Capítulo Vinte e Sete: Os Versos de Um Poema.
--- Por que diabos não me acordou? --- Octávia exigiu, cruzando os braços para Apolo.
--- De que, exatamente, adiantaria fazer isso? Não mudaria nada, e você não morreu por saber agora. --- O loiro respondeu.
Alasca havia contado o que acontecera na noite anterior, durante o café da manhã. Levi, que a interrompera o todo instante para fazer perguntas, tinha agora as sobrancelhas franzidas, e Octávia estava inconformada.
Ice permanecera calada, estava estranhamente quieta, e Apolo lhe achara muito pálida, a bruxa mal tocara na comida, e parecia cansada.
--- Não mudaria nada, é?! --- A loira repetiu com ironia --- Poderíamos ter feito uma busca e pegado ele, você o deixou fugir! --- Acusou.
--- Talvez você queira procurá-lo. --- Foi a resposta fria de Apolo.
--- De certo que seria mais agradável. --- A loira cruzou as pernas e franziu as sobrancelhas, irritada.
--- Então... --- Levi olhou de um loiro para o outro --- Com Kalias em nosso rastro, o que faremos?
Os outros quatro trocaram olhares. Era uma decisão difícil, e eles não sabiam qual era o caminho correto a seguir.
Os olhos castanhos de Levi se fixaram nas cinzas da fogueira ao centro deles, e então, algumas fagulhas se agitaram.
Devia ser minha imaginação, o ex cavaleiro balançou a cabeça.
--- ...se ele saiu do bosque já deve estar a caminho de Temeron, vai tentar nos encurralar por lá, e então, seria só cruzar a ponte e seríamos entregues a Wells. --- Octávia refletiu.
--- Na melhor das hipóteses, eles nos matam. --- Disse Ice, com a voz baixa, seguida de uma tosse seca.
Levi ouvia a conversa de olho nas cinzas, fagulhas e faíscas já haviam brincado com seus sentidos, e ele se questionava se era mesmo, apenas sua imaginação.
--- Porém, se não formos a Temeron e não atravessarmos a Ponte Vermelha não conseguiremos parar o casamento e os planos dos monarcas tiranos. --- Apolo rebateu.
Fogo alto e crepitante subiu em labaredas ferozes das cinzas da fogueira, e Alasca gritou de surpresa, a medida que os outros ficaram de pé aos saltos.
Então as chamas diminuíram e um rosto apareceu entre elas.
--- Que diabos...Merlin?! --- Levi franziu as sobrancelhas, se aproximando das chamas.
O sorriso bem humorado e os olhos oponentes de Merlin eram agora nítidos entre as chamas. Octávia, com um suspiro e um xingamento, voltou a sentar-se.
--- Perdoem-me pelo susto. --- O feiticeiro se apressou a começar --- Tenho tentado falar com vocês a semanas! Como estão?
--- Você sabe o que é uma carta? --- Octávia levantou as sobrancelhas.
--- Oh por que será que eu não pensei nisso? --- Merlin disse sarcástico --- Prefiro os meus meios de comunicação, e eles são mais seguros. Enfim, aquele loiro de certo é o Apolo?
--- Eu estou bem confuso. --- O loiro estreitou os olhos, voltando a se sentar --- Eu conheço você?
--- Este é Marc...Merlin, o feiticeiro que abrigou a Octávia e a mim, e que também deu a ela a espada. --- Levi explicou --- Mar...lin, você ainda não conhece as gêmeas.
--- De certo que não. --- A cabeça flamejante do feiticeiro virou-se para as duas irmãs que o encaravam receosas --- Olá! Sou Merlin, um feiticeiro.
--- Sou Ice, essa é Alasca minha irmã, nós somos... --- A gêmea de olhos brancos tossiu --- Somos bruxas.
--- Bruxas? Que interessante grupo você reuniu, meu amigo. --- Ele virou na direção de Levi outra vez, suas chamas chamuscaram a barra do vestido de Ice --- Como vão as coisas? Elas estão a lhe ajudar?
--- Estão, as gêmeas e nós vamos a Cidade-Capital de Alter para chegar a Wells. --- O ex cavaleiro contou --- Merlin, você já sabe que o rei Antônio morreu?
