Capítulo Cinco: A História de Cada Um.
Após amarrar os cabelos cacheados num firme rabo de cavalo, Madame Boss bateu na porta do quarto ao fim do corredor. Quase imediatamente, Apolo foi atendê-la.
--- Octávia já está no quinto sono. --- Avisou o loiro.
A morena riu, entrando no quarto e acordando Levi antes de Apolo continuar:
--- Como vamos sair daqui?
--- Tenho um túnel de emergência para situações como essa. --- Respondeu a morena.
Após dar uma chacoalhada no corpo adormecido de Octávia, Madame Boss se virou para os dois homens e contou seu plano.
--- Apolo vai sair pelo portão de Quirina, com o cavalo de Levi e um dos meus, Octávia e o andarilho partem pelo túnel que tenho embaixo da taverna.
--- O túnel fede, já passei por ele... --- Resmumgou a assassina, ficando de pé e coçando os olhos --- Apolo não consegue ficar longe de mim, e o cavalo de Levi tem impulsos assassinos.
--- Não ligo de ir com o cavalo. --- Apolo pegou a bolsa e passou a alça pelo pescoço, deixando a tira de couro atravessada no peito --- Invento uma desculpa para o segundo cavalo.
--- Traidor. --- Octávia estreitou os olhos para Apolo, Levi pegou sua capa e a espada --- Bem, ao túnel então.
Apolo foi acompanhando por Edmund até o pátio dos fundos da taverna, havia um estábulo, e lá, com muito esforço, Apolo convenceu Trovão a sair da baia, deixando a taverna em direção a muralha que cercava Quirina.
Octávia, com a capa azul sobre os ombros, a aljava na cintura e o arco na mão, descia um lance de escadas junto com Madame Boss e Levi de Berg, em direção ao porão.
A tocha acesa que a Madame levava iluminava parcialmente a descida escura.
--- Espero que Trovão não tenha matado Apolo. --- Levi desejou, pálido, a mão firme no cabo da espada.
--- Seria uma briga interessante. --- Octávia sorriu, jogando a trança longa por cima do ombro --- Mas aposto no seu cavalo.
--- Deviam estar preocupados em sair de Tíbia completamente. --- Ralhou Madame Boss, ao fim da escada --- E é melhor não mexer nessa alavanca, Levi.
O ex cavaleiro se afastou da parede depressa, teias de aranha cobrindo os cantos de uma alavanca de madeira, simplis, presa a parede de pedras cinzentas e desbotadas.
--- O quê ela faz? --- Perguntou, franzindo as sobrancelhas.
--- Nada que lhe interesse. --- Madame Boss apoiou a mão no quadril, o fogo crepitante queimava a ponta da tocha --- Apolo deve estar prestes a sair da cidade, por sorte o castelo está bem animado essa noite.
--- Queria saber o que a rainha de Darot quer com o rei. Seria uma proposta de aliança através de um casamento... --- Octávia comentou.
--- Não, a rainha o ameaçou, e a Princesa Chanel já está noiva. --- A morena encarou o fogo da tocha.
A maior parte das alianças feitas entre os reinos de Jeter, eram feitas a partir de um casamento. Um costume passado através dos séculos naquele continente.
--- Bem, as notícias correm, então se...
--- Já falei para não mexer nisso, garoto! --- Madame Boss gritou para Levi, que esticava a mão em direção a alavanca.
--- Eu sei! Mas não devia ter dito nada, agora eu quero muito saber o que ela faz... --- Levi encarou a alavanca de madeira, e então a dona da taverna.
--- Se tocar naquela alavanca vai perder a língua e os dedos, e até seus olhos. Entendeu?
--- Ainda bem que só preciso do meu coração para viver... --- Levi esticou a mão até a alavanca.
Uma faca foi arremessada na direção do ex cavaleiro e ficou cravada na parede, ao lado da cabeça de Levi, que arregalou os olhos castanhos.
