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11

O grupo de toga vermelha se afastou e começou a correr de um lado para o outro. Sirenes altas e estridentes ressoavam de algum lugar que Helena não conseguia ver.

― Corre! ― Charlotte gritou para Will no meio da multidão.

Helena não se moveu. Observou Memphis parado no meio do palanque, a encarando como se naquele instante a tivesse reconhecido. Ele caminhou em sua direção novamente, decidido e Helena não reagiu até uma mão fria encostar na sua a conduzir com um puxão. Era Will.

― Você é surda? ― Ele perguntou, enquanto os dois corriam. ― Quando a gente diz corre, você corre.

― Porque? ― Helena gritou.

A resposta veio de imediato. A sirenes silvavam feito loucas e dezenas de vultos brancos se materializavam na rua numa mistura de luz e sombras. Helena nunca viu nada daquilo e por um momento pensou se não eram meteoros. Mas quando a luz se dissipou e a fumaça também, pessoas em gloriosos uniformes de batalha caminhavam de maneira determinada.

― Guardiões! ― Will disse para si mesmo.

Helena quis parar para olhar melhor, mas Will a puxou ainda mais. A frente a cabeleira ruiva de Charlotte abria passagem entre a multidão. Três Guardiões foram em direção à Memphis, enquanto os outros se materializavam próximo aos outros membros do grupo.

Um deles parou bem em frente à Will e Helena, bloqueando o seu caminho. Quando a luz branca e a fumaça se dissipou, Helena arregalou os olhos. A sua armadura era prata e dourada e uma capa vermelha caia majestosamente sobre os seus ombros. O homem tirou o elmo prata e revelou um cabelo escuro feito a noite preso num cabo de cavalo. O Guardião semicerrou os olhos azuis brilhantes de Helena para William, que ainda segurava a sua mão.

― William, eu não vou perder o meu tempo e perguntar o que você faz aqui. ― Ele disse num tom severo. ― Vá!

William assentiu e desviou do Guardião. Helena nunca o viu tão submisso e só então reparou na semelhança entre os dois. Ela olhou para traz por um instante, mas o Guardião já havia partido em direção à confusão.

Ao longe Memphis resistia à prisão e gritava ainda mais alto para quem quisesse ouvir as suas bobagens. Os seus tão fieis ouvintes também eram presos, mas boa parte fugiu no instante em que as sirenes começaram.

― Porque ele está sendo preso? ― Helena perguntou quando voltaram à caminhar na rua principal. 

― Ele cometeu uma das mais altas violações. ― Will disse secamente.

― Só porque ele disse...

― Não diga. ― Vociferou. ― Não diga nada, por favor. Nos poupe da sua voz e das suas perguntas irritantes por um momento. ― Ele largou abruptamente a mão de Helena e caminhou a frente.

Helena abriu a boca, mas ficou em silêncio. Por mais que tivesse atraído os dois para aquele comício, Memphis e seus seguidores eram os culpados por aquela confusão. Helena reconfortou a si mesma de que havia feito o certo até chegar ao Laço do Trasgo e encontrar um protetor extremamente irritado e manco.

― Vocês enlouqueceram? ― Ele gritou no átrio. ― Qual a parte de que Helena não pode ser vista que vocês não entenderam?

Charlotte chegou poucos minutos mais cedo que eles e não poupou detalhes à Ivan. Mentir não era parte de sua natureza. Will sentou em uma das poltronas em silêncio e Helena ficou em pé, agora sim, sentindo-se culpada.

― Vocês quebraram os seus votos e expuseram Helena ao perigo. Se os Profetas do Caos a pegassem, vocês têm noção do que poderia acontecer?

― Ivan. ― Helena o interrompeu. ― Foi minha culpa. Eu que dei a ideia.

― Você é como uma criança aqui e não tem noção de coisa alguma. ― Ivan tentou soar delicado. ― O nosso mundo para você é uma aventura, mas você não conhece os perigos que a cercam, agora, esses dois sabem.

― Que perigos? ― Helena perguntou.

― Vamos até a biblioteca. Nós temos alguns assuntos para resolvermos. ― Ivan desconversou e mancou até a escada. ― Vou pensar na maneira de punir vocês dois assim que eu tiver tempo. 

― Não entendo porque não quis esperar que Jones chegasse. ― Vilna bloqueava a passagem deles no corredor estreito.

― Já conversamos sobre isso, Vilna. ― Ela deu licença à contragosto.

Era um elogio chamar aquele cômodo com estantes vazias e empoeiradas de biblioteca. Assim que entraram, o homenzinho franzino se assustou e derrubou um dos poucos livros ali restava. A nuvem de poeira provocou-lhe uma tosse longa e Vilna ergueu às sobrancelhas numa expressão que dizia eu avisei.

Charlotte abriu a janela e os raios de sol iluminaram a sua careca lustrosa, apesar disso o desconhecido cultivava um bigode que cobria parte da boca. O homem, recuperado, tirou o par de óculos redondos de lentes grossas e os limpou com um lencinho, quando o pôs de volta os seus olhos pretos duplicaram de tamanho, talvez para combinar com o seu nariz largo.

Helena o observou com intensa curiosidade. Poderia ser um tio de segundo grau, um primo distante de Francis ou até o seu avô.

― Ernesto Voght! ― Cumprimentou Ivan de um jeito efusivo.

O homenzinho franzino ergueu o par de olhos em direção à Ivan e deu um sorriso largo. Helena escrutinou o seu rosto buscando semelhanças.

― Lee, é um pa-pa-prazer. ― Gaguejou. ― Se-se-senhorita Lovegreen, como seus pais estão?

― Meu pai está bem e minha madrasta também. ― Charlotte fez questões de frisar.

― Claro, claro. S-sim, S-sim. ― Gaguejou.

― Por sorte conseguiu chegar a tempo, sinto muito incomodá-lo durante as férias, como estavam as Maldivas?

― Me-me-meu pai sempre dizia que um advogado nunca tira férias. ― Disse com um sorriso.

Vilna serviu chás e bolos para todos. Helena ignorou a comida e estalou os dedos, Will ergueu uma sobrancelha em sua direção e ela lhe mostrou a língua.

Depois de dez minutos de conversa fora e gaguejos, Ivan assentiu com a cabeça para uma pergunta não feita e Ernesto esfregou o rosto vermelho e suado com o lencinho. Helena engoliu em seco.

― Há duas gerações eu era o advogado da família Crawley e antes disso era o meu pai. Depois que Francis foi dado como morto e, sendo ele o último herdeiro, todos os bens da família Crawley ficaram sendo administrados por mim até que algum parente distante aparecesse.... E agora serão seus Helena Crawley.

Não eram parentes, afinal. Helena se envergonhou por se sentir tão boba. Ser sozinha era fato costumeiro e não estava certa se queria, a essa altura da vida, alguém para se intrometer em sua vida. 

― Que tipo de bens?

― A Mansão dos Crawley, o sobrado na capital, algumas propriedades pequenas, que são cuidadas por velhos administradores. E bens móveis, como as joias da família e a fortuna, é claro.

― Quem fede a riqueza agora? ― Will provocou. 

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