Capítulo 18: o último expirar
https://youtu.be/Ginx7WKq5GE
XVIII: o último expirar
Scien estava uma loucura e os mercadores usavam a badalação que a Feira trazia para lucrar mais. As pousadas também aproveitavam para aumentar os preços, explorando ao máximo o bolso dos gênios da ciência. A carruagem com os quatro médicos, Leor, Marboh e Shari adentrou a cidade e logo era apenas mais uma no trânsito caótico de Scien. Leor saltou na rua enlameada pela chuva que há pouco tinha se dissipado. Shari tentava manter os cavalos calmos, enquanto lutava para sair do congestionamento de carruagens e pedestres. Ela ainda precisava levar os passageiros para a FATS...
–– Bem, obrigado, Shari. Não sei como você conseguiu essa carruagem e não tenho certeza se quero saber, mas como você previu, chegamos aqui em quatro dias. Vou aproveitar que ainda está cedo e continuar minha viagem até Pillar.
–– Já vai? – Disse surpresa, fitando-o de cima da carruagem – Eu... Bem, não esperava que partiria assim que chegássemos em Scien...
–– Não posso perder tempo. – Respondeu, percebendo a frustração dela. Embora quisesse ficar com Shari, ele não poderia afirmar que voltaria algum dia a confiar nela.
–– Tem razão. – Shari queria beijá-lo, ou, no mínimo, abraçá-lo, mas ele tinha saltado da carruagem, talvez evitando justamente isso – Até algum dia, turista...
Leor ainda pagou o que devia à Shari e, então, ele e Marboh deixaram a agitação de Scien, pegando a estrada rumo à tranquilidade de Pillar. Eram onze horas da manhã quando saíram de lá, mas como o tempo estava nublado, não havia sol para castigá-los durante a caminhada.
Às seis da tarde, eles chegaram na vila. Todos olhavam com cara de pena para Leor, fazendo seu coração acelerar de medo pelo que poderia encontrar quando chegasse em casa.
Chegou e foi logo abrindo a porta, procurando pela mãe. A casa estava vazia e parecia cheirar à morte. Caminhou apressadamente para o quarto de Tyane, seguido por Marboh. Encontrou-a deitada como se estivesse morta. Chorando, ele caiu aos pés da cama segurando a mão dela.
–– Eu sabia que conseguiria... – Sussurrou a senhora.
–– Mãe! – Ele pegou apressadamente o pequeno frasco de vidro contendo um líquido amarelo âmbar – Tome, é o remédio...
–– Querido, não o desperdice comigo, eu já estou quase...
–– Não diga bobagem! – Leor abriu a tampa e Tyane colocou a mão no rosto do filho, falando carinhosamente – Ah, meu bebê, eu te amo mais do que a mim mesma...
–– Mãe, por favor... – Leor chorava vendo a mulher que ele tanto amava desfalecida na cama.
–– Eu te amo... – Suas palavras já não saíram mais, apenas os lábios moveram – Se... – Ela fez uma força e murmurou depois de um ataque de tosse – Estou com medo... O que será que acontece quando morremos?
–– Eu... Eu queria respondê-la, queria muito, mas... – Leor abaixou a cabeça, nenhum cientista de Saas tinha conseguido responder aquela pergunta.
–– Me sinto só...
–– Eu estou aqui. – Leor segurou mais fortemente sua mão, tentando transmitir algum tipo de conforto...
Ela olhou com ternura para o filho e murmurou, antes de expirar pela última vez:
–– Obrigada...
Leor continuou prostrado perto da cama, chorando enquanto ainda segurava a mão de Tyane. Ele não conseguia soltá-la, parecia que segurando a mão dela, Tyane continuaria ali com ele... Após algumas horas de gritos abafados, dor e muitas lágrimas, Leor finalmente soltou a mão da mãe lentamente, como se estivesse deixando-a ir.
Levantou-se e olhou o céu escuro: já era noite. Foi até a cozinha e lavou o rosto. Marboh continuava deitado aos pés de Tyane. Leor foi até o companheiro e o abraçou.
–– Ela se foi... – Marboh suspirou, era como se ele pudesse compreender o que tinha acontecido.
Então Leor puxou o lobo para fora do quarto e saiu rua afora. Percebendo que o dono ia para a casa de Nemat, Marboh voou para lá e começou a arranhar a porta ansiosamente. Leor chegou e bateu duas, três, quatro vezes e ninguém atendia. Preocupado, gritou:
–– Nemat! Nemat, cadê você? Sou eu!
–– Você não ouviu o que aconteceu com ela e aquele nômade? – Perguntou uma vizinha que passava por ali.
Aquilo fez o coração de Leor disparar e desesperado, chutou a porta, arrombando-a. Ele e Marboh entraram na casa procurando Nemat e a encontraram deitada na cama, encolhida, segurando um pedaço de papel.
–– Nemat! – Leor curvou-se sobre ela para ver como estava, enquanto o lobo de estimação pulava na cama e deitava aos seus pés – Nemat, o que aconteceu?!
–– Ele se foi... – Disse ela baixinho, sofrendo o significado de suas palavras.
Leor foi para o outro lado da cama e sentou-se ao lado da amiga. Percebeu o que estava escrito no bilhete e perguntou novamente.
–– Nemat, o que aconteceu?
–– Nós estávamos juntos... Eu o amava, Leor... E ele disse que me amava também... Mas ontem descobri que ele tinha ido embora... – Murmurou ela. Seu coração estava ferido e cansado.
