13
O Banco Central de Brascard não era como Helena imaginava. A estrutura era pequena e não passava de um sobrado pintado com tinta preta e sem janelas. Ela franziu a testa para a estrutura precária, mas não perguntou nada.
Voght foi à frente e cumprimento com um aceno de cabeça o homenzinho parado ao lado da porta, com orelha pontudas, nariz grande e um terno lustroso. Era um duende. Voght conversou com ele por alguns segundos, até que o duende deu passagem e eles entraram.
O interior do sobrado era feito de pisos de mármore e iluminado por uma única luz ao topo. Por dentro era como se tivesse completamente oco. Se não fosse o elevador que os esperava no final daquele corredor.
A caixa metálica ficou pequena demais para o grupo. Helena se espremeu entre William e Charlotte, enquanto outro duende mal-humorado esperava pelas instruções.
― U-hum. ― O duende pigarreou alto.
― S-sim, ab-abertura de contas por favor. ― Voght gaguejou.
O duende puxou a alavanca cromada para baixo e, ao invés de subir, o elevador desceu rapidamente. A cada andar pelo qual passavam um som de sino ressoava e depois da décima vez Helena deixou de contar. Pareciam que estava descendo ao centro da terra, até que o elevador parou subitamente.
― Setor de abertura de contas. ― O duende disse com uma voz fina.
― M-muito obrigada. ― Disse Voght.
O duende bloqueou a passagem do grupo e disse com uma voz mal-humorada:
― Apenas o contratante.
― Precisamos acompanha-la. ― Ivan discordou.
― Apensa o contratante. ― Repetiu. ― Regulamento nº 12, artigo 35.
― Mas segundo o artigo 37... ― Voght começou.
― Esse artigo foi revogado de acordo com as disposições do regulamento nº 26. ― O duende se opôs.
Ante aos argumentos que não pareciam ter fim, Helena deu um passo à frente e o duende à escrutinou com os olhos amarelos e esbugalhados.
― Eu vou ficar bem.
― Vamos esperar aqui. ― Disse Ivan.
Helena assentiu e seguiu o outro duende que havia ido ao encontro do grupo no elevador. Era exatamente igual ao anterior, a diferença era que parecia mais jovens e tinha cabelo escuro. Helena o acompanhou pelo átrio escuro até uma portinhola de madeira.
Eles deram de cara para uma mesa de madeira abarrotada de papeis e um duende de aparência severa e concentrada que estava sentado em um banco de madeira alto. O duende mais jovem apontou para a poltrona em frente à mesa e Helena se sentou.
O duende segurou um dedo no ar, enquanto terminava de preencher a sua papelada.
― Então... ― Helena o interrompeu.
O duende mais jovem lançou um olhar de apreensão e sussurrou:
― Você não pode falar até que seja autorizada, senhora.
Helena concordou e esperou impaciente, enquanto tamborilava os dedos na lateral da poltrona. O duende severo levantou a cabeça e parou de preencher o formulário que tinha em mãos.
― Pois não?
― Abertura de contas. ― Helena respondeu.
― E você é?
― Helena... Crawley. ― Ela disse, embaraçada. Não estava acostumada ao sobrenome.
O duende largou a pena que usava para preencher o formulário e cruzou as mãos, mas não se dirigiu à Helena e sim ao seu funcionário:
― Sr. Burke, porque não me disse que a honorável Srta. Crawley estava a espera?
― Eu não sabia que se tratava da Srta. Crawley, senhor. ― O duende respondeu e lançou um olhar culpado na direção de Helena.
O duende severo lançou um olhar duro, que dizia que os dois resolveriam isso mais tarde e voltou-se para Helena:
― Preciso que assine aqui, preencha esse formulário aqui e esse aqui também. ― Ele entregou as pranchetas para Helena. ― Devem ser entregues aos Setor de Verificação de Identidade, assim como essa autorização deve ser entregue no Departamento de Colhimento de Saliva. Precisamos da sua mão, você não é destra, é? Porque pode doer um pouco, fica no Departamento Quebra Ossos. Ora, não se assuste. Precisamos também de uma avalição completa do seu histórico familiar no Departamento de Vida Pregressa e é claro que você responda um questionário minucioso para a abertura da conta. Você não tem nenhum compromisso mais tarde tem?
