Capítulo 23: o Sobrevivente
XXIII: o Sobrevivente
Marboh, ao lado dela, balançava o rabo farejando tudo com uma curiosidade perigosa. Aproximou-se de uma Venenosa Rainha e ela deu um tapinha nele.
–– Para, lobo! Quer perder a fuça?! Se alguma coisa acontecer com você, Leor me mata! – Marboh ergueu a cabeça e olhou para ela – Ah, não faça essa carinha, é para o seu e o meu bem!
Ela ainda sorria quando virou-se novamente para o mercador, que era um velhinho magro de cabelo branco e longo. Cabelos compridos para os homens do Oriente era um ultraje, mas, aparentemente, não para aquele senhor. Ela entregou-lhe duas moedas pequenas de ouro.
–– Vamos levar seis flores desta aqui. – E apontou para as Venenosas Rainhas da banca. Aquela era a flor mais cara de Saas, pois ela só nascia se recebesse muito cuidado e só brotava no calor de Sondree.
O vendedor pegou apenas uma das moedas e arrumou cuidadosamente sete flores num pedaço de papel. Ele usava luvas, já que a Venenosa Rainha queimava a pele de quem estupidamente encostasse nela.
–– Eu não posso aceitar, o preço certo é duas moedas por seis flores! – Retrucou ela, quando o idoso estendeu-lhe o pacotinho com as flores.
–– Senhorita, você é a atriz que está com aquele grupo de malucos que dizem que vão cruzar o oceano hoje, certo? – Ela abriu a boca, espantada por ele saber da viagem – Ora, não se admire, Shari, todo mundo sabe disso. E eu apostei uma moeda grande de ouro que vocês conseguem! Se um jeito de ajudá-los a atravessar o oceano e ganhar minha aposta é vendendo essa flor, então eu faço um desconto pra você.
–– Obrigada... – Ela não tinha se espantado apenas por ele saber da viagem, mas principalmente por ela ter ficado famosa. Há anos ela trabalhava ali e nunca ninguém a tinha reconhecido na rua ou em qualquer outro lugar...!
Shari pegou o pacote com as flores e saiu correndo para o hotel. Apesar de que o sol ainda estava nascendo, as ruas já começavam a ficar movimentadas, parecia que todo mundo ali tinha madrugado. Talvez fosse por causa da FATS, ou pela euforia que pairava no ar com a possibilidade de uma pequena caravana sair em aventura pelo mar aberto...
–– Leor, Hadin, Tenazd, Nemat! Acordem!
Segundos depois, as portas dos quartos estavam abertas e o grupo se encontrava no corredor, assustados com a gritaria e sem entender o que estava acontecendo. Apesar disso, eles estavam arrumados, pois aparentemente já estavam acordados quando foram chamados.
–– O que aconteceu?! – Leor segurava uma lança, como se esperasse ver um grupo de assaltantes.
–– Eles... Sabem! – Shari mal conseguia falar e respirar ao mesmo tempo – Todo mundo... Já sabe da nossa viagem!
–– O quê?! – Disseram Leor, Hadin e Nemat ao mesmo tempo.
–– Claro que sabem! A maior diversão aqui em Scien era apostar nas mortes dos aventureiros que tentavam atravessar o mar. Mas conforme eles foram morrendo, os outros perdiam a coragem, até que...
–– ...Um dia o Tubarão Azul conseguiu voltar vivo e, embora não tenha atravessado o oceano, ele contou histórias tenebrosas sobre monstros gigantes... Isso acabou por desencorajar os poucos que queriam se arriscar... Todo mundo conhece essa história, Tenazd. – Terminou Hadin.
–– Exatamente. E hoje, depois de muitos anos sem ninguém tentar de novo, nós dizemos que vamos para um reino do Ocidente, como se isso não fosse grande coisa! Não é de se admirar que a cidade fique agitada! – Explicou Tenazd.
–– Mas isso significa que temos que nos apressar, ainda vamos comprar os barcos! – Nemat passava a mão na cabeça, preocupada – Vamos lá, assim que terminarmos de nos aprontar, partiremos imediatamente, não quero que nada dê errado...
Eles voltaram para os quartos e arrumaram as malas. Minutos depois, todos estavam no hall do hotel, reunidos para planejar o que faltava.
–– Eu, Tenaz e Nemat vamos comprar o barco. – Falava Hadin – Enquanto isso, Leor, você e Shari vão à feira e comprem suprimentos que dêem para um mês. Aqui está o dinheiro para isso. Alugue uma carroça, vai ser muita coisa para carregar nas mãos.
–– Hadin, isso não é o suficiente. – Ele franziu a testa para Shari – Vocês disseram que vão tentar se misturar com o povo de Jope imitando o sotaque deles e vestindo-se como eles. Para costurar as roupas, vamos precisar comprar tecidos.
–– Não tinha pensado nisso... Ela tem razão. – Leor sorria.
–– Bem lembrado... – Hadin deu mais algumas moedas. – Acha que isso paga?
–– Talvez... Como eu costumava fazer meus próprios figurinos, tenho uns amigos que vendem tecidos, acho que consigo desconto.
–– Mas como vamos ter certeza se os tecidos daqui parecerão com os de lá? – Perguntou Nemat.
–– Scien não é só a capital da tecnologia, é a capital da moda também, tenho certeza que daremos um jeito de fazer roupas iguais às deles. – Garantiu Shari.
Com tudo pronto, eles saíram para as caóticas ruas da capital. O combinado era se encontrarem no porto depois do almoço, às duas da tarde, afinal eles ainda iam comprar os barcos e isso poderia tomar uma manhã inteira.
Shari, Leor e Marboh compraram os suprimentos para a viagem e alugaram uma carroça, onde guardaram as compras. No entanto, a parte mais divertida foi definitivamente comprar os tecidos, que eles não paravam de experimentar fazendo piadas... Há um ano a mãe de Leor morrera e ele passara aquele tempo todo sem dar um sorriso, apenas sofrendo junto com Nemat... Por isso, aquela manhã era o perfeito início de uma nova fase de sua vida, uma que ele esperava curtir muito... Tinha sentido falta de Shari e era incrivelmente bom tê-la ao seu lado de novo, principalmente em uma nova aventura.
Enquanto isso, Hadin, Tenazd e Nemat passeavam pelo cais, procurando dois barcos de pesca. Uns eram pequenos demais e outros gigantes, estava realmente difícil de achar um do tamanho que eles queriam! Ás onze horas, quando já estavam cansados de andar na multidão e da insistência dos vendedores, sentaram-se para descansar. Nemat não tirava os olhos da água rosada, ela nunca tinha estado tão ansiosa antes...
–– Querem comprar um barco? – Um marinheiro se aproximou deles.
–– Ah não... Por favor, agora só queremos descansar um pouco! – Tenazd estava suado e de cabeça baixa, tentando esconder o rosto do sol. Aquele vai-e-vem no porto era a coisa mais próxima de exercícios físicos que ele já tinha feito.
–– É uma pena, eu tenho certeza que vocês adorariam comprar o barco que veio do Ocidente há alguns anos atrás...
–– Como é que é? – Nemat o fitou com incredulidade.
–– Há mais ou menos duas décadas, um homem estava fazendo seu barco de atração turística, vendendo ingressos para as pessoas entrarem nele e dizendo que tinha comprado-o de uma mulher do Ocidente. Quando as pessoas perderam o interesse pelo barco e sua história, eu o comprei para fazer viagens turísticas pela costa de Nalahu. Apelidei o barco de O Sobrevivente... Mas o turismo anda fraco e ninguém mais se lembra daquela louca que dizia ter vindo do outro lado do oceano, então meu barco é apenas mais um aqui... Vou mudar de ramo, começar uma nova carreira... Estão interessados? Garanto o barco ainda está em ótimo estado, dizem até que ele traz sorte.
–– Sim! – Disse Nemat animadamente.
Hadin o encarava. Ele queria vender o barco, mas provavelmente mudaria de ideia caso descobrisse quem era Nemat e o que eles planejavam fazer... O homem não podia imaginar que, depois da partida deles para o Ocidente, aquela história seria desenterrada e provavelmente o turismo iria aumentar. Então não era bom demonstrar demasiado interesse no barco, mas fingir que estavam em dúvida, isso encorajaria o homem a querer vender.
–– Calma, querida, – Hadin passou o braço pelos ombros de Nemat, fingindo que eram um casal. Ele apertou o ombro dela num sinal para não estragar a mentira – nós ainda temos que ver muitos barcos... Não podemos nos precipitar...
