♫ Parte 5: ponte

Consegui!

Encerrei a apresentação sem nenhum erro e fui abraçada pelos aplausos dos outros participantes.

Estou do lado de fora do auditório esperando Maristela chamar para a avaliação individual. Uma moça da minha idade passa por mim sorridente com o papel de selecionada e não vejo a hora de saber o meu resultado.

— Lira Montes — subo no palco como um raio e a vejo me encarando da primeira fileira com alguns papéis em mãos. — Foi uma bela performance. Vim acompanhando sua evolução e é notável o quanto cresceu.

Seguro um sorriso cheio de expectativa e foco em segurar o violão pelo braço.

— Sua técnica e confiança na execução foram excepcionais, mas eu esperava ouvir você. Não senti sua voz, sua vontade em primeiro lugar em uma música que é sua. — seus ombros caem assim como meu coração e ela suspira com pesar. — Sinto muito, querida...

[...]

Não sei há quanto tempo estou trancada atrás da porta com os olhos inchados. O celular treme na minha mão e me retraio. Deve ser dona Glória querendo notícias, mas não tenho coragem de dizer que desperdicei seu dinheiro suado e quebrei sua confiança em mim.

Meu pai deve estar decepcionado. Seria melhor ter desistido antes, admitido que ainda não era boa o suficiente. Reconhecer que não sou forte como ele e minha mãe. Eles, sim, sempre seguiam em frente sem parar diante da tempestade.

Uma sombra se aproxima e os pés descobertos de Thales entram no meu campo de visão. Sinto o amargor da frustração e do ressentimento na minha boca.

— Você não estava na apresentação. Só pode estar aqui pelo acordo.

— Não há acordo. Ele perdeu o sentido desde que a assisti pelo mezanino.

Ergo a cabeça e meus olhos vacilam ao encontrar os dele.

— Tanto tive medo por você não conseguir, quanto tive inveja por estar onde nunca consegui chegar. Mas ao ouvir você cantar, me permiti admirar a arte alguém pela primeira vez.

Thales se agacha na minha frente e meu silêncio se prende às suas palavras.

— Como sempre fui versões do que esperavam que eu fosse, acreditava que o conhecimento me fazia intocável e digno de reconhecimento pelo meu esforço próprio. Mas na verdade, construí um espelho de arrogância, assim como meus pais.

Suas mãos tocam meus ombros com delicadeza ao mesmo tempo que as lágrimas nublam minha visão.

— Eu me vi em você. Inventei a lenda porque era mais fácil camuflar o fracasso e a solidão com a glória. Você voltou a tocar porque parecia mais fácil performar uma música que coubesse nas expectativas das pessoas. Então, por favor, — Seu toque se intensifica e consigo ver meu reflexo na íris âmbar — nunca deixe de se encontrar sempre que precisar recomeçar, ainda que demore duzentos anos.

Seus braços me envolvem em um abraço sincero e eu o aperto de volta com todos os sentimentos que escorrem em meio às lágrimas. Embora não ouça as batidas do seu coração ou sinta o movimento dos seus pulmões, lembro de algo mais importante: a presença.

Toda a dificuldade que eu e minha mãe passamos quando meu pai morreu em um acidente de caminhão nunca se resumiu a ser forte para não cair. Nós caímos, muito. Mas levantamos porque não estávamos sozinhas para recomeçar.

Ter Thales me inspirou a reconstruir minha confiança para tocar de novo, mas esqueci o principal ao me apoiar nele. O recomeço deve partir, antes de tudo, de um novo olhar sobre nós mesmos.

O celular vibra nas minhas mãos e me afasto do abraço para checar o visor. Ao ler a mensagem, aperto as mãos de Thales e sorrimos um para o outro.

Maristela: Gostaria de se apresentar de novo? É por minha conta.