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Capítulo Vinte e Quatro: Uma Sutil Mudança.

Levi e Octávia acharam Apolo sentado num barranco gramado, as margens do canal.

Estava balançando os pés descalços na água cristalina, um mapa gasto e amarelado de Berg de um lado, junto com as botas, e do outro a espada e uma pilha de pedras.

--- Pergunte se já tenho um plano outra vez, Levi, e lhe arranco um dente. --- Foi a saudação de Apolo, ao ouvir os passos do ex cavaleiro.

--- Acho que um olho seria mais aceitável. --- Octávia tirou as botas e se sentou do lado em que estavam o mapa e as botas, ela sorriu mergulhando os pés na água corrente do canal --- Ele só tem dois.

--- Vou arrancar a língua, só tem uma. --- Apolo debochou, fechando os olhos e sentindo os pequenos raios de sol que escapavam entre as nuvens, lhe acariciarando no rosto --- E assim ele fica sem falar também.

--- Ele escuta, sabia? --- Foi a vez de Levi se sentar --- E sem minha língua não posso lhe contar o que me ocorreu a pouco.

--- E isso me importa? --- Apolo franziu as sobrancelhas.

--- Tivemos uma ideia. --- Octávia explicou, movendo as pernas na água --- Levi cuidou da segurança do castelo de Wells por um tempo, ele pode lhe descrever e você desenhar, então, teríamos um mapa interno do castelo.

--- Essa ideia me surpreendeu. --- Apolo abriu os olhos --- Vamos trabalhar nisso a tarde, com o mapa podemos marcar os acessos que temos que bloquear, e qual o melhor caminho para entrar e sair.

--- Bem, ainda temos vinte e oito dias para planejar. --- Octávia sorriu.

--- Na verdade... --- Levi se levantou --- São algumas horas de Temeron até Berg, e daqui até Temeron um dia e meio, então como vamos ficar lá um tempo, e se contarmos os atrasos e imprevistos, devemos ter em média vinte e dois dias para planejar. Ou vinte.

Octávia e Apolo viraram a cabeça para encarar o ex cavaleiro, em sincronia.

--- Eu arranco os olhos e você a língua. --- A loira disse a Apolo.

--- Vou tirar uma orelha também. --- Apolo sorriu, Levi agarrou suas botas e saiu depressa --- Um dedo, talvez?! --- Gritou.

--- Fica longe de mim! Seu psicopata! --- Levi gritou de volta. Octávia riu.

--- Ele não é tão ruim. --- A loira comentou, fazendo círculos na água --- Parece que salvá-lo naquele beco em Tíbia não foi de todo uma má ideia.

--- Ainda estou reconsiderando isso. --- Apolo respondeu --- As encrencas dele acabaram se tornando as nossas, e agora estamos tentando salvar Jeter. Nós dois tentando salvar Jeter, soa tão estranho, não é? --- Ele sorriu.

--- Não tão estranho quanto a magia de Ice ter o cheiro de brisas de inverno, e a minha de fumaça perfumada. --- A loira fez uma careta.

Apolo engasgou com uma risada.

--- Fumaça perfumada? Faz bem o seu estilo, eu gostei. --- Ele levou um empurrão de ombro --- Falo sério, não é tão ruim. Você pode matar os cavaleiros só com esse cheiro.

Octávia jogou Apolo no canal, com um único movimento.

--- Sua...! --- O loiro emergiu tossindo.

Octávia sorriu vitoriosa, enquanto Apolo tentava voltar ao barranco onde estavam sentados. Por um momento, ele pensou em jogá-la na água, mas não o fez, Octávia não sabia nadar.

--- As vezes me pergunto como ainda não matei você. --- O loiro pois as mãos na cintura, encarando a bruxa que se levantava.

--- Você não vive sem mim, querido. --- Octávia afastou o cabelo loiro e molhado do rosto bonito de Apolo, com um sorriso convencido --- Vai me suportar até que minha jornada chegue ao fim, e tenha que me enterrar.

--- Não vou enterrar você, vou jogá-la numa vala. --- Apolo pegou suas botas e a espada, antes de continuar --- Ou na beira de uma estrada.

