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Capítulo Vinte e Cinco: Um Encontro Nada Convencional.

Octávia cruzou os braços frente ao peito.

--- Eu não vou fazer isso.

Ice e Apolo trocaram olhares impacientes.

Levi e Alasca estavam no acampamento, na tentativa de fazer um mapa interno do castelo de Wells, em Berg, então a bruxa de olhos brancos assumiu o treinamento pela tarde também.

--- Você precisa treinar suas habilidades com a cura, tanto na de outras pessoas, quanto na auto cura em você mesma. --- A bruxa de olhos brancos explicou --- É só uma queimadura.

--- Não vou deixar você me queimar. --- A loira franziu as sobrancelhas --- Eu já curei seu tornozelo e seus dedos, fechei o corte de Apolo, e praticamente ressuscitei uma flor. Agora, deixar você me queimar é outra história.

--- Não precisa listar as coisas que já fez, eu estava aqui. --- Ice se sentou numa pedra --- Curar aos outros e curar a você são coisas diferentes. Você precisa se curar imediatamente em uma batalha, um ato involuntário como respirar.

--- Isso não a deixaria fraca? --- Apolo perguntou, afiando a lâmina de sua espada numa pedra lisa --- Qual a diferença entre os dois procedimentos?

--- Com o tempo ela nem sequer sentiria que está usando magia, como Alasca e eu. As diferenças não são muitas, a magia dela fará o mesmo processo de cicatrização, porém, Octávia não precisaria pôr a magia para fora, usando-a nos ferimentos, ela simplesmente fluiria, curando-a de dentro para fora.

--- Então ela não precisaria parar de lutar para se curar? --- Apolo questionou, testando o corte da espada numa folha.

--- Exatamente. --- Ice assentiu, voltando a encarar a loira --- Isso, é claro, se ela permitir que eu continue com o treinamento.

Octávia suspirou, subindo a manga escura do vestido, e deixando o braço a mostra. Ice se aproximou com uma chama branca na mão direita, e então, sem mesmo hesitar, a bruxa agarrou o braço da loira.

A assassina sentiu a carne de seu braço ser queimada e derretida, lágrimas lhe vieram aos olhos, enquanto fumaça subia do toque.

O cheiro de carne queimada chegou ao nariz de Apolo, e o loiro parou de afiar a espada.

Até que, quando Ice intensificou o aperto, um grito agudo e rouco escapou da garganta da loira, e Apolo puxou Ice para longe de Octávia sem se importar em em ser delicado.

A assassina dos olhos verdes caiu de joelhos, o ante braço completamente queimado, em carne viva.

--- O quê deu em você?! --- Apolo esbravejou para a bruxa, que calmamente ajeitava as mangas do vestido.

--- Não entendi? --- Ice franziu as sobrancelhas.

Octávia gemeu de dor, sentido o cheiro da própria carne queimada. Ela não ouviu Apolo gritar xingamentos contra Ice, ou sequer viu o rosto inabalável da bruxa de cabelos brancos.

A loira começou a ouvir um coração bater, e era o dela, martelando contra suas costelas.

O sangue corria veloz como um rio por suas veias, e quando ela se concentrou, a dor da queimadura parecendo um mero detalhe a parte, a bruxa ouviu algo mais descendo por suas veias, magia, veloz e quente, como lava incandescente.

Então seu braço esquentou e formigou, Octávia sentiu a carne crescer junto ao osso, as veias e músculos sendo refeitos, a pele alva de seu braço voltando a cobrir a carne.

Em pouco mais de um minuto, não havia mais carne queimada, nem dor, ou fumaça. Havia um braço curado, e perfeitamente normal. Ela ficou de pé, lentamente.

--- ...em que porra de treinamento se tenta matar o aluno? Viu o que fez com o braço dela?! --- Apolo se aproximou de Ice.

Mas a bruxa desviou o olhar para a loira que ficava de pé, e Apolo fez o mesmo, vendo uma Octávia curada. O loiro marchou até ela, puxando o braço outrora queimado, e o examinando atenciosamente.

--- Como fez isso? --- Ele perguntou, confuso, soltando-a finalmente.

--- Foi involuntário, quando percebi já estava me curando. --- Ela respondeu, puxando a manga para baixo --- E quanto a você, nunca mais me queime, sua vadia.

--- Achei que ficaria mais agradecida por ter lhe ensinado algo tão importante. --- Ice cruzou os braços --- Assassina do Manto.

Octávia se aproximou da bruxa a passos rápidos, Ice não se mexeu, ao contrário de Apolo que tentou impedir a loira de chegar a outra, mas ela chegou, e para a surpresa dele e da própria Ice, Octávia apenas a abraçou.

--- Você é uma princesinha bem ousada, Ice. --- Comentou.

A bruxa ficou parada por um momento, então passou um dos braços pelos ombros da loira, dando leves batidinhas, ela era mais alta que Octávia, porém se sentia pequena perto dela.

--- E você certamente é a assassina mais habilidosa que conheço. --- Devolveu ao se soltarem.