--- Sim, acabei por saber, foi a mando do príncipe, não acha? --- Merlin suspirou, espalhando fagulhas --- Ele realmente é um maluco.
--- Tenho certeza de que foi ele, achamos isso também. --- Octávia começou --- E descobrimos quem era a tal mulher que o manipula.
--- E quem é ela? --- O feiticeiro se apressou em perguntar.
--- Rainha Yracedette Ravenclaw, de Darot.
O feiticeiro soltou uma exclamação de surpresa, mas Octávia continuou a falar antes que ele dissesse algo.
--- E eles vão se casar em menos de vinte dias, por isso estamos seguindo para Temeron, vamos parar o casamento.
--- É um plano um pouco perigoso, admito. --- Merlin comentou, os cabelos cacheados jogados pelos ombros --- Mas pode dar certo. Não achei que a rainha Yracedette iria se casar tão depressa, o rei morreu há tão pouco tempo.
--- De certo que foi ela quem o matou. --- Alasca disse --- E ela provavelmente vai limpar a magia desse continente, se conseguir assumir como rainha de dois reinos.
--- A família dela participou ativamente das Caçadas, não duvido que o faria, então tomem bastante cuidado. --- O feiticeiro olhou para cada um em volta de si --- São um grupo bastante corajoso.
--- Somos doidos que não perdem nada se morrerem, mas Jeter perde, então, estamos tentando salvar esse continente. --- Rebateu Apolo, cruzando os braços.
--- Interessante sua visão das coisas. --- Merlin o encarou, atentamente --- Mas não ache que morrer é algo insignificante.
O loiro não respondeu. Ice tossiu e após um curto diálogo entre o feiticeiro, o ex cavaleiro e a assassina, Merlin se despediu e as chamas sumiram.
--- Ele poderia nos ajudar, não comentei nada pois sei que ele tem medo da fogueira, mas acho que Merlin seria de grande ajuda a essa causa. --- Octávia sussurrou para Levi.
--- Ele já fez muito por mim, não vou pedir-lhe para entrar numa guerra por minha causa. --- O ex cavaleiro suspirou.
--- Ele deveria fazê-lo sem necessidade de o pedir. --- A loira cruzou os braços. Levi balançou a cabeça.
--- Vou dar água aos cavalos. --- E ele saiu.
A bruxa revirou os olhos verdes, Alasca conversava com Apolo, e a loira viu o falcão do amigo sobrevoar ar árvores e assentar numa pedra.
Então, Ice tossiu de novo, e caiu sentada num tronco, em uma crise de tosse.
--- Ice?! --- Alasca correu para a irmã --- O quê houve?
--- Ela está doente...talvez seja gripe ou pneumonia. --- Octávia verificou a temperatura da bruxa, ela estava com febre --- Como se sente, Ice?
--- Meu corpo doí...e minha cabeça também. --- Ela apertou os lábios, branca como papel.
--- Vem aqui. --- Apolo a pegou no colo --- Vou deixá-la na tenda de vocês, façam um chá para ela. --- Orientou as bruxas.
--- Vou fazer. --- Alasca apertou as mãos uma na outra.
O loiro carregou Ice até a tenda que ela e a irmã dividiam. A bruxa estava pálida, e ardendo de febre, além de tossir muito. Apolo deitou-a sobre a cama de cobertas improvisada no chão, e ficou agachado ao lado dela.
--- Pegou cereno? Ou nadou no canal altas horas? --- Perguntou, jogando uma coberta sobre a bruxa.
--- Eu não...talvez tenha nadado uma vez ou outra. --- Ice se sentou com dificuldade --- Acha que é só uma gripe?
--- Espero que seja. --- Ele a olhou com reprovação --- Tente descansar, sem treinos hoje. Parece que o destino acha que não podemos seguir para Temeron ainda.
--- Acredita em destino? --- Ela levantou uma sobrancelha clara.
--- Destino não... --- Apolo ficou de pé --- Forças ocultas.
Ice franziu as sobrancelhas para o loiro, e ele riu, saindo da tenda, mas pondo a cabeça para dentro pouco depois para avisar.
--- Sua irmã vai mandar uma carta para seu irmão, ela lhe contou? --- Ice assentiu --- Quer que eu lhe diga para acrescentar algo em seu nome?