--- Do coração eu mesma cuido. --- Octávia sorriu, indo buscar a faca --- Vamos logo com isso, quero sair desse porão. Sua curiosidade é um perigo.
Madame Boss riu com deboche, inclinando a tocha sobre a parede adiante, e iluminando um túnel circular, completamente escuro.
--- Sigam em frente, virem a direita na primeira birfucação e vão encontrar Apolo e o cavalo no fim do túnel, já na estrada. --- Ela acendeu uma das tochas presas na parede e a entregou para Octávia --- Cuidado ao entrar em outro reino.
--- Estou te devendo uma, Madame Boss! --- A loira piscou, escorregando depressa para dentro da passagem.
--- Está me devendo três, Octávia. --- Madame Boss corrigiu, sarcástica.
Estrada Norte...
--- Seu cavalo deveria ver um padre.
Disse Apolo a Levi, quando se encontraram na estrada de terra vermelha, o sol já havia nascido detrás das montanhas de calcário, e estava quente.
O ex cavaleiro franziu as sobrancelhas ao receber as rédias.
--- Há um demônio nesse cavalo, ele me derrubou duas vezes. --- O loiro franziu as sobrancelhas, irritado --- Só ficou quieto até passarmos dos portões, depois disso ficou encapetado.
--- Você ficará surpreso, mas nem todo mundo te suporta, Apolo, eu sou exceção. --- Octávia sorriu --- Nem o cavalo gostou de você.
Num único impulso, a loira montou na égua branca, Líria, cedida por Madame Boss, Levi acabava de montar em Trovão e Apolo fora obrigado a ir de garupa com Octávia.
--- Já que não vamos a Brunis... --- Octávia olhou Apolo por cima do ombro --- Levi poderia nos acompanhar até Taber.
--- Eu? --- Levi franziu as sobrancelhas.
Apolo olhava incrédulo para Octávia. Ela, eles mal conheciam o ex cavaleiro! Pedir para ele viajar ao lado da dupla era loucura, não se deve confiar em estranhos, todos sabem disso. Antes que o loiro retrucasse, Octávia continuou.
--- Tem um lugar melhor para ir? --- Ela levantou as sobrancelhas, Trovão bateu as patas --- Sua opinião não conta, cavalo. --- Disparou.
--- Acho que Taber é um bom reino, mas... ele fica a Oeste, uma semana a cavalo. --- Ponderou.
--- Existem outros vilarejos e reinos pelo caminho, faremos diversas paradas! --- Octávia puxou as rédias da égua, a fazendo andar --- Não se preocupe.
--- Se me permiti dizer... --- Começou Apolo, mas se calou quando a égua disparou pela estrada.
A poeira vermelha subiu depressa, Levi de Berg encarou a dupla se afastar, pensativo. Trovão relinchou, batendo a pata no chão vermelho, protestando, pois já sabia o que seu dono faria. E Levi fez Trovão correr atrás de Octávia e Apolo.
Nos três dias seguintes o trio avançou em direção ao oeste, não que Trovão tenha facilitado a viagem, Líria, por outro lado, era uma égua dócil.
Na noite do quarto dia, em que acamparam numa clareira próxima a floresta que cercava Taber e sua Cidade-Capital, enquanto Octávia dormia, Apolo e Levi faziam guarda.
Trovão e Líria também dormiam, e o silêncio da noite não incomodava os homens ao redor da fogueira pequena.
--- Ela tem um sono de pedra. --- Comentou Levi, olhando para Octávia adormecida na grama.
--- Você não viu nada. --- Apolo garantiu, revirando os olhos azuis --- Octávia passou por muita coisa, e fez também. Ela quer algo melhor agora. --- Ele disse, cutucando o fogo com um graveto.
--- Não é só ela, todos buscamos por algo melhor. --- Levi deitou na grama --- Por que uma assassina de aluguel desistiria de uma vida de crimes bem sucedidos?
Após tantos dias viajando juntos, Levi já sabia um pouco da história deles, e eles sabiam um pouco da sua também. Octávia havia contado a ele que deixara de ser uma assassina remunerada.
Apolo ficou em silêncio por um tempo, refletindo, quando finalmente começou a falar, sua voz tinha um tom estranho.
--- Contrataram ela para um serviço em Estelin, na última quinzena, eu estava em Aster, tive alguns... problemas por lá. A pagaram para assassinar uma família de contrabandistas, um trabalho fácil para ela, de rotina, mas...
A voz de Apolo sumiu, e Levi se sentou outra vez, lançando um olhar rápido a Octávia adormecida, e então para o loiro outra vez.
--- Mas? --- Repetiu o andarilho.
Os olhos sérios de Apolo estavam fixos no fogo quando ele continuou.
--- Não eram contrabandistas. Era uma das famílias que faziam parte da corte do Rei Tseu. Há rebeldes em Estelin que querem a queda da Casa Linit, e a noiva do Príncipe Cesar fazia parte dessa família. --- Ele fez uma pausa, Levi prestava máxima atenção no loiro --- Resumidamente era o início de um golpe para derrubar o rei, não sei todos os detalhes, mas era um plano bem inteligente.
Uma brisa fria passou rápida por eles, os sons dos insetos na floresta parecendo mais altos, e o fogo crepitante era o único alheio a conversa.
--- Bem... --- Começou Levi, quando Apolo não continuou --- E o que a Octávia fez?
--- Ela só descobriu depois que a família estava morta, matou quem encontrou acordado e depois queimou a casa, mas não ela sabia, sei que não sabia e posso jurar isso! --- O loiro encarou Levi, como se o ex cavaleiro duvidasse de suas palavras --- Haviam crianças na casa, dormindo.
Levi abriu a boca, surpreso e chocado como a própria Octávia devia ter ficado quando soube a verdade. Crianças queimadas enquanto dormiam, num golpe sujo para derrubar a monarquia de um reino amaldiçoado.
--- Ela escutou os apelos dos vizinhos pelas crianças, a ficha caiu, e quando foi receber a segunda metade do pagamento, obrigou os rebeldes a falarem a verdade. Octávia matou os líderes dos rebeldes e... --- Apolo franziu as sobrancelhas e apertou os lábios, no segundo seguinte continuou --- Quando ela saiu de Estelin, não era a Octávia que eu conhecia.
Levi ficou em silêncio, agora observando o fogo e ouvindo a respiração calma de Octávia, não muito distante dele.
--- Ela estava quebrada quando a encontrei, eu tinha fugido de Aster e ia encontra-la em Estelin para decidir o próximo passo, a encontrei na fronteira, nos cânions de sangue. --- O loiro contou, voltando a mexer no fogo --- Ela queria desistir de tudo, até de viver, Octávia prometeu a si mesma que nunca mataria crianças ou inocentes, e ela tinha feito isso.
Uma coruja piou longe, e Trovão se mexeu, farfalhando as folhas secas das árvores que haviam caído graças ao vento.
--- Depois que ela me contou o que tinha acontecido, eu disse a ela que não a deixaria desistir. Ela precisava, precisa, de perdão, ela precisa se perdoar, e se eu não pudesse ajuda-la com isso, ao menos iria garantir que ela conseguisse. --- O loiro cutucou o fogo, fazendo as fagulhas se espalharem --- Por isso não posso deixar ela morrer. Octávia ainda não se perdoou, e eu não vou deixa-la morrer sem perdão.
--- Isso...é bem nobre da sua parte. --- Levi conseguiu dizer, com um aperto na garganta.
--- Sabe, somos todos protagonistas de nossas próprias histórias, por mais erradas que elas sejam, são nossas. Nossos erros e acertos, nossa redenção, minha história está ligada a dela, e a sua parece ligada à nossa, agora. --- Apolo encarou Levi.
--- Eu busco uma coisa também. --- Confessou o andarilho --- Todos os caminhos se unem no final.
--- A história de cada um é a história de todos. --- O loiro sorriu.
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