--- Não se atreva! --- Ela estreitou os olhos, pegando o mapa de Berg e o enrolando --- Vamos almoçar, você já delira de fome.

Apolo balançou a cabeleira loira e molhada, seguido atrás de Octávia.

Por sorte, as gêmeas já estavam a preparar o almoço, e a fogueira onde assavam a carne fresca dos coelhos que Levi caçara, foi a salvação de Apolo e suas roupas molhadas.

--- Por sorte ele não pegou uma pneumonia. --- Ice comentou, mexendo o caldo de verduras no pequeno caldeirão de cobre ao fogo --- A água do canal é muito fria.

--- Ele está ótimo. --- Octávia garantiu, dando um tapinha nas costas de Apolo --- Temos um mapa de Alter, não temos?

--- Aqui. --- Levi passou um pedaço amarelado de papel para a loira --- Vou levar os cavalos para beber no canal.

Enquanto o ex cavaleiro descia até o canal com Trovão, Líria e os cavalos marrons das gêmeas, Octávia abria o mapa, e procurava os canais e riachos que levavam ao Rio Cler, atravessado de uma ponta a outra pela Ponte Vermelha, ligando os reinos de Alter e Wells.

--- Temeron está uma milha de distância da Ponte Vermelha, atravessar a ponte será fácil, mas deve haver uma barreira na fronteira para chegar a Wells. --- A loira analisou, seguindo o canal no mapa com os olhos.

--- O Rio Cler desce até a costa, e lá deságua no Mar de Sal... --- Ice considerou, tirando o caldeirão com o caldo do fogo --- O porto de Wells fica lá perto, talvez a rainha Yracedette chegue por lá, de navio.

--- É uma boa possibilidade. --- Apolo comentou, espiando o mapa por sob ombro.

Alasca estava alheia a conversa. Sentada sob um tronco, a bruxa cortava um pão em fatias, os cabelos amarrados atrás da cabeça, e o pensamento longe.

Ela estava a lembrar do homem bonito em que esbarrara no dia anterior, na feira em Lauver.

Um sorriso intrometido curvou os lábios da bruxa ao se lembrar da voz e do sorriso dele, uma voz grave e um sorriso provocador, o jeito convencido e um pouco arrogante.

Mas havia algo além, algo que a fazia sorrir quando se lembrava dele.

--- Aí... --- Alasca se assustou ao sentir a lâmina afiada da faca lhe cortar o dedo, um filete de sangue começou a escorrer.

--- O quê houve? --- Ice se virou para irmã, Alasca deixava a bandeja com os pães de lado e limpava o sangue na túnica --- Está mais avoada que o normal, irmã.

A bruxa de olhos brancos ficou de pé, indo buscar a bandeja e tomando a faca da gêmea. Alasca revirou os olhos azuis, murmurando qualquer coisa, e cruzando os braços.

--- Ainda temos que nos preocupar com Kalias. --- Apolo lembrou, cortando a carne assada em pedaços --- Ele pode estar a seguir nosso rastro, e talvez já tenha relatado ao príncipe Ângelo e a rainha Yracedette que estamos a seguir para Alter.

--- Ele é uma pedra na bota. --- Ice concordou --- Por sorte ainda não fomos apresentados. Queria saber como ele descobriu que Octávia era uma bruxa, pode acabar por descobrir sobre Alasca e eu.

--- Ele é um tipo esperto. E bonito. --- Octávia comentou, recebendo um olhar reprovador de Apolo --- Ah, ele é bonito sim, um maluco, mas um gato.

Apolo balançou a cabeça, terminando de cortar a carne, Ice distribuiu o caldo em tigelas, e Levi voltou com os cavalos. Alasca se sentou ao lado da irmã, e começaram o almoço.

--- Qual vem a ser a aparência desse Kalias? --- Ice perguntou, mergulhando uma fatia de pão no caldo --- Alasca e eu somos as únicas que não o conhecem.