--- Diga a ela que avise que estou bem, e que o lugar do chanceler Dew é no quinto dos infernos.
Apolo saiu da tenda rindo mais do que admitiria para quem lhe perguntasse.
Octávia acupou sua manhã em cuidar de Ice, pondo em prática tudo que aprendera, enquanto Alasca tentava se concentrar no que escrever.
A bruxou ficou certa de um quarto de hora sentada num tronco com uma pena a mão. O falcão de Apolo empoleirado ao seu lado, enquanto o dono pescava no canal.
Ela começou a escrever, e as palavras começaram a fluir, seria um bilhete pequeno, mas direto. Levi se aproximou da bruxa, quando ela já havia terminado.
--- Como vai codificar a carta? --- Perguntou, se curvando sobre o ombro de Alasca.
--- Poemas. --- Respondeu a bruxa --- Fazíamos isso quando pequenos para nos comunicar, e acrescentei os apelidos que apenas nós três sabemos, se alguém a interceptar não verá nada mais que um poema.
Levi elogiou a criatividade dela, e a bruxa lhe deu o bilhete, escrito em poucas e elegantes palavras, o ex cavaleiro o leu com atenção.
As montanhas do leste e do norte permanecem firmes pelas tempestades. Embora ao sul, onde um canário branco canta sobre as montanhas, na tentativa de causar uma avalanche, as coisas poderiam vir a complicar.
--- Eu realmente não entendi nada. --- Ele sorriu --- Isso é ótimo!
Fenda, Cidade-Capital de Gless...
O vento forte e frio ricocheteava nas janelas do palácio erguido entre as montanhas congeladas. As torres altas e pontudas, os salões que pareciam esculpidos no próprio gelo, e um príncipe, que também parecia estar congelado no tempo.
Os olhos azuis claros e límpidos de Eisberg, herdeiro do trono de Gless, leram e releram cada letra e cada palavra, verso e frase do bilhete que recebera.
Um alívio saiu em forma de suspiro. As meninas estavam bem, suas irmãs tão amadas estavam em segurança! Mas Gless não.
--- Um canário branco canta sobre as montanhas, na tentativa de causar uma avalanche. --- Releu pensativo.
Canário branco...o chanceler Dew. Ele era uma ameaça? Claro que era, Eisberg estivera alerta com ele desde o momento em que falara ao rei sobre a instabilidade, inexistente, das princesas gêmeas.
Avalanche...confusão, ou talvez...uma rebelião, um golpe de estado.
Ele era ardiloso, devia se tratar disso a pisar em ovos. O príncipe afastou os cabelos platinados da frente dos olhos, olhando o verso da carta, mas não havia nada lá.
--- Preciso fazer alguma coisa... --- Murmurou, então pegou um tinteiro e uma pena longa e preta.
Pois o verso do bilhete para cima, escreveria uma resposta lá mesmo, assim não corria riscos de ter o bilhete descoberto, ou mesmo os rastros dele.
O falcão que trouxera a mensagem permanecia quieto e em silêncio, como uma estátua, as penas pretas e brancas eram longas e brilhantes.
O príncipe observou os versos recém escritos, e leu-os mentalmente.
As montanhas do sul continuam nevadas, embora haja sol a sua volta. O canto do canário já não podia mais ser ouvido, e seus agouros para uma avalanche não seriam bem sucedidos aquele inverno. A montanha era forte o suficiente para segurar suas próprias camadas de neve.
--- Bem, espero que consiga entregar isso a ela, pequeno falcão. --- Ele disse, amarrando o bilhete na perna da ave.
Ele deixou que a ave voasse pela janela, e começou a contarolar, baixinho, a música que cantava com as irmãs.
--- Quero andar pelo topo de montanhas congeladas.
Dançar por bosques nevados.
Encontrar as pessoas a muito amadas.
Aproveitar os momentos, antes que pelo vento sejam levados.
Deixar o Inverno ser meu par e de braços dados caminhar para além dos portões de gelo, para lá, eternamente repousar.
O príncipe limpou um lágrima que escorria pela bochecha, e então se pois de pé.
--- É hora de salvar meu reino.
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