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15

O Laço do Trasgo parou sob uma colina verde. Lá embaixo, no vale, a Academia de Brascard se erguia.

A construção era um castelo majestoso repleto de torres, esculturas e vitrais que refletiam a luz do sol. No terreno, próximo a um palacete de cristal, um lago tranquilo se estendia. Os limites do terreno eram cercados por uma floresta densa, que escondiam os muros de ferro do local.

Charlotte observou a sua admiração com cautela. Não seria preciso muito para convencê-la ficar afinal. Por mais que a presença de Helena fizesse os seus instintos dispararem, ela esboçou um sorriso.

Uma carruagem parou próximo ao grupo que se reunia em frente à entrada do Laço do Trasgo. Era ovalada feito uma abobora e adornada na cor dourada. Um rapaz ruivo e simplório abriu a portinhola para o grupo, mas Helena não deu a mínima atenção para ele, pois os estranhos animais que a conduziam chamavam a sua atenção.

Eram como cavalos, mas os chifres eram de cervos e narinas dilatadas e focinho cumprido de dragão. A crina era volumosa e dourada e balançavam como o crepitar do fogo.

― São qilins. ― Ivan explicou. ―  São bondosos, mas não queira desafiá-los.

― Dizem que são capazes de enxergar as almas. ― Charlotte também o contemplava.

Helena recuou ante aquela informação. Podia jurar que o qilin dourado que estava preso aos arreios da frente olhava em sua direção com os enormes olhos cor de mel. Como se estudasse cada centímetro do seu rosto e escrutinasse cada parte de sua alma.

A tagarelice de Vilna interrompeu o contato visual e Helena se despediu e agradeceu com sinceridade a estadia. Vilna poderia ser assustadora numa primeira vista, mas era uma senhora cuidadosa e preocupada com o bem-estar de todos.

― Venha me visitar quando desejar. ― Vilna insistiu. ― Não cobrarei a diária, mas não conte aos outros hóspedes. ― Sussurrou dando uma piscadela.

Helena sorriu e entrou na carruagem. Will foi o último a se acomodar em silêncio. A carruagem partiu colina abaixo numa velocidade anormal. As janelas só mostravam borrões e em poucos minutos a carruagem desacelerou.

A Academia de Protetores de Brascard se erguia diante deles com toda a sua imponência. A vista era ainda mais bonita de perto e Helena perdeu o ar com todo aquele esplendor.

― Estamos atrasados. ― Ivan consultou o relógio e arrastou Helena para dentro.

Tapeçarias cobriam as paredes e grandes quadros que retratavam batalhas eram dispostos pelo corredor, assim como esculturas romanescas e plantas tropicais. O corredor se abriu para o átrio e uma grande de mármore ocupava boa parte dele, dividindo o andar superior em duas alas.

― Já não era sem tempo. ― Disse o homem com a voz rouca parada na interseção da escada.

― Tivemos alguns imprevistos no caminho. ― Ivan disse com respeito.

O homem desceu os degraus e os colares em seu peito balançaram sobre a túnica roxa cintilante. Deu uma boa olhada em Helena e então falou:

― Os antigos diretores da Academia finalmente podem descansar. ― Ele sorriu para ela. O sorriso dava um toque jovial no rosto cumprido. ― Há dois anos que não durmo direito com as aporrinhações por sua causa.

― Eu sinto muito. ― Helena disse num tom mecânico.

O homem deu uma risada para trás e os seus cabelos longos e prateados balançaram na cintura.

― Não deve dizer tão coisa se não sente muito. Aposto que está pensando que é o mínimo que deveria acontecer já que não encontramos você.

E estava certo. Era exatamente o que pensava. Como ele conseguiu adivinhar, Helena não fazia ideia.

― Permita que eu me apresente, sou o Alto Mago Althariel Arender, protetor honorífico e diretor da Academia de Protetores de Brascard. ― Ele deu uma piscadela.

― Helena... Crawley. ― Se apressou em dizer.

― Eu já sei, minha querida. Na verdade toda Brascard já sabe. ― Ele lançou um olhar acusatório na direção de Ivan. Os seus olhos eram cinzas feito um vidro prateado. ― Suponho que devemos informar a Chanceler o quanto antes. ― Disse para Ivan.

― Tratarei do assunto o mais breve possível.

Althariel ergueu uma de suas sobrancelhas grossas e grisalhas e Ivan deu meia volta o mais rápido que pode com a perna manca.

― Cuidarei disso agora mesmo. ― Ele falou.