― Não, senhor, mas...
― Ótimo. Nos vemos no final do túnel. Espero que seja uma cliente do nosso banco em breve. ― Ele apertou a mão de Helena e em seguida pressionou um botão vermelho grande, que ficava próximo à luminária. ― Você não ter vertigem, tem?
― Eu acho que... NÃO. ― Helena gritou.
A poltrona se moveu rapidamente para o lado como se fosse um carrinho de montanha-russa. Helena procurou desesperadamente alguma coisa em que segurar, mas não havia nada além de uma pilha de formulários.
A poltrona ia em alta velocidade sobre um trilho velho em uma espécie de túnel mal iluminado. Antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa ao Sr. Burke, a poltrona parou subitamente em frente à uma abertura no túnel, que lembrava uma sala.
O lugar era totalmente rosa. As paredes, a poltrona, a mesa, até mesmo os papeis eram de cor rosa. Uma duende de cabelos loiros e olhos cor de violeta sorriu em sua direção.
― Setor de Formulários. ― Disse a duende com uma voz dócil. ― Primeira vez? Tente não enjoar. Ora, você ainda não preencheu nada! Vamos logo com isso que eu não tenho o dia todo.
Helena se esforçou em preencher a papelada. Deduziu que deveria começar pelo formulário cor de rosa e preencheu cada um dos itens. Eram perguntas básicas como o seu nome, endereço, idade. Outras eram absurdas e extremamente pessoais, como quantas vezes lavava o cabelo por dia e qual marca de pasta de dentes usava.
― Tentamos traçar o seu perfil consumidor. ― Explicou Burke.
― Muito bem, está tudo aqui. Tchau, tchau. ― Ela cantarolou.
― Espera!
Mas já era tarde. A poltrona voltou a se mover ainda mais rápida e desceu pelos túneis. Pegou um caminho cheio de curvas e nuances, até que chegaram novamente em uma abertura na parede.
― Você é Helena Crawley? ― Perguntou um duende gorducho.
― Sim. ― Disse enjoada.
― Você é Helena Crawley? ― Ele gritou.
― SIM! ― Helena gritou de volta.
― Com certeza você! Até mais!
A poltrona continuou o seu caminho, mas dessa vez subia lentamente. Pela pouca experiencia que tinha com montanhas-russas, o que vinha depois da subida não era nada bom.
― O que foi aquilo?
― Setor de Verificação de Identidade. ― Disse Burke.
― Mas, ele não verificou nada, só me perguntou.
― Confiamos nas palavras dos nossos clientes. ― Burke respondeu. ― É a nossa filosofiaaaaaaaa.
Os dois gritaram enquanto o carrinho descia em alta velocidade. Àquela altura a poltrona havia girado noventa graus e os dois estavam de frente para nada além do que a escuridão. Quando a poltrona parou de descer ainda ia em alta velocidade até uma pequena abertura na parede.
― Vamos bater! ― Helena gritou.
A poltrona parou por completo a centímetros do rosto de um duende de óculos fundo de garrafa. Uma barreira invisível impediu que o corpo de Helena voasse para frente. Ele segurava um cotonete longo e felpudo e enfiou na boca de Helena sem cerimônia.
― Setor de Colhimento de Saliva. ― Ele disse. ― Caso você perca os braços numa batalha. Já aconteceu.
O próximo departamento não deixou Helena nem um pouco ansiosa. Helena não fazia ideia do que se tratava o Departamento Quebra Ossos e não tinha certeza se queria saber.
