
06 | " Pelo menos de alguém."
Jane
Scott Green, era de longe o rapaz mais bonito e o mais cobiçado de toda a Creekside. Dono dos olhos mel mais convidativos e cativantes, seu sorriso tímido, raramente esboçado, era simétrico e estonteante. Sua pele bronzeada e seus cabelos pretos e esvoaçados lhe designavam o título de galã.
Havia alguém mais atraente?
Scott era filho de Morgan e Candice, donos de um pequeno restaurante que atendia os poucos trabalhadores da nossa cidade. Sua mãe era dócil e simpática, sempre me recebia com calorosos beijos e tortas. Seu pai já era mais reservado, não emanava tanto calor com recepções. Morgan era conhecido por seu talento com esportes. Durante a adolescência, foi um dos melhores jogadores da Universidade de Chicago dos anos 80. Mas segundo sua esposa, esporte é algo que corre nas veias da família Green.
Scott é o melhor jogador de beisebol da nossa escola e também a minha paixão desde a quarta série. Lembro-me de quando o conheci, deveríamos ter uns dez anos, ele vestia um moletom azul céu, que foi o motivo do nosso primeiro diálogo.
Scott se mudou para Creekside com sua família, neste período. Recordo-me dos boatos sobre sua mãe ter entrado em depressão após seu restaurante falir, e Morgan decidir sair de Chicago para tentar reanima-la.
Scott e eu só mantivemos o vínculo até o início do ensino médio. Já que, ele logo se enturmou com o grupo de Jena.
No início transparecia timidez, mas após conquistar sua popularidade, nas festas da cidade, ele costumava beijar umas cinco garotas. Julie e Lola foram uma delas.
Ele arrancava suspiros e atenção quando chegava nos lugares com sua moto Custom reluzente e sua tradicional jaqueta de couro.
Na época em que Julie o beijou, há uns dois anos na festa das 500 milhas, ficamos sem nos falar. Porém, ela se desculpou tanto, que eu a perdoei. Mas, ela teve que pagar torta de chocolate, no intervalo do colégio, durante um ano para mim.
Scott Green não estava para Jane Mellark, mas não era válido meus esforços, ele continuava sendo minha paixão. Não apenas minha, mas também Valery Hill, uma patricinha que faz parte da lista de bajulações de Jena. Mas não magoava tanto, eu sabia que nunca teria chances com Scott, minha irmã caçula já havia reafirmado isso para mim várias vezes.
Este pensamento havia feito com que eu me comportasse melhor perto dele, sem suar frio ou gaguejar. E a prova disso é que ele está sentado ao meu lado em um sofá e eu estou com os batimentos cardíacos normais.
Scott vestia uma t-shirt preta do Linkin Park e exalava um aroma de menta. Ele parecia envolvido em uma conversa com Noah, cuja não prestava atenção. Já que examinar a cara do filho de Morgan e sua barba falhada era mais encantador que tudo.
Nós estávamos sentados na sala de Julie, ela havia nos convidado para comer pizza de última hora. Estávamos aguardando a mesma enquanto Jena tagarelava sobre seus seguidores no Twitter.
Julie e ele haviam se tornando bastante amigos após o beijo. Scott sempre aparecia nos nossos encontros e eu nunca passava de um: "E aí?"
– Querem refrigerante? – Ofereceu Julie da cozinha, que não era tão distante.
– Eu quero! – Disse Cooper em uníssono com Scott.
– Eu não quero, Lola disse que faz muito mal e dá estrias. – Minha irmã balbuciou.
Contive o desejo de rolar os olhos. Porém, Julie fez isso por mim.
– Noah e Jane não querem?! – Segurou a garrafa de Coca por baixo de seus braços.
Eu neguei e meu primo também. Julie assentiu e distribuiu copos descartáveis para Scott e Cooper e em seguida os encheu. Após o servi-los, colocou a garrafa sobre a mesa.
– Não tem cerveja? – Pergunta Noah.
– Meus pais estão em casa e você sabe... não temos vinte e um. – Responde Julie.
– Ah, como pude esquecer! Vocês não sabem quem está de volta para passar uns tempos em Creekside?! – Jena bateu palmas com excitação.
Cooper praguejou internamente, enquanto Noah olhava atento para a situação.
– Liam? – Arriscou Scott.
– Não! Harry Wilberforce, nosso querido e milionário primo. – Respondeu.