― Quanto aos dois já tenho em mente um castigo adequado. Certamente isso não excluí a punição de Ivan aplicará a vocês, mas por hora ajudarão a senhorita Helena no seu período de transição durante a sua estadia aqui.   

Will e Charlotte assentiram de imediato, se Althariel reparou que Will cerrou os punhos ela não soube dizer, mas ela reparou e muito bem. Os aprendizes se retiraram e Helena se viu sozinha com o diretor da Academia.

― Vamos ao meu escritório, Srta. Crawley.

O gabinete de Althariel ficava em uma das torres da Academia. Estante abarrotadas de livros ocupavam boa parte do primeiro andar e bancadas de mogno com todo o tipo de aparato mágico que poderia existir se estendia, além de pilhas e mais pilhas de papéis, penas e jornais.

Helena admirou o mapa de Árcade fixado em uma das paredes e franziu o rosto para uma das partes que fora queimada.

― Muda conforme as guerras e dispustas por fronteiras. ― O diretor explicou. ― Por favor, sente-se.

Helena ocupou uma das poltronas próximas a lareira que crepitava um fogo verde fantasmagórico. O diretor ofereceu uma xícara com uma bebida cor de rosa, que Helena aceitou, apesar de não estar com sede. Althariel se acomodou na poltrona cor de terracota e piscou os olhos felinos.

― Ivan já me deixou ciente de tudo. ― Ele começou. ― Mas uma coisa ainda precisa ser esclarecida.

Helena se empertigou. A hora que tanto temia. O seu crime seria descoberto e a expulsão viria antes mesmo de decidir ficar. Porque nutro esperanças quando tudo ao meu redor sempre desmorona? Burra, burra, burra.

― Sobre o incêndio. ― Althariel continuou. ― Um evento um tanto quanto peculiar. Não existem tantas criaturas que sejam capazes de produzir tal coisa. Você viu algo?

― Quando eu cheguei já tinha começado. ― Mentiu.

Althariel piscou e se voltou para o seu chá em silêncio. Seria descoberta e terminaria numa prisão mágica e ninguém saberia o fim ela teria tomado. Ninguém procuraria por ela.

― No passado nós protetores tínhamos muito mais poder. Hoje é raro que alguma criança nasça com um dom especial. Algo que a torne diferente entre nós.

― Que tipo de dons?

― A Srta. Charlotte Lovegreen por exemplo é uma veritax ainda em treinamento. O que quer dizer que ela é capaz de saber quando as pessoas estão mentindo. Alguns aqui são sentires, pessoas sensitivas que são capazes de prever certas coisas. Outros são influencers, mas o que não vemos em muito tempo é uma cataclista. ― Althariel semicerrou os olhos. ― Você começou o incêndio, Helena?

Helena cogitou a verdade, mas não disse nada. Admitir que o fez era o mesmo que admitir não só para si mesma, mas como para Althariel também, que causou a ruína de uma pessoa, que o seu poder era destruição.

― Cataclistas são poderosos, mas voláteis. Uma explosão pode causar graves danos, mas você já sabe disso, não sabe?

Helena encarou os olhos prateados felinos e assentiu. Por mais que quisesse apagar de sua mente o que fez, em suas mãos estava o sangue de um ser humano, mesmo Madalena não tendo um pingo de inocência. 

Ele viria em breve, Madalena disse naquela noite, enquanto cheirava o chumaço de notas de cem em sua mão. Helena precisava se aprumar para partir o quanto antes, eram as ordens, mesmo ainda não tendo completado dezoito anos.

Coisas ruins acontecem com quem faz dezoito, Amanda vivia dizendo. Era a sua vez descobrir. O fogo irrompeu num rompante e o que aconteceu em seguida foi tão rápido como queimar papel.

― Tem cura?

― Não é algo que se cura, Helena. Mas que se controla. Eu mesmo ajudei uma jovem protetora como você e ela se tornou uma das melhores em campo. ― Helena viu o lampejo de tristeza em seu semblante. ― Você aceita? ― Althariel estendeu a mão.

Helena ponderou por um momento. Não era como se tivesse escolha. Não podia simplesmente voltar para Maggie e as garotas, não quando podia feri-las no menor dos descontroles. Parte de si também sabia que não podia deixar Árcade para trás. Ainda tinha tanto para conhecer da terra natal de seus pais.
Helena apertou a mão do Alto Mago e selou o seu destino.

― Senhor, posso fazer uma pergunta?

― Você pode me fazer outra pergunta. ― O Alto Mago sorriu.

― Quem matou os meus pais?

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