Deram de cara com o maior duende que havia no Banco, tão grande quanto eles poderiam ser. Helena engoliu em seco, quando ele pediu que ela colocasse a palma da mão direita sobre uma mesa forrada de papel.
― Vai doer só um pouquinho. ― Ele sorriu.
O duende pegou o maior carimbo que havia e parecia usar toda a sua força para segurá-lo. Era duas vezes a mão de Helena. O duende bateu com toda força e Helena gritou.
Sob o papel todas marcas da sua mão foram impressas. Num mero aceno do duende as linhas brilhantes saíram do papel e foram sugadas até um tubo cobrado acima de sua cabeça. Sem que ela pudesse se recuperar, a poltrona já havia partido naquela montanha-russa insana.
― Eu gosto de trabalhar no banco sabia, mas não sei porque sou o responsável pela abertura de contas.
― Podia ser pior.
― Pelos menos eu não estou no Departamento de Colhimento de Saliva. ― Ele riu de um jeito maldoso.
A poltrona parou em outra abertura no túnel mal iluminada. Um duende ancião pegou uma pilha de formulário e começou a examinar o histórico da família Crawley.
― Em 1920 o seu bisavô fez uma grande transferência que restou numa perda significativa em sua conta. Sabe o motivo disso?
― Não, senhor. ― Helena respondeu.
― A senhorita gosta de barcos?
― Eu não sei senhor, acho que sim.
O duende ancião crispou os lábios e continuou:
― As aplicações feita pela família Crawley foram consideradas de alto risco nos últimos anos. A senhorita acha que preferem investir na nova classe de dissipadores ou em minas nas Cordilheira dos Vagantes?
― Eu não sei, senhor. ― Helena olhos de soslaio para Burke, que deu de ombros.
― A senhora tem alguma ideia do porquê o Senhor Francis Crawley comprou um cemitério pouco antes de morrer? É um negócio lucrativo?
― Eu não sei, senhor. Quer dizer, tem gente morrendo o tempo todo.
― Sim, sim. Muito bem, vamos para a verificação médica? Alguma cirurgia, fratura, queimadura, doença grave com risco de morte na senhorita ou em alguém próximo à sua família?
― Não. ― Helena respondeu de imediato, sem se quer considerar a pergunta.
É claro que havia a estranha cicatriz em suas costas. Aquela que Madalena caçoava e dizia que ela havia sido marcada feito um burro de carga pelos os seus pais. A cicatriz era estranha, três círculos perfeito nas costas, começavam entre as escapulares e desciam pela coluna. Não sabia se eram de queimaduras, cirurgia, mas as tinha desde sempre.
― Gostaria de contratar um seguro de vida? Seguro de imóvel? Seguro de armas?
― Não. Não e Não. ― Respondeu impaciente.
― Muito bem, isso é tudo.
O duende apertou a mão de Helena e a poltrona voou. O carrinho andou em linha reta, atravessou uma porta de madeira e parou no átrio lentamente. O duende severo está lá ao final dos trilhos com mais alguns papeis a mão.
― Assine aqui e aqui, um X aqui e uma rubrica aqui. ― Pediu. ― Seja bem-vinda ao Banco Central de Brascard. ― Helena apertou a sua mão pequenina.
― Ah, antes que eu me esqueça. ― Disse Burke, caçando algo em seu paletó. ― Essa é a sua chave, o número do seu cofre está gravado nela. Não perca, a segunda via é paga.
Helena pegou a chave de ouro do tamanho da palma da sua mão e pôs no bolso da calça jeans.
― Estava com você o tempo todo? ― Lançou um olhar enfezado em sua direção.
Burke fez que sim com a cabeça e sorriu. O sino ressoou e as portas do elevador se abriram. Não havia ninguém com exceção do duende.
― Cadê todo mundo? ― Helena entrou na caixa metálica.
― Esperando lá em cima. Não podem te acompanhar aonde você precisa ir agora.