--- Vocês mulheres são estranhas. Muito.

Foi o último comentário de Apolo, que pegou sua espada e desceu de volta ao acampamento. Ice e Octávia trocaram sorrisos.

Por quatro dias seguindo Ice e Octávia treinaram juntas, Alasca, Levi e Apolo trabalharam no mapa durante esse período, e após sete dias no bosque, eles finalmente tinham um mapa.

E o plano começava a ser montado.

--- Estou tão cansada. --- Octávia bocejou.

O grupo estava reunido ao redor de uma fogueira crepitante. Os cavalos adormecidos num canto a parte, haviam acabado de jantar.

--- Estive pensando, e acho que deveríamos partir para Temeron em breve. --- Levi disse, cutucando o fogo com um graveto --- Faltam menos de duas semanas para o casamento, e precisamos colocar o plano em ação.

--- Podemos ir amanhã, ou depois. --- Alasca concordou, trançando os cabelos --- Octávia se saiu muito bem nos treinamentos, acho que não temos mais nada para ensinar a ela.

--- Fico lisonjeada! --- A loira sorriu, sentada ao lado de Apolo num tronco.

--- Estou de acordo em partir, uma hora ou outra teremos que fazer isso. --- Ice cruzou os braços, estava uma noite fria.

--- Vamos esperar mais alguns dias, um ou dois. --- Apolo sugeriu --- Acho que as gêmeas ainda tem uma coisa ou outra para aprender sobre como usar uma espada.

A medida que Octávia treinava seus poderes, hora com Alasca, hora com Ice, Apolo e Levi treinavam suas habilidades de luta com a gêmea que estivesse livre.

--- Não é como se fossemos usa-las de verdade. --- Rebateu Ice, ficando de pé --- Eu vou dormir, boa noite.

--- Eu também vou. --- Octávia se levantou.

Alasca e Levi começaram uma conversa sobre o plano e sobre o que costumavam fazer quando suas vidas ainda estavam no eixo, e Apolo saiu para patrulhar a área em torno do acampamento.

--- Você está parecendo tão distante e preocupada esses dias... --- Levi começou, encarando a bruxa do outro lado da fogueira --- Aconteceu alguma coisa? O quê está lhe preocupando?

Alasca hesitou.

Haviam muitas coisas a preocupando ultimamente, a invasão, o plano, as consequências se não funcionasse, sua família em Gless, e Kalias. Principalmente Kalias.

--- Tenho medo do que o nosso chanceler possa fazer. --- Contou, não era exatamente uma mentira --- Ele ordenou a morte da minha mãe, e também convenceu meu pai, o rei, de que Ice e eu éramos uma ameaça. Acho que ele pode tentar um golpe, e estou de mãos atadas.

--- É uma situação bastante complicada. --- O ex cavaleiro concordou --- Seu pai confia nele?

--- Não faz ideia do quanto! E isso me assusta. --- Ela encarou o fogo, vivo e crepitante --- Ele pode tentar matar Eisberg, meu irmão, ele é o primeiro na linha de sucessão real.

--- Uma pena que vocês não possam voltar lá, e que também temos uma missão importante. --- Levi suspirou, passando as mãos pelo cabelo castanho escuro --- Não há ninguém em Gless que possa parar o chanceler?

Alasca pensou por um tempo.

--- Bem, se eu podesse falar com Eisberg, ele certamente daria um jeito nisso... --- Ela refletiu --- Mas não sei como posso fazê-lo.

--- Apolo tem um falcão, acha que se escrevesse uma carta para seu irmão, resolveria?

--- Bem, talvez... --- Ela se animou --- Posso codificar a carta, para que só meu irmão entenda, e então, terei que deixar o futuro de Gless nas mãos dele.

--- Faça isso amanhã, posso lhe ajudar, aprendi a codificar cartas quando treinei para cavaleiro. --- Levi se levantou --- Eu vou dormir, vai ficar aí?

--- Vou esperar Apolo, para pedir-lhe o falcão.

--- Então, boa noite.

A bruxa observou Levi se afastar para a tenda em silêncio.

Ficou a beira do fogo por alguns minutos, e então pegou um xale, e uma adaga, prendeu-a no cinto, e se enrolou no xale colorido, saindo do acampamento.

Apolo não devia de estar longe, então ela caminhou a luz da lua pelo bosque, ficando sempre próxima ao acampamento.

Talvez ele estivesse no canal...

--- Mas que surpresa, você por aqui, princesa?

Um arrepio percorreu a espinha da bruxa, como se os dedos gelados e furtivos do medo a tivessem agarrado. Era a voz dele. Grave, sussurrada...era Kalias.

Alasca se virou depressa, e lá estava ele, com as mãos nos bolsos, os olhos azuis intensos a encarando, como se pudesse lhe ver a alma e seus pensamentos acima de sua cabeça.

--- Está perdida? --- Insistiu ele.

A bruxa engoliu em seco. Estava mais longe do acampamento do que devia.

--- O quê você está fazendo aqui? --- Ela conseguiu perguntar, mas sua voz tremeu.