--- Ele é alto, e tem lindos olhos azuis... --- Octávia começou --- Talvez não tão lindos quanto os do Apolo, claro. --- Acrescentou com um sorriso amarelo para o amigo.

--- Ele também é arrogante, e prepotente, e a espada que carregava a cintura era uma espada nada convencional. --- Levi descreveu --- Rara até entre cavaleiros.

--- A alma dele deve ser tão negra quanto os cabelos, e aquele lá é um perdido, um assassino habilidoso e perdido. --- Apolo acrescentou.

Alasca engasgou com o caldo. Olhos azuis, cabelos negros, arrogante, bonito...

Não. Não podiam ser a mesma pessoa.

A bruxa abaixou a tigela lentamente, mordendo os lábios. Aquele não era um tipo comum, e certamente não era de Lauver, onde todos eram baixos, barrigudos, ruivos e carecas antes dos quarenta.

Ele podia estar só de passagem, terem a mesma descrição não significava que Kalias e o homem que encontrara em Lauver eram a mesma pessoa. Não podiam ser.

Mas ela sabia que eram. E naquele dia, houve uma sutil mudança na forma que Alasca via as coisas.

Lauver, Vila de Alter...

O homem alto de cabelos negros encarou a fachada suja e mal cuidada do bar a sua frente. Uma careta de nojo e um suspiro antes de entrar no local apertado, que cheirava a fumaça e álcool.

Os olhos muito azuis acharam quem procurava, num canto escuro, com uma caneca enorme sobre a mesa, e duas outras vazias, e pelo menos mais uma cheia.

Kalias revirou os lindos olhos, ajeitando as mangas do sobretudo preto e então seguindo para onde sua informante bebia despreocupada.

Ele se sentou sem cerimônia, evitando encostar na mesa, não muito higiênica.

A moça ruiva tinha um lado da cabeça raspada, os olhos eram de um castanho avermelhado intenso, ela baixou a caneca dos lábios, e começou:

--- Suas vítimas partiram de Lauver há mais ou menos duas horas. E o loiro está vivo, sua flecha de sangue não funcionou, ah, e ele é um tremendo de um gato.

--- Já esperava por isso. Sabe para onde foram, Meifie? --- Kalias olhou de canto para o grupo de bêbados barbudos ao lado deles.

--- Querem chegar a Capital, Temeron.

Ela voltou a beber. Silêncio.

--- E? --- Ele levantou a sobrancelha.

--- E... --- Meifie abaixou a caneca --- Além do cavaleiro e dos loiros, haviam outras duas moças, gêmeas, com eles, partiram juntos.

--- Gêmeas? --- Cruzou os braços --- E como eram?

--- Jovens, altas, cabelos estranhamente brancos, assim como os olhos de uma delas, os da outra eram azuis. --- Contou, se encostando na cadeira e voltando a sua bebida.

Kalias a encarou em silêncio. A lembrança vagando pela moça de olhos azuis e cabelo trançado, de um branco lindo e brilhoso, quando se esbarraram, horas atrás.

Então as peças se encaixaram em sua mente.

Ele conhecia uma das mais novas companheiras de Levi, e o problema, era que ele não queria mata-la. Mas teria que fazê-lo.

--- Ah e também... --- Meifie largou a caneca vazia sobre a mesa --- Um dos meus espiões descobriu que as princesas de Gless fugiram, e a descrição delas, por acaso, bate com a das gêmeas que lhe falei. Seu amiguinho está abrigando princesas agora.

--- Princesa... --- Kalias sussurrou, então ficou de pé --- Não exagere na bebida.

--- Não vou! --- A ruiva pegou outra caneca, observando o homem ir embora --- Cada dia mais bonito, hein, Kalias...

A chuva pegou-o de surpresa assim que saiu na rua, encharcando os cabelos negros mais rápido do que Kalias achou que fosse possível.

Mas ele deixou-se molhar, para esfriar os pensamentos.

--- As variáveis...sempre brincando comigo. --- Ele balançou a cabeça, começando a andar.

A figura alta de Kalias sumiu em meio as ruas e a chuva, com as mãos nos bolsos e o pensamento distante.

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