― E aonde vamos? ― Ela podia jurar que se ele falasse algo sobre montanhas-russas novamente ela pularia em seu pescoço fino.
― Você verá. ― Ele disse num tom misterioso.
O duende desceu um pouco a alavanca e depois de dois sinos, o elevador parou. Ele se levantou e saiu. Helena o seguiu até uma enorme galeria.
O chão era coberto com pisos escuros e lustrosos e pelo seu reflexo Helena estava desgrenhada e com uma aparência horrível. As paredes eram revestidas com uma cerâmica cor de esmeralda e pesadas colunas se erguiam. Aquele deveria ser o último andar do Banco.
Um gigante colossal estava sentado em uma das paredes. A sua cabeça era careca e ele tinha olhos escuros e esbugalhados, que lhe davam uma aparência tola. Não vestia nada além de uma túnica marrom e segurava um porrete mais grosso do que uma daquelas colunas.
Helena olhou para cada uma das aberturas em formato de V invertido que havia na galeria e nela havia uma gigante dorminhoco. Alguns eram enormes de gordos, outros eram velhos, alguns eram jovens, mas todos nutriam a mesma característica apavorante. Eram colossais e podiam esmaga-la num piscar de olhos.
Helena recuou instintivamente.
― Vamos, vamos. Eu não tenho o dia todo. ― O duende continuou a se aproximar.
Perto daquele gigante, ele parecia uma formiguinha. Não que Helena fosse algo mais significante que isso. Pararam próximo aos pés da criatura que tinham mais de dois metros.
― Dumb, nós temos visita. ― Disse o duende, como se falasse com uma criança.
― Dumb não quer brincar agora. ― O gigante respondeu. A voz foi tão alta que os cabelos de Helena balançaram com o seu bafo.
― Dumb, precisa se afastar. ― O duende foi incisivo.
Dumb bufou e o seu bafo fedido fez os cabelos de Helena se afastarem.
― Dumb quer dormir. ― Ele gritou.
― Ele é o guardião da sua família, como vocês não movimentaram o cofre por dezessete anos, ele ficou muito preguiçoso. Criaturas burras! Tentamos dragões uma vez, mas sabe como é, são voláteis e cobiçosos.
― Dumb... ― Helena tentou. ― Eu sou Helena Crawley.
Dumb deu uma espiada por entre as pálpebras enormes.
― Preciso entrar no meu cofre. ― Helena arriscou de maneira incisiva, sem ter certeza exatamente do que fazer. ― Você não vai querer que eu escolha outro gigante pra me proteger, ou vai?
Dumb bufou e se inclinou para o lado. Ele escondia uma porta de outro maciço do tamanho normal. Helena agradeceu e se aproximou.
― É o cofre da sua família. Com a sua chave você pode ver, mas como ainda não está devidamente registrada no livro e não houve a abertura da sucessão não pode tocar, pegar ou gastar nenhum pen sequer.
Helena assentiu e girou a maçaneta de ouro.
Era uma espécie de cúpula alta que Helena não conseguia ver até onde terminava. Uma montanha de ouro flutuava até topo e iluminava todo o local. As moedas eram de ouro em sua maioria, mas haviam algumas moedas cor de prata e outras como bronze. As moedas faziam uma dança feito uma cascata, mas não chegavam a toca o chão.
― Faz parte do nosso sistema antifurto. ― Explicou o duende. ― Ninguém além da senhorita pode fazê-las descer. Tudo estará disponível assim que a sucessão for terminada.
― É impressionante. ― Helena admitiu.
― O seu cofre pessoal fica por ali. ― Ele apontou para a porta em outra extremidade.
― Os meus pais tem um cofre pessoal? ― Ela examinou a porta de ferro coberta por dezenas de trancas esquisitas.
O duende concordou com um aceno de cabeça. E por um momento Helena imaginou o que eles guardavam ali.
***
Um capítulo um pouco maior do o normal, mas não fazia sentido dividir. Espero que gostem :)
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