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21

Os dias seguintes se transformaram em rotina para Helena. Ela se esforçava em produzir uma esfera de fogo pela manhã, enquanto Will a encarava com total desprezo. Estudava com Twyla após o almoço e treinava com Charlotte combate corpo a corpo antes do jantar.

Charlotte era implacável. Rápida e letal. Helena terminava o treino dolorida e com a bunda no chão.

― Você faz parecer muito fácil. ― Reclamou, desistindo de fazer as posições sozinha.. 

― Porque é fácil. ― Charlotte tirou os olhos da adaga de prata que afiava.

― Depois de anos de treinamento é fácil, aposto que já nasceu com essa adaga na mão. ― Charlotte sorriu e Helena soube que era verdade.

― Herança da minha mãe. ― Ela voltou a afiar o objeto. ― A sua herança protetora está no seu sangue. Você só precisa se conectar com ela.

― Eu estou tentando. ― Ela repetiu os movimentos com o bastão de madeira.

― Quando conseguir as suas habilidades vão se aflorar. Você vai se sentir mais forte, vai conseguir se curar mais rápido e se mover tão ligeira e silenciosa como um gato. ― Charlotte falou com paixão. ― A sua vida como uma natural deve ter prejudicado um pouco o seu desenvolvimento.

Helena assentiu e voltou a se concentrar nos movimentos pela próxima hora. Quando sentou na cadeira acolchoada do salão de banquete estava exausta e coberta de hematomas.

As protetoras jantaram sozinha. Althariel costumava jantar no gabinete quando estava abarrotado de trabalho, o que era comum. Ivan e Twyla o fazia companhia.

Charlotte saiu apressada e desapareceu pelos corredores após o jantar, enquanto Helena tratou de se ocupar em espionar os desprovidos.

A voz calma da Sra. Ryan ecoou mais uma história pela cozinha. Cada parede, porta ou fechadura parecia fazer silêncio para ouvi-la naquela noite amena e agradável.

Ela subiu antes que os criados fossem para cama e atravessou os corredores em silêncio até que chegou ao quarto. Caminhou até a janela para fechar as cortinas, quando os seus olhos captaram uma sombra se esgueirando pela lateral do estabulo.

O vento forte da noite que chamava pela chuva fez o capuz do desconhecido escorregar alguns centímetros, só então ela reconheceu a cabelereira ruiva.

Helena não pensou duas vezes. Vestiu o sobretudo por cima da camisola e calçou as botas de couro. Prendeu a adaga do compartimento oculto da bota e amarrou o laço no pulso por precaução, então desceu a escadaria buscando fazer o menor barulho possível.

A tão concentrada e esforçada Charlotte tinha um segredo. Helena sabia que deveria ser extremamente difícil para ela manter um. Já que era uma veritax e veritax sabiam quando alguém mentia, mas também não podiam mentir. Era parte da sua maldição. 

Helena se esgueirou pelo pátio, aproveitando as sobras que a colunas de pedras faziam e usando as esculturas romanescas como camuflagem. Contornou o palacete de cristal até chegar aos estabulo.

Assim que entrou os qilins relincharam em suas baias para a estranha que se aproximava.

― Sou eu. ― Helena sussurrou. ― Helena.

Os animais fizeram silêncio, desinteressados. Helena contou as baias. Uma delas estava vazia. Assim como uma das celas tinha desaparecido também.

A garota saiu pela porta lateral do estabulo, que dava para a floresta agora coberta pelo negrume da noite e avistou um ponto de luz ao horizonte. Uma mistura poderosa de dourado e vermelho. 


Mora acordou Helena pontualmente como sempre fazia. Depois de um banho rápido e ela aproveitou que Mora ainda arrumava o quarto para investigar.

― Mora. ― Ela começou, enquanto trançava os cabelos. ― Você pode ajudar com a trança?