--- Passeando, o que mais seria? --- Ele levantou uma sobrancelha --- Esse não é um lugar muito apropriado para uma princesa andar tão tarde.

--- Princesa? --- Alasca repetiu, tentando soar incrédula.

Mas ele já sabia. Kalias sempre sabia, e isso era perigoso. Já saberia ele que ela era uma bruxa? Já teria matado todos no acampamento? Como os encontrara?

Sua cabeça girou com tantas perguntas, e ela apertou o xale em torno dos ombros, como se isso pudesse protegê-la.

Então ele começou a andar.

Alasca sentiu o ar ficar pesado, custando a entrar pelos pulmões a medida que Kalias se aproximava. Ele estava perto, perto demais, e a jovem bruxa começou a recuar.

--- O rei de Gless ficaria feliz em saber que suas filhas estão bem, acho que vou fazer um favor a ele e leva-las de volta.

--- Não se incomode. --- Alasca respondeu, recuando mais um passo, porém, bateu com as costas numa árvore --- Conheço bem o caminho para o meu reino.

Kalias levantou uma sobrancelha, provocando.

Alasca considerou usar seus poderes, mas estaria revelando ao inimigo suas habilidades, e ele já sabia que Octávia era uma bruxa, então estava fora de cogitação.

--- Princesa... --- Ele parou a frente dela, não mais que quarenta centímetros os separando --- Está numa posição complicada, agora.

Alasca não respondeu, forçou as costas um pouco mais no tronco da árvore, se conseguisse pegar a adaga no cinto...

--- Me pergunto o que pretende ajudando aqueles assassinos... --- Kalias deu mais um passo, os olhos azuis penetrantes se estreitando --- Pode acabar morta.

A bruxa estava começando a ficar ofegante. Ele estava mais perto do que deveria, a respiração quente do mercenário contra a sua própria, além daqueles malditos olhos azuis intensos.

Kalias devia ser dez centímetros mais alto que Alasca, que já era relativamente alta, então ele se curvou sutilmente, pondo a mão sobre o tronco, ao lado da cabeça da jovem bruxa.

--- A morte é só mais uma etapa na vida, de qualquer um, em qualquer lugar. --- Ela conseguiu falar.

Um sorriso puxou os lábios de Kalias, enquanto ele pegava uma mecha, solta do cabelo platinado da bruxa, entre os dedos.

--- Então não a teme? --- Ele perguntou, pondo sutilmente a mecha atrás da orelha dela.

--- Não. Eu deveria?

--- Deveria temer a mim. --- O outro se aproximou mais do rosto de Alasca.

--- Deveria sair de perto dela.

Era Apolo, logo atrás dos dois, com uma flecha apontada para a nuca de Kalias. Alasca tremeu quando o homem a sua frente sorriu, e então se virou para o loiro, que o encarava impassível.

--- Olho só, nos encontramos novamente, senhor Henson. --- Kalias ameaçou por as mãos nos bolsos, mas Apolo puxou ainda mais a flecha --- Calma.

--- Estou calmo. E completamente consciente de que não foi o destino que o trouxe aqui, para um reencontro. --- O loiro respondeu.

Kalias estreitou os olhos, e Alasca considerou acertar ele com a adaga presa em seu cinto, ele estava de costas,, mas sua mão vacilou, e ela preferiu se afastar da árvore e correr até o loiro com o arco.

Apolo olhou para a bruxa de canto, e quando voltou a olhar para Kalias, o assassino já não estava mais lá.

O loiro froxou a flecha na corda, e então viu o vulto de um cavalo se afastando entre as árvores, com alguém montado.

--- Eu... --- Alasca começou.

Apolo colou a corda do arco a bochecha, esticando o máximo que conseguiu e atirando em seguida.

O loiro sabia que tinha acertado, mas estava em dúvida se havia sido em Kalias, ou no cavalo.

O assassino abaixou o arco, e ajeitou a alça da aljava nas costas, encarando Alasca de um jeito sério, e reprovador. A bruxa se encolheu de vergonha, e cruzou as mãos.

--- Quer explicar, ou terei que adivinhar? --- Apolo levantou uma sobrancelha.

--- Explicar o quê, exatamente? --- A bruxa franziu as sobrancelhas, fingindo estar confusa.

Apolo estreitou os olhos azuis.

--- O motivo de você não ter apunhalado ele com... --- O loiro passou o braço em volta da cintura dela, puxando a adaga do cinto --- Isso aqui. --- Ele balançou-a pelo cabo.

--- Nem me lembrei dessa adaga, eu devia mesmo tê-lo apunhalado com isso, assim como você podia ter enfiando uma flecha na cabeça dele, não podia? --- Ela cruzou os braços.

--- Sim, se não houvesse o risco de acertar você, princesa. --- Ele prendeu o arco na aljava em suas costas --- Preciso de você viva, e esse não foi nosso último encontro com Kalias.

Apolo deixou a adaga sobre os braços da bruxa e começou o caminho de volta. Alasca guardou a lâmina no cinto outra vez e correu para acompanhar o loiro.


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