– O Harry?! Que Harry? Aquele que te enforcou no lago? –Perguntou Scott direcionado a Cooper.
– Esse mesmo! – Cooper desdenhou.
Jena sorriu satisfeita.
– Não cheguei a conhecê-lo, mas espero que tenha mudado. – O filho de Morgan prosseguiu no assunto.
Cooper rolou os olhos e se intrometeu:
– Continua a mesma porcaria! Violento e arrogante. –
Jena bufou com aquela interrupção. Scott se espantou.
– Não liga para ele, Scott. Cooper não controla a inveja! – Lançou um olhar desafiador para o irmão de Connor.
Cooper se ajeitou na cadeira, insinuando por linguagem corporal que continuaria aquela discussão. Porém, eu interrompo:
– Por favor, não estamos em casa! Sem
brigas. – Disse firme.
– Não sabia que o Harry estava em casa. – Julie alegou.
– Ele chegou hoje cedo. – Digo.
– Por que não o trouxeram? – Questionou confusa.
– Digamos que ele não é tão aberto...– Disse Noah.
– Quase não me lembro dele, eu era bem pequena! – Diz minha melhor amiga.
Dou de ombros.
Eu não queria falar sobre Harry Wilberforce e toda o sua reputação. Isto não me dizia nada, e sim o "incidente" na cozinha. A xícara quebrada e o olhar furioso em minha direção, eram sinais de uma pessoa um pouco desequilibrada.
Julie assentiu com uma expressão de clareza.
– Achei injusto... – Jena começou a bajulação.
– Jena, chega! – Noah a repreendeu.
O silêncio de instalou após a repreensão do louro.
E eu me permiti constatar o quanto a sala dos Clarkson era decorada como uma sala da Califórnia. Sofás brancos, móveis claros, traziam leveza ao ambiente. Julie não gostava da decoração, por ela, seria tudo revestido de madeira e com certeza haveria uma prancha pendurada na parede. É, diferente dela, eu gostava da casa dos Clarkson.
– E aí, ansiosos para a festa da colheita? – Perguntou Noah entusiasmado, desejando romper o clima que havia se instalado.
– Com certeza, quero ir em Indiana comprar roupas novas! – Jena exclamou.
– Todo mundo já te conhece, Jena, não sei para que a inovação. – Cooper provoca.
Scott ri.
– Me poupe de seu veneno, Cooper. Só porque May não quis beija-lo ano passado. – Minha irmã desdenha.
Cooper bufa sem ter como revidar.
May Watson havia dado o famoso "pé na bunda" em Cooper. Eles até trocavam mensagens carinhosas e ele não acreditava que estava alguém como May, estaria afim dele.
Ela era loira , alta e esguia. Tinha olhos verdes e era extremamente rica. May Watson era divertida e brincalhona, não era uma companhia irritante. Portanto, para sua infelicidade, ela não quis beija-lo na festa da Colheita , mesmo ele segurando sua bolsa e lhe dando vários algodões doce. Ela optou por Liam.
– Eu estou muito animada! Meus pais já até compraram os ingredientes para as pizzas. – Julie sorriu eufórica.
– Eu e a avó Leslie vamos fazer canja! – Avisei.
– Mamãe quer fazer tacos. Sabe, vamos começar vender no restaurante, então, será como uma prévia. – Disse Scott.
– Feito por Candice Green, deve ser o melhor taco da América! – Noah elogiou.
– Pode crer! – Disse Scott.
– A pizza chegou! – A Senhora Clarkson gritou do andar de baixo, interrompendo nossa conversa.
Nos entreolharmos sentindo um misto de animação e Julie levantou saindo pela porta para buscar a pizza. Noah e eu distribuímos os pratos e copos para os que restaram. Pegamos os nossos e nos sentamos à espera de Julie.
Enquanto todos comiam na sala, eu me desloquei até a sacada discretamente para observar o vazio e o silêncio de Creekside às 22h30min. Segurei um lado de meu casaco e de um discreto bolso tirei meu caderno o colocando na respectiva página de hoje. Li um bocado minhas anotações de ontem, que eram a cerca de minha nova e fantástica professora de literatura. Havia também um desenho da Amora dormindo no gramado e um relato sobre meu distante primo que viria.