Mora arregalou os olhos. Era a primeira vez que deixava tocar em seu cabelo desde o primeiro encontro delas. Não que não gostasse, mas pentear os cabelos era uma das poucas coisas que lembrava que a mãe fazia antes de ela ter sido deixada.

Mora habilmente tomou o lugar de Helena com as mechas cacheadas. Agora que estava ocupada e não podia fugir sem deixar o trabalho pela metade, Helena começou:

― Você passa as férias aqui na Academia.

― Sim, senhora.

― E não tem nenhum parente para visitar?

― Não tenho não, senhora. ― Mora falou baixinho.

― Por favor, me chame de Helena. ― Ela tornou a pedir.

― Desculpe-me. ― Mora se corrigiu. ― Eu sou órfã. A Sra. Ryan e os outros são a minha família.

― Assim como eu, as minhas amigas são como a minha família também.  Como faço para visita-las? A Academia deve ter regras sobre visitação ou horário de recolher... ― Arriscou.

― Eu não sou a mais qualificada, senhora... Helena.

― Eles não entenderiam, Mora. 

― Sim, existem. ― Mora começou. ― E são bastantes severas. Depois do jantar a circulação dos aprendizes é bastante limitada e sair esse horário sem pensar. ― Mora trançava os seus cabelos agilmente.

― Então, se eu quiser sair... ― Ela deixou a pergunta em aberto.

― Apenas com a autorização do Diretor Althariel em casos excepcionais. A visita à família apenas em determinados fins de semanas ou nas férias. ― Ela finalizou o penteado.

Bingo!

― Você está distraída hoje. ― Não era uma pergunta.

― Só estou me concentrando. ― Ela disse, fitando o horizonte da clareira e evitando os olhos escuros e presunçosos de Will.

Era mentira. Não parava de pensar no que deveria ser tão importante para Charlotte quebrar as regras daquela maneira.

Will semicerrou os olhos em sua direção e Helena trincou o maxilar.


― O meu trabalho vai ser muito mais difícil do que eu pensei ― Ele bufou.

― Eu não pedi para você me ensinar, tá legal? Se está tão incomodado, porque não desiste?

― Porque você não desiste? ― Ele devolveu a pergunta. ― Você fica parada por horas nessa clareira me encarando sem nem ao menos tentar alguma coisa!

― Eu não preciso provar nada pra você! ― Ela vociferou.

― Tem razão, não precisa. ― Mas quando a Chanceler ou o Chefe do Conselho descobrir que você fez alguém virar cinzas... Ah, eu não queria estar no seu lugar.

Ela o odiava. Aquela presunção e arrogância que irradiava dele. Mas principalmente pelo fato de ele conjurar o gelo e a água tão facilmente. Ele o fazia diversas vezes para deixa-la com inveja e Helena se limitava a cerrar os punhos e se concentrar.

A sua magia irrompia contra a sua vontade. Foi por raiva naquele dia que incendiou o primeiro andar do orfanato. Foi raiva naquele dia em que descobriu que um amigo havia assassinado os seus pais. Era incontrolável.

Charlotte e William a frente pela floresta depois do fim daquele treino. Ivan mancava com dificuldade por entre as raízes secas que serpenteavam pelo lugar.

― Você está decepcionado. ― Helena falou. ― Aposto que quando viu o orfanato destruído pensou que eu tivesse poder para queimar uma floresta.

― E você tem. ― Ele retrucou. ― Mas não consegue alcançar o cerne do seu poder, porque você o teme. 

― Você também não temeria se pudesse queimar pessoas vivas como se elas fossem de papel?

― Quando aceitar quem você é, o seu poder não será o seu inimigo. Não vai ferir ninguém, a não ser que queira.

― Eu costumava saber quem eu era até vocês aparecerem. ― Ela reclamou e tornou a andar rápido, ciente de que Ivan não a acompanharia.

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A partir de hoje as Raças Irmãs vai ser atualizado toda terça, quinta e sábado!

Obs.: Não deixem de conferir a minha outra obra "Corte de Sangue - Equinócio".

Beijinhos de luz!

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