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O desenlace do Monsenhor Sabbatius

(Juna, a pirata. Capa do Fanzine Voyeur. Arte do grande Julio Shimamoto)

No litoral da Lombardia está a ilha mais perigosa do mundo. Onde vivem as feras....

Lá, por razões óbvias, fixamos nossa base de operações. É lá que escondemos relatórios náuticos, objetos e símbolos que testemunharam eventos por demais fantásticos para serem conhecidos. (Derrubariam as falácias políticas e históricas). A comprovação de fenômenos sobrenaturais ameaçaria as leis naturais, a organização social, a economia, e as fronteiras tênues da normalidade.

Em um mundo em que determinadas entidades detêm o controle das mudanças sociais, econômicas e familiares, é necessário impedir que alguns líderes – os quais ocasionalmente despontam das massas – desafiem o mundo como este foi concebido. Sua visibilidade e exemplo são ameaças. Por isso, a Igreja apaga–os dos registros históricos.

Algumas personalidades poderiam ter manchado gravemente a imagem beatífica criada pela Igreja. Em meus momentos finais de revisão, vem à minha mente a imagem da pirata, descrita em relatos que encontramos ao longo do Mediterrâneo; tão vívidos como se eu estivesse diante da pessoa, em carne e osso. Mas espere... Eu a estou vendo realmente? Com sua espada e o olhar orgulhoso...

Meus algozes abrem passagem para ela, que para diante da minha cama com os braços cruzados e as pernas separadas, como se estivesse se equilibrando no tombadilho de seu navio.

Além da pirata que liderou um levante contra o Império, vejo outros espectros se formarem ao meu redor. Salvei relatos sobre diversas figuras controversas... Em um tempo nebuloso, houveram feiticeiros perigosos; reis e rainhas que lutaram bravamente pelo seu povo; e religiosos que dedicaram suas vidas a preservar–lhes os nomes. Faço parte desta última categoria, mas não fui o primeiro. Antes de mim, já existia uma longa linhagem de monges que operavam em prol do conhecimento, protegendo–o do controle sistemático da Igreja.

Nós, obreiros e guardiões dos arquivos secretos, agimos enquanto o Alto Clero dorme placidamente em seu catre

Os espectros agora estão mais nítidos e posso vê–los como se de fato fossem pessoas reais.

Será que realmente não são? Um deles senta ao pé da cama e pisca um olho para mim...

Quem...?

–––

O tempo avança... As orações continuam. Os monges trocam olhares preocupados. Não entendem por que estou sorrindo. Ah, se soubessem no que estou pensando agora... Alguns podem imaginar (os que tiveram a oportunidade de me conhecer).

Não morro em paz com a minha consciência. Mas estou certo de que parto menos miserável; o conhecimento e suas verdades inimagináveis sobrevive. Um dia, virão a público para que as pessoas decidam se a crença vigente deve ser a Regra, e se esta vale à pena ser seguida.

Os espectros desaparecem. Os espíritos das mulheres que rondam minha cama ainda me olham com rancor, mas também com pena. Elas se afastam e seus corpos se dissipam no ar, uma de cada vez, até só restar uma... Reconheço o rosto agora e meu coração fraco contrai no peito. Estou vendo algo verdadeiro, ou estou delirando?

Bem, em breve saberei. A morte, ao contrário de nossos modos de vida, é a única realidade verdadeira e inexorável.

Em meus últimos momentos neste mundo, escuto com indiferença a ladainha dos monges prostrados aos meus pés. Ainda consigo distinguir o choro convulsivo de Alberto. O meu eleito. O meu sucessor. Ele já ostenta em sua mão direita o anel que identifica a liderança de nossa irmandade entre os demais membros; é o peso da responsabilidade que ele terá de carregar.

Meus olhos vagueiam rapidamente por cada um de meus pupilos. Posso ver as angústias e expectativas expressas em seus rostos... Leio a alma de cada um. Dúvidas, temores, e esperanças dançam diante de mim, como se tudo dependesse da minha partida, ou permanência. Contudo, não há mais tempo para explicações, conselhos, ou gestos de consolação.

O meu tempo neste mundo acabou...

Independente da minha vontade, meus olhos são atraídos para as janelas luminosas. Consigo avistar os relevos da ilha de Conta. Ao redor, o mar reflete os raios do sol. A praia nada mais é do que uma estreita faixa incandescente, cortando o azul celeste...

É minha pulsação ou o céu está se expandindo? Ah... A tarde está tão bela e agradável! Não há nenhuma nuvem no horizonte.

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