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40

O ar frio da noite fez os seus pelos se arrepiarem quando entrou na floresta escura e ela abraçou o corpo. As arvores retorcidas pareciam macabras à meia luz e o único som que ouvia era o farfalhar do seu vestido longo e as folhas balançando com a brisa noturna.

O bilhete pedia para que os dois se encontrassem na floresta. No lugar em que Helena produziu a sua primeira esfera de fogo com a ajuda de Will. Fogo e Gelo. Helena andou até a pequena clareira e esperou em silêncio até que ouviu passos do outro lado.

Sorriu, instintivamente.

Will saiu por de traz de uma das árvores. O capuz pesado fazia sombra no seu rosto, o rapaz deu um passo à frente sem dizer nada.

   ― Will, muito engraçado, mas você tá me assustando. ― A sua voz saiu mais abafada que pretendia.



― Você demorou uma eternidade. ― Charlotte pegou a bebida.

― Aonde está Helena? ― Thomas se sentou.

― Não consegue adivinhar?

Thomas negou com a cabeça e Charlotte deu um meio sorriso. A banda voltou a tocar uma música animada e ela tamborilou os dedos na mesa no ritmo da música. 

― Vou fingir que você não fazia parte do plano. ― Disse a ruiva. ― Ela está com Will.

Thomas engasgou com a bebida e se levantou de imediato.

― Will?

Charlotte assentiu, semicerrando os olhos. 

― Aonde?

― Não sei, eu não li o bilhete. Qual o problema?

― Will não está em Brascard. ― Thomas se levantou apressadamente.

Will não disse nada, apenas caminhou em sua direção com uma determinação resoluta. Parece mais alto, ela pensou. O seu coração bateu acelerado em seu peito, estava pronta para dizer alguma coisa, quando atrás dele ouviu um rugido familiar.

O animal de aparência lupina e dentes afiados saiu de traz da árvore, faminto e babando. Uma risada gutural rasgou o silêncio da noite e só então ela se deu conta da armadilha que havia caído.

Não era Will por baixo daquele capuz. Um sorriso de tubarão cintilou conforme as nuvens se afastaram no céu e as estrelas iluminaram a pequena clareira. O homem retirou o capuz do rosto e revelou uma pele pálida e macilenta, com ossos sobressalentes. Não lembrava o rapaz gentil da foto no gabinete de Althariel.

― Você! ― Ela acusou.

Leon usava uma capa surrada e roupas rasgadas. Parecia mais velho do que realmente era e apesar de aparentar fraqueza, carregava uma lamina reluzente capaz de cortar Helena ao meio num só golpe. Ela se lembrou de Brandon e de sua maldita aposta. Esquartejada estava ganhando, ela estremeceu.

Não pensou duas vezes e produziu uma esfera de fogo potente. Arremessou em sua direção, mas o assassino desviou com habilidade e deu um sorriso.  Zombava dela antes de matá-la.

― Helena Crawley, você tem a audácia da sua mãe. ― Ele caçoou.

― Como ousa falar da minha mãe? ― Ela gritou. ― Assassino!

― Depois de todas essas semanas me escondendo nessa floresta e esperando apenas uma oportunidade de te encontrar, é assim que você me cumprimenta?

Ela cerrou os punhos.

― Como você esperava ser tratado? ― Ela disse entre dentes.

― Com um mínimo de respeito, pelo menos. Não vai querer fazer nenhuma pergunta? ― Ele sorriu e imitou a sua voz. ― Porque você fez o que fez? Porque está atrás de mim? Porque traiu a nossa raça?

― Porque traiu os seus amigos? ― Ela provocou.

Leon ficou sério e se aproximou de Helena como se fosse um animal. Tocou o seu rosto com os seus dedos esguios e macilentos e cobertos com unhas podres.

― Eu nunca traí os meus amigos. Fui fiel a eles por dezessete anos. Dezessete anos!

― O seu conceito de fidelidade é bastante deturpado. 

Ela esperou a sua distração e o golpeou no estômago da mesma forma que havia feito com Katrina. Com punhos de fogo. Leon voou alguns metros e caiu no chão. Ela franziu o semblante, ele parecia…satisfeito.

Helena não quis ficar para olhar, apenas correu da clareira bem a tempo de vê-lo incitar a sua fera maligna em sua direção.