Todas as noites eu ia até o telhado do casarão escrever no meu caderno de capa marrom que ganhei com doze anos de meu pai, para que eu expressasse meus dilemas de toda a adolescência. Sam disse que era minha missão escrever o meu coração ali para que no futuro eu percebesse quanto eu percorri e como caminho havia me fortalecido. Mas após sua morte, o caderno era como uma forma "indireta" de conversar com ele, talvez, de atualizá-lo sobre minha vida.
"Era como um diário, mas não era um diário."
Assim nós costumávamos defini-lo.
A brisa da noturna bateu contra meu rosto, causando calafrios indesejáveis mas pacíficos.
Sentia falta de meu pai nesses momentos, de quando parávamos para olhar as estrelas no alto das colinas e ele dizia que se em algum momento da vida eu me sentisse morta, era para que eu me lembrasse delas, que mesmo havendo morrido o seu brilho estava ali durante séculos. E que eu jamais deveria me esquecer do meu.
Este era um motivo no qual eu não queria deixar de vir a Creekside, por mais que eu fosse para a faculdade e me mudasse algum dia. Tudo isto aqui era a minha infância, o meu pai, os meus verões. Tudo isto fazia parte de mim. E eu sempre escrevia como eu me sentia naquelas folhas de um dólar.
Sam dizia que desabafar nas linhas era o melhor remédio. E nesses últimos dois anos, o espaço vago das páginas sempre era relacionado a ele. Sei que não se orgulharia disso, meu pai não queria me ver sofrer ou focar em apenas em um problema. Segundo ele, a vida era uma pizza e não uma fatia só. Mas sem Sam Mellark, tudo parecia um pouco mais triste.
Fechei os olhos para sentir a noite e o aconchego de suas lembranças, abraçando o meu caderno quando uma mão pousou de leve sobre o meu ombro, fazendo-me virar para a origem.
– Scott? – Surpreendo-me, escondendo o caderno em meu casaco.
– O que está fazendo, Jane? – Perguntou confuso.
Sorri envergonhada:
– Vendo as estrelas! E você, o que veio fazer aqui enquanto todos comem pizza? – Questiono.
– Fumar. – Retira de seu bolso um maço de cigarro, retirando um e o colocando entre seus dentes enquanto o acende.
Eu desvio o olhar.
– Fumar enquanto todos comem pizza? –
– Estranho, você também parou para ver as estrelas enquanto os outros comem toda a pizza?– Perguntou com um sorriso.
– É tipo isso. – Respondo sem graça.
– Estranho. – Simplesmente disse expirando a fumaça.
– É fruto de uma natureza melancólica. – Tentei me justificar.
Ele encara o nada e desloca seu olhar para mim:
– Como? – Sorriu de forma tímida.
Senti minhas bochechas queimarem:
– Melancolia. Tenho de sobra. –
– E? – Me incentiva a prosseguir.
– Eu vivo tudo com muita intensidade e costumo sonhar acordada com lembranças. – Respondo sorrindo.
– E isto faz bem? – Questiona.
– Não sei, sempre fui assim! –
Ele deposita novamente sua mão sobre meu ombro e faz movimentos sutis e carinhosos, como um amigo, porém faz meu estômago revirar.
– Eu não sei porque, mas eu imaginava isso –Ele encara a lua.
– Mas nunca lhe disse isso, quase não tínhamos intimidade! – Arqueei a sobrancelha.
Meu coração palpitava forte e rápido.
– Isso é notório! Você parece ser muito intensa , seus olhos dizem isso. Não sei, você me pareceu diferente.– Direcionou seu olhar novamente para mim.
Sorri envergonhada.
– Não sei se isso é bom. – Admiti.
Ele riu e alisou meus cabelos.
– Você pode descobrir! –
🌙
O caminho até o casarão foi tranquilo. Jena, Cooper e Noah conversavam sobre qualquer assunto respectivo do colégio enquanto meus pensamentos eram apenas sobre Scott Green e o quanto aquela nossa conversa me deixou risonha.
Sei que foi apenas um curto diálogo, mas que para mim, fez toda a diferença. Com certeza eu escreveria em meu caderno.
A rua estava deserta e quase não visível. Era uma noite fria. A lua cheia tomava o céu para si, enquanto os ventos dançavam entre as árvores.
– Terra chamando Jane! – Cooper estalou os dedos em frente a meus olhos.
– Perdão? – Digo.
– Vai na social de Valery Hill? – Jena pergunta.
Me entreolho um pouco.
Não gostava muito das festas da Dawson, da Hill ou de qualquer outro. Nós não éramos compatíveis. Elas sempre tão artificies e superficiais, éramos tão diferentes quanto água é do fogo.
– Eu não sei! – Respondo por fim.
– Como não sabe, Jane?! É a Hill, aquela gostosa! – Cooper suspira.
– Jane tem espírito de velho! Nem adianta. – Jena alega.
Não dou a mínima para os seus comentários, meus pensamentos se voltam para o menino do sorriso tímido e olhos cativantes que alisou meus cabelos na sacada.
– Por que está tão distraída? – Questiona Noah.
– Jane e Scott estavam conversando na sacada. Deve ser por isso ela está distraída! – Cooper expõe e gargalha.
Lanço-lhe um olhar reprovador, enquanto Jena gargalha e responde:
– Você ainda é afim dele? – Noah pergunta claramente irritado.
– É claro que é! Ela adora essa ilusão de ser a futura Senhora Green. – Desdenha Cooper.
– Ela não faz o tipo dele. Ela é muito certinha e sem graça! – Minha irmã afirma.
Sinto uma pequena pontada no meu coração. Eu sempre finjo que não escutei os comentários críticos de Jena, mas no fundo, são sempre um degrau abaixo em minha autoestima.
– Acho que ela ficou bravinha! – Desdenhou Jena.
– É só brincadeira, Jane! – Cooper se defende.
Suspiro e ignoro os comentários aumentando os meus passos, sendo imitada por Noah. Num piscar, chego ao casarão, abro a porta com certa violência, assustando Jean que estava na cozinha:
– Que susto, Jane! O que houve? – Ela indaga notando minha feição furiosa.
Eu a ignoro e subo direto a meu quarto. Eu estava magoada. Noah me segue e no momento que vou fechar a porta, ele impede:
– Jane, acho que tem parar com essa ilusão infantil! – Disparou.
– Você me seguiu só para dizer isso? Larga de ciúmes, Noah! – Bato a porta, trancando-a.
– Não é ciúmes! – Gritou abafado do outro lado.
Eu estava cansada daquela série de opniões que eu não havia perguntado. Sempre todos jogando na minha cara o quão infantil eu estava sendo e que ele nunca olharia para mim. Os comentários críticos de Jena e as piadas nada inocentes de Cooper me magoavam constantemente. Ambos eram acostumados com as farpas trocadas entre si, mas quando se juntavam para brincar com a cara de alguém, era certo esta pessoa sair magoada.
Eu sabia de tudo aquilo, sabia que Scott tinha muitas meninas a seus pés. E aquilo me magoava.
Me deitei na cama e acabei por adormecer, não querendo pensar mais neles.
🌙
Senti algo molhado e pegajoso tocar em meu rosto, fazendo-me abrir os olhos imediatamente. Solto um riso frouxo ao notar que o "algo" que eu senti, era a língua de uma Amora alegre e sapeca. Envolvi minhas mãos ao seu redor, puxando-a mais para mim.
– Mas quem deixou você entrar, meu
docinho? – A aperto.
– Ela entrou comigo. – Mamãe diz abrindo as minhas cortinas.
Arqueio a sobrancelha.
– Como entrou? –
Ela ri e se senta ao meu lado.
– Tenho as chaves do seu quarto e do quarto de Jena. – Ela alisa meus cabelos negros.
– Isto não seria um pouco abusivo? – Beijo as costas de suas mãos.
– Só coisa de mãe. Um dia vai entender! – Beijou minha testa.
Sorrio em resposta e me sento na cama, colocando Amora sobre minha pernas.
Mamãe se levantou e eu pude perceber que vestia uma t-shit bege fresca, sinal que o tempo estava ameno. Seus longos cabelos negros estavam presos em um rabo e seu rosto tinha olheiras, transparecendo cansaço. Ela estava mais magra.
Katherine costumava ingerir remédios controlados para dormir, após a morte de papai. Ela teve depressão, hoje está bem melhor, mas ainda a acho um pouco triste. Vive sempre presa em seu quarto ou vagando pela cidade. Me parte o coração vê-la assim, mas mamãe é como Jean, gosta de enfrentar seus fantasmas sozinha.
– Como você está? – Pergunto notando sua ansiedade.
– Estou bem. – Responde, porém suas olheiras e magreza eram contraditórios.
– Você já viu o seu primo? – Perguntou.
Assenti.
– E o que achou? – Questionou interessada.
– Não tenho muito o que dizer, só que ele quebrou uma xícara com raiva. – Respondo coçando a barriga lisa de Amora.
Ela pareceu analisar meu comentário.
– Ele é doente, Jane. – Disse franzindo os lábios.
Eu me recordava de alguns boatos sobre remédios para controlar a raiva. Mas achava que eram apenas boatos, fofocas familiares.
– Tenta ser gentil com ele...– Prosseguiu.
Encarei-a confusa.
Por que mamãe estaria defendendo Harry Wilberforce?
– Não entendo... –
– Filha, eu sou a "bastarda" da família. E eles nunca me excluíram, sou muito grata por isso. Tenho completa certeza que não saberia lidar com exclusão. E não quero que o Harry sinta a mesma coisa, nem a sua avó. – Minha mãe me cortou, se justificando.
– Tudo bem, mãe. Mas porque está me falando isso? – Questionei confusa.
– Porque você é dócil, Jane! Sabe lidar com as pessoas. Cooper é ignorante, Noah é desconfiado e Jena me pediria algo em troca por esse favor. – Respondeu alisando meus cabelos desgrenhados.
– Quer que eu seja amiga dele? –
– Não precisa ser tudo isso, seja apenas gentil. Eu amo Elise e ela pediu ajuda. Ela não quer vê-lo sofrer mais! –
Suspirei confusa.
O que faria eu para agradar Harry Wilberforce?
– Posso tentar. –
Ela sorriu aliviada.
– Ótimo, filha! Cada vez mais parecida com seu pai. – Declarou orgulhosa, fazendo-me sorrir genuinamente.
Minha mãe me abraçou e saiu do quarto fechando a porta levemente e eu me levantei para despir a minha roupa de ontem, cuja não havia trocado.
Vesti uma t-shirt vermelha e calça ganga e me desloquei para o andar inferior.
Da escada já podia se escutar o alvoroço do café da manhã. Aquela energia tão contagiante da minha família.
– A panqueca é do seu tio Anthony, Jena! – Sorri com o grito de advertência da avó Leslie.
– Não é não, eu estava na fila antes! – Praguejou.
Se não contrariasse, não seria Jena Mellark.
– Era sim, Jena. Espera sua vez! – A voz de Jean se destacou.
– Mas ele não está aqui! – Insistiu minha irmã mais nova.
– Mas ele vai voltar! – Respondeu mamãe.
Adentrei na cozinha, atraindo olhares rápidos.
Jena estava sentada à mesa, no respectivo lugar de ontem, no momento da discussão. Jean estava encostada a bancada, com os braços de Mark, seu marido, ao seu redor. A avó Leslie estava próxima ao fogão fritando panquecas e mamãe estava sentada bebericando o seu café.
– Meu doce, bom dia! – Fui saudada pela minha avó.
Sorri preguiçosamente em resposta. Me desloquei até Jean, a abraçando calorosamente.
Se me perguntasse com que irmã gostaria de passar o resto da vida presa em uma ilha, de fato seria Jean. Não que a amasse mais, era só o fato dela me entender completamente, ser reservada, paciente, racional e despreocupada. Jean era um grande exemplo, eu amo tê-la por perto.
– Foi mal, Mark! – Digo por ter desfeito o abraço de ambos.
– Sem problemas! – Ele sorri.
Mark Wright era enfermeiro em Creekside como Jean. Ele era extremante inteligente, baixo e usava óculos. Diferente de todos os namorados que minha irmã mais velha havia tido.
Após cumprimentar Jean, beijo a bochecha da avó Leslie e aliso os cabelos de Jena.
– Quer ovos com bacon? – Avó Leslie oferece.
Nego com a cabeça.
– A quer sim! As minhas três filhas estão muito magrinhas, precisam comer! –
– Mãe, eu preciso estar em forma! – Jena diz obviamente.
– E eu já engordei o suficiente. – Responde Jean sorridente.
Elas discutiam, porém meus pensamentos apenas calculavam algo:
Harry não havia descido.
Por que não levar café para ele em seu quarto?
Seria um belo ato de gentileza, acho que o deixaria mais solto e confiante em nosso meio.
Então o faço. Corto uma fatia de bolo, coloco uma maçã e uma panqueca em um grande prato. Despejo o café em uma xícara e equilibro tudo para me deslocar para o andar superior.
