Capítulo 24: o lendário Tubarão Azul
XXIV: o lendário Tubarão Azul
Silêncio. Num banco de madeira ao lado direito da sala de espera da delegacia, os cinco aguardavam o tenente chamar. Pareciam crianças na sala do diretor, com as cabeças baixas aguardando a chegada dos pais. Marboh estava ao lado de Leor, na ponta esquerda do banco. Outras pessoas também estavam na sala, sentadas nos outros bancos, encarando o grupo. Tenazd olhava fixamente para um homem que também o encarava: ele era cheio de tatuagens, brincos e anéis, e parecia não ter gostado do cientista.
–– Podem entrar. – Disse um soldado, apontando para a sala do tenente.
Tenazd foi o primeiro a levantar num pulo. Quando entraram lá, o tenente estava sentado atrás da mesa e parecia muito zangado. A sala só tinha dois bancos para os interrogados sentarem, então os homens ficaram de pé. O tenente aguardou um pouco, bebericando alguma coisa alcoólica, até que levantou a cabeça e disse olhando para Leor:
–– O que pensam que estavam fazendo naquele porto?
–– Bom, estávamos fazendo coisas que se fazem nos cais...
–– Quer bancar o engraçadinho? Foram vocês que começaram aquela briga e ninguém começa uma briga e sai impune sob a minha jurisdição!
–– Aquele porto já é uma bagunça... – Nemat ia dizer uma coisa, mas o tenente virou-se para ela, fuzilando-a com os olhos.
–– E achando pouco, decidiram aumentar a confusão.
Nemat abaixou a cabeça e Hadin abriu a boca para defendê-la, mas Tenazd disse primeiro:
–– A culpa é minha tenente, fui eu que comecei a confusão. Por favor, deixe-os ir, eles precisam voltar para o Ocidente e...
–– Vocês... Eu não acredito! Então é verdade?! Existe mesmo uma caravana partindo hoje...! – O tenente logo mudou de humor – Ora, eu não sabia que era verdade, se não teria apostado! Será que ainda dá tempo?
–– Eu acho que dá, se você correr... Pretendemos partir às... – Leor pegou o relógio de bolso e viu que já eram uma e meia da tarde – Droga, não vai dar pra sair às duas... Bom, esperamos partir antes das quatro.
–– Então dá tempo! – Procurando algum dinheiro às pressas, o tenente já tinha se esquecido do porquê eles estavam ali.
–– Se me permite, eu aconselho você a apostar que a gente consegue. – O tenente ergueu a cabeça para Tenazd, que deu um sorriso cara-de-pau – É verdade, sou cientista e te garanto que você está diante da primeira caravana que vai dominar o oceano!
–– Bom, está todo mundo apostando que vocês morrem mesmo, então se eu jogar no contrário e ganhar, faço fortuna! – Ele pegou as cinco moedas de ouro que encontrou e vestiu um sobretudo. Ia saindo pela porta, mas virou-se para o grupo antes de ir embora – Quanto a vocês, bem... Boa sorte! E fiquem longe de confusão!
O homem saiu e Nemat ergueu a cabeça para os rapazes que estavam logo atrás dela e de Shari.
–– Hã?
Não puderam deixar de rir. Saíram logo depois do tenente, quase correndo da delegacia. Quando passaram pela sala de espera, o tatuado colocou o pé na frente de Tenazd, que tropeçou quase caindo.
–– Ops, foi mal, madame...
–– Em que isso te fez uma pessoa melhor ou resolveu seu problema?! – Perguntou Tenazd, chateado. O homem ergueu a sobrancelha, sem ter como respondê-lo – Foi o que imaginei.
Na frente da delegacia, os cinco se reuniram em círculo.
–– Precisamos sair o mais rápido possível! Daqui a pouco o porto vai ficar intransitável... – Disse Nemat, aflita.
–– Calma, vamos fazer o seguinte: eu vou comprar o outro barco, Leor e Shari vão pegar o que já tinham comprado e levam tudo para O Sobrevivente... – Hadin tentava bolar um plano que agilizasse as coisas.
–– Não sabemos onde o barco está ancorado... – Lembrou Leor.
–– Eu vou com vocês. – Prontificou-se Tenazd.
–– E eu vou para o barco preparar tudo, vocês me encontram lá. – Terminou Nemat.
–– Ok, todo mundo já sabe o que fazer. Quando comprar, levo o outro barco e amarramos um no outro.
Então, cada um foi para um lado, todos correndo contra o tempo. Leor e o resto do grupo que estava com ele levaram a carroça até Nemat, que os esperava no barco. Eram pouco mais que três da tarde quando Hadin chegou navegando um barquinho de pescador. Ele ancorou-o perto d'O Sobrevivente e amarrou a popa de um com a proa do outro. Como já tinham descarregado as compras e arrumado-as no barco da mãe de Nemat, só faltava colocar o canhão no outro barco. Com um pouco de dificuldade e muita ajuda, conseguiram. Já eram quase seis horas, então desceram para o cais, para acenar e finalmente partir. Parecia que toda Scien se encontrava ali, eles estavam sobre umas caixas e acenavam para a multidão eufórica, quando alguém gritou:
–– Vocês só embarcam se passarem por cima do meu cadáver!
–– Mas o que foi agora?! – Disse Hadin, começando a se irritar com o atrasado da viagem.
–– Pela barba do Tubarão Azul, é o Tubarão Azul! – Gritou uma mulher do meio da multidão.
Ouviu-se um sonoro "oooh", seguido de um silêncio ensurdecedor. O Tubarão Azul era mais que uma celebridade no Oriente de Saas, ele era uma lenda! As pessoas abriram caminho e ele parou em frente ao grupo.
Alto, forte, meio barrigudo, sem a mão direita, com apenas metade da perna esquerda e uma cicatriz enorme na face, o Tubarão Azul, no mínimo, metia medo. Os olhos azuis não eram nada reconfortantes e traziam o brilho de quem já viu a morte. Sua regata não escondia a sereia tatuada no braço direito e revelava parte do monstro tatuado nas costas do lendário marinheiro. A barba negra ia até pouco depois do queixo e tinha duas trancinhas, uma de cada lado, com duas miçangas azuis no fim de cada uma. Mas nem isso o deixava menos assustador. A bandana na cabeça e o chapéu preto eram para esconder a calvície – e talvez eu não devesse contar esse pequeno detalhe...
–– Vocês não vão embarcar, nem hoje nem nunca!
Nemat desceu do caixote, aproximou-se de Tubarão Azul e ergueu a cabeça, num ar de rebeldia.
–– Nós vamos embarcar hoje, você querendo ou não.
–– Madame, – Tubarão Azul aproximou-se ainda mais, encarando-a de cima – um dia você ainda vai me agradecer por isso. Agora volta para casa e...
–– Eu estou fazendo isso. Estou voltando para casa e se você ficar no meu caminho, vou ter que passar por cima do seu cadáver. – O marinheiro admirou a coragem dela e Nemat aproveitou – Sinto muito por sua mão e perna, mas acho que o que mais dói foi você não ter conseguido cruzar o oceano, não é?
Tubarão Azul ficou vermelho de raiva, mas Nemat simplesmente virou-se para o grupo e avisou:
–– Vamos? Acho que já nos atrasamos o suficiente.
–– Eu vou com vocês.
O grupo, que estava se dirigindo para a escadinha do barco, parou. Leor começou a rir, Hadin ficou sem reação e Shari tentou esconder a emoção. Ela era fã do Tubarão e viajar com ele seria um sonho! Nemat disse, firmemente:
–– Não, você não vai. Se quiser recobrar seu orgulho, vai ter que arrumar outra carona.
Mas ele passou por eles e subiu no barco, foi para a popa e gritou.
–– POVO DE NALAHU, AVISEM À SAAS QUE O TUBARÃO AZUL VOLTOU!
A multidão foi à loucura e mais ainda os pobres aventureiros.
–– Temos que dar um jeito de tirá-lo do barco! – Falou Hadin, enraivecido.
–– E quem tem coragem? Não contem comigo... – Admitiu Leor. Para ele aquela situação era quase uma piada.
–– Ele não pode invadir nosso barco! – Nemat estava vermelha de raiva e revoltada, aquilo era injusto!
–– Pessoal, pensem bem... – Shari queria convencer o grupo a deixar o Tubarão Azul viajar com eles – Ele é, além de um marinheiro experiente, um sobrevivente! Aliás, o único oriental que sobreviveu ao mar. Se tem alguém que pode nos ajudar nessa travessia, podem apostar que essa pessoa é o Tubarão Azul.
Eles ainda discutiam o que fazer, com Leor, Shari e Tenazd a favor do Tubarão e Hadin e Nemat contra, quando o marinheiro gritou de cima do barco.
–– O que estão esperando marinheiros de água doce?! Embarquem logo, a aventura não espera retardados!
Leor deu de ombros e disse, subindo as escadinhas:
–– Bom, se você não pode com ele, junte-se a ele...
Shari e Tenazd foram logo depois, seguidos de Hadin e Nemat. Marboh tinha voado assim que o dono embarcara. O Tubarão já os esperava, ele tinha assumido o timão do barco.
–– Me ensina a navegar? – Perguntou Leor, animado.
O marinheiro o encarou, zangado.
–– Por acaso tenho cara de professor?
–– Você está no nosso barco, não pense que a viagem sai de graça.
Ele revirou os olhos, mas Leor o encarava, ele não ia conseguir se livrar dele. Shari foi para proa, admirar o horizonte. Hadin tinha ido para a popa checar se o outro barco estava sendo puxado conforme ele imaginava e, para o seu alívio, estava tudo certo.
Nemat aproximou-se dele, admirando a terra sumir aos poucos. Eles ainda estavam perto e dava para ouvir a multidão gritando e acenando. Etuniel estava no porto, encarando o barco sumir. Nemat riu ao ver o idoso.
–– Perto do Tubarão Azul, Etuniel não assusta uma mosca vesga...
Hadin riu, ia abraçá-la, mas Nemat encolheu-se para o lado e ele parou. Por favor, não demore a me perdoar, sinto sua falta... Pensava ele, enquanto encarava com tristeza as bolhas deixadas pelo barco na água.
–– Essa vai ser uma longa viagem... – Disse ela, pensando em Tubarão Azul.
–– Nem me fale...
O crepúsculo dominava o céu quando o barco sumiu no horizonte. Em Scien, a multidão já tinha se dispersado, mas Etuniel continuava ali, parado, até que finalmente virou-se para partir.
–– Eles vão morrer. –Concluiu o velhinho, colando seu tradicional capuz e sumindo nas sombras das casas.
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hahaha O que acharam desse figuraça?
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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
Wattpad.com | 2014
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