como naturais, ou seja, seres sem magia. A morte deles, sete anos depois da guerra que nos acometeu, fez com que nos lembrássemos que o perigo ainda nos cercava. ― Ivan discursou. ― Eu sinto muito que tenha perdido os seus pais.
― Como eles morreram? ― Helena perguntou fitando o copo.
― Os seus pais foram assassinados por um protetor. ― Ivan admitiu, envergonhado.
Helena levantou a cabeça e o encarou.
― E o protetor que o matou? ― Ela insistiu.
― Preso nas prisões submarinas. ― Ivan disse, encarrando o assunto.
Helena ficou em silêncio por um momento. A morte dos seus pais não explicava o fato de ela ter sido abandonada por eles. Ela achou que isso podia fazer com que os perdoasse, mas não fazia.
― Queremos que se junte a nós Helena. ― Ivan interrompeu o seu devaneio. ― Você pode aprender a dominar os seus poderes e podemos cuidar de você.
Helena sorriu em escarnio.
― Vocês estão dez anos atrasados. ― Ela tripudiou.
― Você pode escolher ser o nosso grande erro ou o nosso melhor acerto. ― Encorajou Ivan. ― Teremos muito o que trabalhar e não será fácil, mas você pode fazer a diferença.
Charlotte crispou os lábios em desaprovação e Helena fingiu não notar. Ela considerou a oferta por um momento. Depois daquela manhã fatídica em que o incêndio começou, ela não sabia mais do que era capaz de fazer. Não podia correr o risco de ferir alguém de novo. Mas ainda assim ela estava relutante.
― Aonde essa escola fica?
― Em Brascard, o pais insular dos protetores e de todas as criaturas mágicas. Brascard é a nossa cidade capital e a escola fica à algumas milhas ao norte. ― Respondeu William.
― E eu tenho escolha? ― Helena perguntou num tom sarcástico. ― Porque vocês mais pareciam dispostos a me sequestrar.
Ivan sorriu pela primeira vez.
― Isso é um sim?
Helena pensou por um momento.
― Pode considerar como um talvez.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro