Capítulo Dezoito: Um Esclarecimento Sobre o Passado.
Apolo descia uma rua estreita sob um sol quente, as mangas da blusa branca puxadas até os cotovelos, não estava com sua espada, chamaria muito atenção, mas tinha uma adaga em cada bota por precaução.
Antes que o loiro chegasse a esquina uma brisa suave o fez parar, Apolo sentiu uma súbita alegria dormente, que confundiu seus sentidos.
Então sentiu o cheiro de vento e gelo. Cheiro de magia, entrando em seu corpo e o obrigando a dar meia volta e entrar num beco.
Observando o loiro voltar pela rua, estava Ice, na esquina, os olhos brancos brilhando sutilmente, e uma névoa serpenteando entre os dedos.
A bruxa seguiu Apolo.
Octávia andava de um lado para o outro do quarto, com as sobrancelhas franzidas e os lábios apertados numa linha fina.
--- Octávia, cavalos costumam mostrar os dentes quando você tenta dar banho neles? --- Levi perguntou, fechando a porta após entrar no quarto.
--- Você viu o Apolo? --- Ela questionou, parando de andar, e ignorando a pergunta do andarilho.
--- Ele ainda não voltou? --- Octávia negou, se aproximando da janela e puxando a cortina, a tarde estava chegando ao fim --- Bem, talvez a notícia já tenha chegado a ele.
--- Qual notícia? --- A loira se virou nos calcanhares.
--- A princesa Síria, de Taber, se casou essa manhã, ao nascer do sol. --- Levi contou, puxando uma cadeira para se sentar --- E pensar que ela queria fugir conosco.
--- E ela teria, se Apolo não fosse tão teimoso! Ainda não acredito que ele deixou a mulher de quem gostava para trás só por ela ser uma princesa. --- A loira se sentou na cama de cabeceira baixa, irritada.
--- Cada qual com seus ideais.--- Ele deu de ombros --- Mas, disse que não o viu desde que saiu de manhã?
--- Ele não veio almoçar, pensei que estivesse tentando descobrir informações, mas estou estranhando essa demora. Alguma coisa séria pode ter acontecido.
--- Acha que Kalias pode tê-lo encontrado? --- Levi perguntou, receoso.
--- Eu espero que não, mas acho melhor irmos procura-lo. --- Octávia levantou-se, buscando a espada que ganhara de Merlin --- Vá pegar sua espada, vou levar meu arco também.
--- Certo, sabe mesmo manusear uma espada? --- O andarilho levantou as sobrancelhas.
--- Ficaria surpreso ao ver o quanto.
Levi deixou o quarto para buscar sua espada. Octávia prendeu os cabelos num rabo de cavalo, então pois o cinto de couro em volta da cintura e prendeu a aljava e a espada nele.
A loira olhou para seu manto sobre a cama, aquele que a acompanhava a anos.
Octávia hesitou em usá-lo, poderia ser reconhecida, então o dobrou e guardou, pegando seu arco antes de ir a encontro de Levi na recepção.
O andarilho usava sua capa nova, de um preto escuro com capuz, que Apolo havia lhe dado para compensar a que foi transformada em ataduras. A espada de cavaleiro estava presa a cintura, e a dupla logo deixou a hospedaria em direção as ruas.
Eles não estavam muito longe quando Levi parou, os olhos saindo de foco, uma repentina expressão serena no rosto.
--- Levi? --- Octávia chamou, segurado o braço do andarilho --- Levi, o que houve?
Ele não respondeu, mas ela sentiu no ar um cheiro novo. Como se a brisa fresca de uma manhã, soprasse sobre blocos de gelo.
Era magia, a loira sabia, mas não conseguiu resistir a ela e seu corpo não respondia aos seus comandos, quando Octávia e Levi se deixaram-se levar rua abaixo.
Octávia só se deu conta do que estava acontecendo quando chegaram a um casebre de madeira, em algum lugar no fim da vila.
A porta foi aberta e Alasca, com os olhos azuis penetrantes tomou-lhes as armas antes de deixá-los entrar.
Ice estava sentada num canto, sobre o assoalho escuro, com as pernas cruzadas, as janelas fechadas com pedaços de tábua, e um Apolo adormecido num monte de feno, uma mesa de madeira e três cadeiras bambas eram as únicas mobílias.
Octávia tentou resistir a magia, estava vindo de Ice, sentiu a força da bruxa a puxando, prendendo. Então ela se concentrou, e sentiu um solavanco em sua mente.
Ela sentiu suas lâminas mentais cortarem as cordas do controle em que Ice a prendera, e no segundo seguinte, estava no controle de seu corpo outra vez.
--- Estavam com saudades? --- A loira questionou, num tom bem humorado.
Enquanto Ice abria os olhos e ficava de pé, Octávia procurou suas armas com os olhos, todas longe demais para que ela conseguisse um ataque surpresa.
Apolo estava desacordado, bem, aparentemente, e Levi, abestalhado como estava não seria mais útil que um rato.
Ela viu nos olhos das gêmeas o quão séria era a situação. E elas eram bruxas poderosas, mas não sabiam que Octávia também era uma, embora não conseguisse fazer tanto quanto elas.
--- Você é a Assassina do Manto, não é? --- Foi a pergunta de Alasca.
Octávia ficou imóvel, assim como o Levi enfeitiçado ao seu lado.
Sim, ela era a Assassina do Manto, e graças aos céus que esse manto não estava jogado em seus ombros, mesmo ela sendo capaz de sentir o peso dele.
--- Sou. Por que? --- Octávia lançou um rápido olhar a Apolo, e voltou aos olhos frios e brancos de Ice.
--- Nossa mãe foi morta pela Assassina do Manto há cinco anos! --- A gêmea de olhos brancos puxou uma adaga do cinto na cintura --- E chegou a hora de você pagar pelo que fez!
Com um estalar de dedos, Ice fez Apolo abrir os olhos e ficar de pé, o loiro parou ao lado dela, os olhos enevoados.
--- Você precisa sofrer com a morte de alguém que ama antes. Sofrer como sofremos. --- Ela estalou os dedos outra vez, então Levi andou e ficou ao outro lado dela --- Qual deles? --- Ice perguntou, fria como um bloco de gelo.
Octávia escondeu a surpresa pela pergunta, então segurou o pulso da bruxa, guiando a adaga dela para seu próprio pescoço, não havia medo em seu rosto.
Ela não escolheria, não se pudesse morrer para que eles vivessem.
--- Que cena comovente vinda de você. --- A gêmea de olhos brancos apertou o cabo da adaga, a forçando sutilmente na garganta de Octávia --- Amarre-os.
Alasca amarrou as mãos e os pés de Levi e de Apolo, deixando-os sentados sob o assoalho. Octávia respirou fundo.
Estava em uma posição complicada, e nem ao menos sabia sobre quem, exatamente, as gêmeas falavam, mas decidiu enrolar. Era sua única opção.
--- Eu posso explicar...
--- Então explique! --- Alasca exclamou, os olhos marejados e irados --- Que bela história tem a contar sobre como matou nossa mãe?
--- Eu não sabia que era a vossa mãe, e como disse antes, já se fazem muitos anos desde que isso aconteceu, de que fui a Gless, sinto muito mesmo. --- Octávia encarou a bruxa nos olhos --- Sou uma pessoa diferente agora, acredite nisso, e estou tentando pagar por meus crimes a muito cometidos, achei uma chance de me redimir pelas atitudes erradas de outrora, não imagino o quão difícil deve ter sido para vocês, mas me matar agora, ou matar aos meus amigos, não mudará nada, e nem trará sua mãe de volta.
--- Mas a vingaria. --- Ice rebateu.
A adaga foi forçada mais um pouco, e Octávia estremeceu com o contato da lâmina fria.
Mas os olhos de Levi e Apolo voltaram ao normal, tão logo Ice havia se distraído, e os dois interrogaram a situação com os olhos, não ousaram falar.
--- Acha que ela aprovaria isso? --- A loira levantou uma sobrancelha, o mais calma que conseguiu --- Vingança.
As gêmeas trocaram olhares incertos.
Não, a resposta era a não, a mãe delas nunca aprovaria uma vingança, ou uma atitude de violência. Ela era boa, e queria que suas filhas também fossem.
--- Ela não aprovaria. --- Alasca respondeu, em voz baixa, silêncio e então, uma pergunta --- Pode ao menos contar quem lhe mandou assassina-la?
--- Bem... --- A loira franziu os lábios, a adaga deixou sua garganta e ela continuou, após respirar fundo --- Você não me disse que sua mãe era, disse?
Ice mordeu a bochecha internamente, apertando o cabo da adaga, e Alasca puxou uma cadeira bamba para se sentar, antes de responder.
--- Ela era a rainha de Gless.
Levi engasgou com a própria saliva, e Apolo achou não ter ouvido corretamente, o loiro olhou das gêmeas para Octávia e esperou que ela explicasse.
--- Eu não sabia que ela era a rainha. --- Foi como a loira começou, franzindo as sobrancelhas --- Me contratam para matar uma mulher, não recebi muitos detalhes, ela estaria passando por uma estrada, e eu...
Octávia olhou as gêmeas por um tempo, vendo que Alasca tinha os olhos marejados, e os olhos brancos de Ice tinha uma dor e uma raiva contidos, mas elas permaneceram em silêncio.
--- Eu usei uma flecha de sangue. --- A loira revelou.
Que merda, pensou Apolo, franzindo as sobrancelhas.
Levi havia levantado tanto as sobrancelhas que Apolo achou que elas fariam parte do cabelo dele daquele momento em diante.
--- Salvamos seu amigo do veneno de uma flecha, sendo da mesma com a qual você matou nossa mãe. --- Ice estreitou os olhos --- Que belo arranjo do destino, não é?
--- O destino tem dessas. --- Octávia pensou bem antes de continuar --- Foi um homem quem me contratou, e foi ele quem me entregou a flecha. Sinto pela vossa mãe, princesas.
Alasca endireitou a postura ao ser chamada assim, fazia algum tempo desde a última vez em que fora chamada pelo seu título real. Não que sentisse falta.
--- Se lembra de como era esse homem? --- Ice perguntou, finalmente deixando a adaga sobre a mesa e cruzando os braços.
--- Não lembro muito bem, meia idade, alto e magro, cabelos castanhos e... --- Octávia forçou a mente a lembrar --- Um nariz curvado. Eu vejo muita gente, o tempo todo, não me lembro de mais nada.
--- Essas características... --- Ice apertou os lábios.
--- Acha que pode ser o chanceler? --- Alasca se levantou, tão bruscamente que a cadeira caiu para trás --- Sabes que ele é bastante manipulador!
--- Não duvido que ele o faria. --- A gêmea de olhos brancos disse.
Silêncio.
--- Pergunta: por que as duas princesas de Gless estão por aí como andarilhas? --- Apolo perguntou --- Ao menos eu gostaria de saber.
--- Eu adoraria ouvir a história de vocês! --- Levi sorriu, escondendo o receio --- Principalmente se isso significar ficar vivo por mais um tempo.
Ice agarrou a adaga sobre a mesa, o ex cavaleiro arregalou os olhos, mas ela simplesmente se curvou e cortou as cordas que prendiam as mãos e os pés dele e de Apolo.
--- Para começar somos bruxas. Treinamos durante anos em nosso reino, porém, nossas habilidades nem sempre estão sob controle. --- Uma pausa seguida de um suspiro --- Nosso chanceler, que suspeito ser o verdadeiro culpado pela morte da nossa mãe, convenceu o rei, nosso pai, de que éramos perigosas.
--- Eles iam nos queimar. Vivas. --- Alasca completou.
Apolo, que massageava os pulsos, sentiu pena delas, sofrer tal traição do próprio pai devia ter sido um grande golpe, a realidade daqueles que tinha natureza mágica nunca fora fácil, nem seria. Não em Jeter.
Levi franziu as sobrancelhas, penalizado e surpreso.
Um mês atrás ele não conhecia ninguém que tivesse habilidades mágicas, e agora, seu melhor amigo era um feiticeiro, a moça com quem ele viajava era uma bruxa, e para completar, estava diante de gêmeas bruxas e princesas.
--- A vida de uma bruxa não é fácil. --- Octávia sorriu, triste --- Somos irmãs na magia, ao que parece.
--- É uma bruxa? --- Alasca se assustou.
--- Em todos os sentidos.
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