–– Mas... – Tenazd ia falar alguma coisa, quando Hadin o interrompeu:
–– Nada de "mas", tio, você vive como um parasita às nossas custas desde que sua esposa morreu, não tem o direito de opinar!
–– Vamos lá, marujo, venha pelo menos dar uma olhada no barco... Ele é bonito e espaçoso... – Pediu o aflito marinheiro.
–– Por favor, meu amor, eu quero ver o barco... – Nemat o encarou, se divertindo com a peça.
–– Tudo bem, raio de sol...
O homem olhava para eles com uma cara engraçada de desconfiado, pois falavam com sarcasmo as palavras de amor. Eu hein, sabe-se lá o que se passa na cabecinha desses jovens de hoje em dia...
O marinheiro levou-os até onde o barco estava ancorado. A vela estava um pouco empoeirada, mas ainda dava para enxergar o símbolo da aliança dos seis reinos do Ocidente: uma enorme árvore negra com seis maçãs de prata, duas espadaças de frente ao tronco num X e o fundo branco. O barco tinha sido pintado recentemente de azul escuro por fora e dourado por dentro. As palavras "O Sobrevivente", pintadas de branco, se destacavam na madeira e pareciam ter sido escritas com a espuma das ondas do mar. Aquele era um barco realmente lindo e do exato tamanho que queriam...
–– Uau. – Hadin admirava tudo com atenção, precisavam comprá-lo.
–– Já vi que gostaram, vamos dar uma olhada lá dentro?
O marinheiro não estava mentindo, o interior do barco era realmente espaçoso. Nem parecia barco de pescador... Hadin virou-se para ele e deu um lance.
–– Duas moedas médias de safira.
–– Acha que só porque quero vender meu barco eu estou desesperado?
–– Eu não disse isso e francamente você me ofende! Vamos pessoal, esse aí não quer negociar.
Nemat e Tenazd já tinham entendido que Hadin era o negociador dali, portanto confiaram nos instintos dele e viraram-se para partir. A técnica deu certo, logo o marinheiro ficou mais calmo.
–– Ei, calma aí, homem, eu estou tendo um péssimo dia... Vamos conversar! Quero quatro moedas médias azuis e cinco amarelas...
Hadin riu. Começou a passear pelo barco, como se estivesse analisando cada lasca de madeira que estava fora do lugar.
–– Dou duas médias de safira e dez de ouro.
–– Você é louco! Saia do meu barco!
–– Você fica nervoso rápido, hein... – O coração de Hadin batia forte. Ele tinha apenas dez moedas médias de safira e cinco grandes de ouro. Aquilo poderia ser uma pequena fortuna, mas barcos eram caros mesmo – Pago três azuis e cinco amarelas.
–– Não faço menos do que quatro azuis médias e cinco amarelas, das grandes.
–– Espera aí, você tinha dito no começo que as de safiras e as de ouro eram médias...
–– Pois é, aumentei o preço por causa da sua chatice. E se não levar agora, vou arredondar para cinco azuis!
O homem tinha percebido que Hadin queria muito o barco, então o nômade pagou logo as quatro moedas médias de safira e as cinco grandes de ouro, antes que ele aumentasse o preço de novo. E completou para o marinheiro, depois de pegar o recibo e a escrituração do barco:
–– Vou resolver uns negócios e volto às duas da tarde, quero o barco limpo e as velas lavadas quando chegar.
–– Vai sonhando.
–– Conheço os meus direitos, se não fizer isso, prometo que hoje você passa a noite na cadeia, visitando o tenente.
Deixaram o marinheiro reclamando e foram novamente para o cais.
–– Hadin, por que você fingiu que eu era o seu tio? – Perguntou Tenazd, um tanto ofendido.
–– Ora, porque você não se parece muito comigo, se não eu teria dito que era meu pai.
–– O quê?! Quantos anos você acha que eu tenho? – Nemat riu do tom de voz revoltado de Tenazd.
–– Antes ou depois dessa pergunta?
–– Eu tenho vinte e três, provavelmente não sou tão mais velho que você...
–– Mentira! – Hadin riu – Até parece que você é um ano mais novo que eu!
–– Tenazd, eu também não acredito que você é só dois anos mais velho que eu! – Nemat não acreditava na idade do pobre cientista.