– Vai aonde com isso, Jane? – Jean questiona.
– Vou comer lá em cima! – Respondo.
– Não quero bagunça, ouviu senhorita
Jane?! – Alertou mamãe.
– Pode deixar! – Digo subindo as escadas.
Sentia meu coração acelerar a cada degrau que eu deixava para trás. Não sabia o porque de tanto nervoso, apenas o sentia. Possuía certo receio em qualquer coisa que envolvesse Harry Wilberforce. Por mais que eu estivesse tentando ser gentil.
Ao chegar em frente a porta de seu quarto, deixo a caneca sobre um criado-mudo, suspiro lentamente e bato na mesma. Espero cerca de vinte segundos até escutar a maçaneta ser destrancada. Sinto que meus ritmos cardíacos progrediram junto com o som.
Harry Wilberforce abre a porta e me encara com uma expressão surpresa, porém, logo é substituída por uma de desprezo. Ele vestia uma calça moletom e tinha o dorso descoberto, deixando algumas de suas tatuagens no braço visíveis. Seu cabelo estava arrepiado, fazendo-me constatar que estava dormindo.
Sorrio nervosa com seu olhar sobre mim.
– O que você quer, garota? – Rispidamente diz.
Suspiro assustada.
– Eu vi que não iria descer, então trouxe o seu café aqui. Só para amenizar as coisas! – Estico o prato em sua direção.
Ele estreita os olhos surpreso.
– É sério? – Pergunta.
– Sim, e peço desculpas por minha irmã e primos. – Lhe entrego o prato.
Ele assente pegando o seu prato de minhas mãos e o colocando sobre o criado-mudo de seu quarto.
– Espere... aqui! – Lhe entrego a caneca.
Ele a pega e coloca no mesmo móvel que pôs o prato.
– Espere um minuto, Jane! – Diz calmamente.
Sinto um sorriso bobo se formar no canto de meus lábios. Talvez uma sensação de que havia feito a melhor escolha. Observo-o contendo a sensação de alegria que me consumia.
Harry foi até a sua mochila para pegar algo que estava fora de meu campo de visão. Ele retira sua carteira, fechando a mochila e segue até mim. O meu primo distante abre e retira cinquenta dólares, deixando-me confusa com aquele ato. Ele desloca seu olhar para mim e simplesmente diz:
– Não quero ter a maldita sensação que devo qualquer coisa a vocês. Não pedi sua gentileza, na verdade, pouco me importo com ela. Pegue esses cinquenta dólares, tenho certeza que ele paga o seu bom coração. – Coloca a nota em minhas mãos e fecha a porta em minha cara, sem me dar a chance de responder.
Sinto-me atônita com aquele acontecimento. Como ele teve a ousadia de me tratar daquela maneira? Tratou-me feito uma interesseira. Mesmo que ele tenha um oceano de problemas, isto não dá uma gota de razão para agir desta maneira.
"...tenho certeza que paga o seu bom coração."
Imbecil! Infeliz! Esnobe! Idiota!
Não havia xingamentos para expressar o que estava sentindo. Nunca havia sido tratada com tamanho desprezo.
Só porque ele é filho de Tom Wilberforce, o milionário do hospital, ele acha que pode tratar as pessoas da forma que bem entende?!
Grunho silenciosamente e saio da frente daquele maldito quarto e me desloco para o meu. Fecho a porta e lanço-me sobre minha cama.
Nunca estive tão furiosa e humilhada!
Tinha vontade de socá-lo. E eu sequer senti vontade de bater em alguém em toda minha vida!
Agarro meus cobertores e suspiro profundamente, repetidas vezes. Eu não iria deixar que um infeliz sem amor retirasse a minha serenidade.
Encaro os cinquenta dólares em minhas mãos, procuro por uma caneta e papel qualquer. Rasgo algum de um bloco de notas e escrevo com um lápis mesmo.
Não preciso de seu dinheiro, Sr. Wilberforce. A generosidade e meu bom coração não se compram, se conquistam! Assim como o amor que o senhor deveria ter, pelos menos de alguém.
Grampeio a nota na folha rasgada, levanto-me e saio de meu quarto. Sigo até o seu, me agacho e empurro o bilhete por debaixo da porta. Retorno a minha posição inicial e desço não esperando por sua resposta.
Na verdade, não esperava nada a mais de Harry Wilberforce.
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