Leor deitou-se e Nemat foi aninhar-se no ombro dele. Ela choraria se ainda lhe restassem lágrimas...
–– Minha mãe morreu... – Leor sussurrou como se nem acreditasse no que estava dizendo – Ela partiu pouco depois que eu cheguei... – Os olhos dele se encheram de lágrimas. Agora ele compreendia a dor que Nemat sentiu ao perder a mãe...
–– Eu sinto muito... – Ela o abraçou mais forte, escondendo o rosto em seu peito.
E ficaram assim, deitados, cada um chorando a própria desgraça.
No dia seguinte, Leor organizou o funeral da mãe. Como de costume, cada um vestido de preto, levava uma vela e uma flor amarela. Leor, Nemat e as melhores amigas de Tyane carregavam a rede onde a falecida jazia em seu melhor vestido. E caminharam em silêncio até o cemitério. Lá, Tyane foi enrolada cuidadosamente na rede e, um a um, todos a enfeitaram com as flores amarelas. Leor, sozinho, cavou para a mãe uma cova, enquanto as pessoas o observavam. Depois, alguns homens ajudaram-no a colocar o corpo no buraco e todos jogaram terra por cima. Então, Leor plantou a rosa branca que uma das amigas de Tyane tinha levado. Tudo ali era muito simbólico e era feito com muita devoção, em silêncio absoluto. No fim, Leor pronunciou as tradicionais palavras fúnebres:
–– Misteriosa jornada é a nossa vida, nascemos sem saber o porquê e partimos para nunca mais voltar, e tudo o que realmente sabemos é que tudo o que um dia nasceu, morrerá.
Dizendo isso, todos assopraram suas velas e partiram, sempre em silêncio. Apenas Leor, Marboh e Nemat ficaram. Ele sentou-se desolado ao lado da rosa branca e perguntou para a amiga, sem erguer a cabeça:
–– Não teria uma cerveja aí, teria?
–– Desculpe... Bebi tudo ontem.
Ele sorriu um sorriso triste. Nemat sentou ao lado dele, mas logo levantou-se assustada.
–– Eu não acredito, as joias!
–– O quê?!
Ela olhou desesperada para Leor.
–– Hadin precisava pagar um absurdo de impostos e nós não tínhamos o dinheiro, então lhe mostrei as joias da minha mãe e contei minha história e lhe entreguei o bracelete de minha mãe para ele ir à Scien vender o bracelete para pagar o imposto e...
–– Nemat, calma! Respira... – Ele a segurou pelos ombros e olhando fundo em seus olhos, completou incrédulo – Eu não acredito que você mostrou as joias pra ele!
–– Leor... Eu... Ele... Ah, pare com isso! Eu o amava...
Leor revirou os olhos e, pegando a pá que usara para a cova, correu junto com Nemat e Marboh para o túmulo de Ravel. Lá, ele cavou até encontrar o pequeno baú. Nemat ajoelhou-se e, respirando fundo, abriu-o. Nada além do bracelete faltava.
Ela fechou os olhos e suspirou aliviada. Sentia-se mal por ter duvidado de Hadin e, ao mesmo tempo, estava furiosa consigo mesma por sentir-se assim por alguém que a traíra. Eles enterraram de novo o baú e caminharam para casa. No caminho, Nemat contou melhor para Leor o que tinha acontecido entre ela e Hadin, e terminou perguntando:
–– Leor, você acha que eu estou... Bem, negligenciando os meus deveres como princesa de Jope?
–– Nemat, eu... Eu não posso dizer que está negligenciando, afinal aqui você não é princesa, não tem um exército, como poderia recuperar seu reino?!
–– Eu penso o mesmo... Mas confesso que Hadin falava da restauração do trono com a mesma esperança e euforia da minha mãe...
–– Não se sinta culpada, afinal é fácil só falar e te acusar.
–– Leor... – Ela não sabia por em palavras o que queria dizer – Qual a minha razão de viver se não for a recuperação de Jope? Afinal, minha família foi dizimada e meu pai morreu para salvar minha mãe... Eu tenho o sangue de sobreviventes correndo em minhas veias... Não seria injusto com eles e com o povo que talvez tenha em mim a esperança de uma vida melhor se eu não for ajudá-los?
–– Falou como uma princesa... – Leor a abraçou – Vamos pensar em alguma coisa, está bem?
Durante as férias de Nemat, Leor ficou na casa dela, afinal os dois tinham perdido pessoas amadas e precisavam, mais do que nunca, um do outro para acostumarem-se novamente com a antiga rotina.
Quando suas férias de dez dias terminaram, Leor voltou para casa e reorganizou o quarto dele. Começou a estudar ainda mais sua amada medicina, fez um empréstimo e ampliou a pousada, imitando os prédios de Al. O negócio deu certo e ele acabou abrindo um barzinho no térreo do hotel e contratou Nemat como supervisora.
A pousada gerava lucro, mas não o suficiente para enriquecê-los, afinal os juros do empréstimo eram altíssimos...
E assim o tempo foi passando, com Nemat e Leor trabalhando naquele pequeno negócio, sem pensarem muito no futuro, apenas vivendo... Porém, mesmo que tudo aparentasse estar bem,algo tinha mudado em Nemat. Ela estava envenenando-se na mágoa que sentia de Hadin e ia se entristecendo dia a dia, até quase perder a esperança da própria vida.
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Obrigada a todos que têm tirado uns minutinhos para comentar, estou adorando vê-los gostando da história e compartilhando suas teorias e emoções com a gente! <3
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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
Wattpad.com | 2014
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