O animal rugiu e a perseguiu pela floresta. Ela correu a plenos pulmões, desviando de galhos secos e raízes traiçoeiras. O seu vestido vermelho estava enlameado e rasgado.
Helena usou o laço cintilante para derrubar o galho de uma árvore e bloquear o caminho do animal em seu encalço. A besta deu um salto ágil e continuou a perseguindo. Leon corria logo atrás e aproveitou o momento para pular e montar na fera em pleno ar.

Helena se deparou com a clareira das pedras e por um momento se impressionou com o quanto havia corrido. Não havia escapatória ali. Era preciso lutar. Cansada de fugir, ela se virou e viu Leon a circundar montado no seu animal sedento por sangue e carne.

― Os seus pais ficariam orgulhosos.

― Você vai se arrepender das suas palavras. ― Helena cerrou os punhos.

Lá estava ela. A sua magia crescendo dentro do seu peito e implorando para participar. Ela não se importaria se dessa vez queimasse junto. Que ambos fossem para o inferno.

Helena arremessou as suas esferas de fogo cada vez mais intensas. Leon desviava com habilidade. Ela esperou pelo seu ataque, mas ele se mantinha a certa distância. Helena despejou ainda mais o seu poder, até começar a ofegar. Leon a tratava com uma presa e ela se sentiu estupida quando caiu pela segunda vez em seu jogo.

― Você vai deixar que eu fale agora?

― Eu não quero ouvir nada do que você tem a dizer. ― Helena vociferou. ― Você exterminou uma família, matou uma mulher grávida.

Para o seu desgosto Leon continuou rindo e Helena gritou atingindo o seu animal dessa vez, que ganiu de dor e rugiu para Helena.

― Tereza Crawley grávida? ― Ele gargalhou.

― Não toque no nome dela. ― Os olhos de Helena faiscaram.

― Você é exatamente como o seu pai.

Ela gritou e correu em sua direção com a adaga. A sua voz se somou a um rugido gutural que vinha do ar. Ventava forte na clareira e uma nuvem de grama e terra encobriu os seus olhos. Leon olhou para cima e sorriu.

Uma sombra encobria os dois e pousou bem a sua frente, impedindo que chegasse até Leon e vice-versa. O vento parou e tudo o que restava no ar eram partículas de poeira se dissipando. Leon deu um passo atrás, cauteloso.

O animal tinha escamas num tom azul feito gelo e garras perfurantes que reluziam feito cristais. As suas asas eram grandes feito a vela de um navio e fora o seu movimento que provocou a forte ventania. Espinhos desciam até o rabo da criatura que terminava numa lança alongada fatal.

O dragão abriu a boca num rosnado poderoso e revelou uma fileira de dentes que pareciam espadas. Os seus olhos eram como duas bilhas azuis e ele apenas encarou Leon e a sua fera que parecia um gatinho diante daquele animal.

Ele se moveu em sua direção e Helena deu um passo para o lado para ver o assassino dos seus pais ser trucido. Ela não provocou nenhum som, mas o dragão teve consciência de sua presença e numa girada de cabeça ficou a centímetros do seu rosto ao ponto de Helena cair no chão.

Pelo canto do olho ela viu Leon montado em sua fera desaparecer pela floresta numa corrida desenfreada. O dragão não pareceu se importar, sequer desviou os olhos dela, quase como se... Ele a farejou e a língua afiada estalou sob os seus dentes. A magia de Helena despontou em seu peito e ela procurou se acalmar. Não queria incitar o animal que parecia decidir se a devoraria ou não.

Ela sentia medo. Um medo colossal por sua vida que nunca havia sentido antes, nem mesmo durante o encontro com Leon. Mas ela não conseguia parar de olhar para a beleza e graciosidade do animal feroz e indomável que se erguia diante dela. Um dragão!

O animal alçou voo e Helena fechou os olhos para o vento que a chicoteava. Ele se misturou ao cinza das nuvens de chuva que encobriam o céu e desapareceu naquela imensidão azulada.

Thomas e Charlotte entraram na clareira. Althariel e Ivan corriam armados logo atrás. Ela não reparou quando foi levantada por Thomas e carregada até de volta à Academia, pois não parava de escrutinar o céu procurando aquele dragão.

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