–– Incrível, todo mundo acha que eu sou velho... Aposto que é só por causa dessa mecha branca...
Hadin e Nemat tentavam não rir para não ferir os sentimentos de Tenazd, que parecia ter no mínimo uns quarenta anos! Hadin colocou o braço no ombro do amigo e disse.
–– É brincadeira, Tenazd, você não parece ser tão velho...
–– Obrigado. Você mente muito mal, mas pelo menos tem um bom coração. – Eles riram.
Já era quase meio dia e eles precisavam almoçar para depois procurar mais um barco. Então, entraram no primeiro restaurante que encontraram e almoçaram às pressas, mais engolindo do que comendo. Meia hora depois, já tinham voltado para o cais. Estavam parados decidindo para que lado ir, quando Leor e Shari apareceram. Marboh corria entre as pernas deles, provavelmente aquele era o dia mais feliz de sua vida.
–– O que estão fazendo aqui? – Perguntou Tenazd, assim que os viu.
–– Já compramos tudo o que devíamos, então viemos ajudar, caso ainda não tenham comprado os barcos. – Respondeu Shari.
–– Compramos só um... – Hadin ia dizer que estava difícil de achar outro barco do jeito que queriam, porém Nemat foi mais rápida:
–– Leor, compramos o barco da minha mãe!
–– Eu não acredito! Como?!
Os dois conversavam animadamente, só eles entendiam de fato o significado daquele barco. Enquanto isso, os outros discutiam o que fariam a seguir, já que não iam encontrar outro barco igualzinho àquele. Por fim, decidiram que comprariam um menor, já que a única arma de guerra que eles tinham comprado, o canhão, não era tão grande assim e caberia num barquinho de pescador.
Com o dinheiro que Nemat tinha da casa, quatro moedas médias de safira, ela comprou o BUM, sobrando apenas uma pequena moeda azul de troco. E agora, a modesta fortuna de Hadin mostrava-se indispensável. Ainda assim ela não queria admitir que ele, no fim das contas, tinha feito uma coisa boa ao passar um ano fora. Nemat era mais coração duro que o irmão, Leor.
–– Precisamos nos apressar... – Tenazd já estava cansado de andar de lá pra cá pelo cais, negociando com os marinheiros... Então tomou uma iniciativa bastante ousada: subiu em umas caixas e começou a gritar – Queremos um barco e vamos comprar do primeiro que aparecer!
–– Eu! Eu! Eu tenho um barco pra vender! Falei primeiro! Cinco azuis médias!
–– Eu também! Faço por quatro azuis médias e outra pequena!
–– Cala a boca! Falei primeiro!
–– Mas o meu barco é mais barato! Venha, senhor, compre o meu!
Os dois começaram a lutar e logo outros marinheiros começaram a chegar para brigar também. Shari puxou Tenazd para baixo e o repreendeu:
–– Enlouqueceu?! Acha que o caos desse porto não está bom o suficiente, quer provocar uma briga? Vai sobrar pra você...
–– Nada aqui é eficiente, você tem que andar para cima e para baixo vendo os barcos, indo e voltando o tempo todo! Deveria ter um lugar onde todos os marinheiros deixassem algumas informações de seus barcos, assim nós iríamos até lá e já eliminaríamos algumas possibilidades de compra pelo preço, tamanho...
–– Essa é uma boa ideia, Tenazd, mas não adianta fazer o que você fez agora, só trouxe confusão! – Disse Nemat, com a voz calma, apesar do tumulto ao redor deles.
–– Gente, são eles! A caravana que vai cruzar o oceano hoje! – Gritou alguém no meio da desordem.
Imediatamente todos pararam e olharam para os cinco. Marboh latia, agitado e nervoso. Tudo de repente estava silencioso. Um guarda abriu caminho entre as pessoas e falou olhando firme para o grupo:
–– Os cinco, agora, na delegacia!
–– Estamos encrencados? – Perguntou Tenazd, sentindo-se culpado.
–– Não. Estão muito encrencados! – Respondeu,rispidamente, o soldado.
------------------------------
hahaha Essa viagem vai ser uma grande aventura....SE eles conseguirem partir de Nalahu né, porque tá difícil! :X
************
As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
Wattpad.com | 2014
Todos os direitos reservados.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro