Capítulo 14: finalmente Alzask
XIV: finalmente Alzask
Estava nascendo o dia quando Shari se espreguiçou. Tinha alguma coisa sobre o seu seio, ela abriu os olhos e viu que era o braço de Leor: ele estava dormindo profundamente ao seu lado. Não conseguiu segurar um sorriso ao se lembrar da noite anterior... Ia se levantar, mas não queria acordá-lo antes de se vestir. Fazendo movimentos cuidadosos, Shari conseguiu desvencilhar-se do braço do barman. Ainda segurando a pontinha do lençol para cobrir o corpo, esticou a mão, pegou a parte de baixo e vestiu-se. Então, levantou-se e foi lavar o rosto na cachoeira.
O que pensa que está fazendo, sua louca?! Shari você dormiu com o cara para quem está mentindo! Sexo e mentira complicam tudo, e você acaba de cair nas duas piores armadilhas... Parabéns! Agora vai ter que dar um jeito nisso... Ela tentava afogar os pensamentos com a água que jogava na cara, mas estava difícil...
–– Por que não me acordou?!
A voz de Leor a assustou. Ela estava chateada consigo mesma e não queria nem sequer olhar para a cara dele, que obviamente não entenderia a reação. Apressou-se em ir pegar o vestido que estava jogado ao lado da manta. Quando ia pegá-lo, Leor esticou a mão para fazer o mesmo, mas ela foi mais rápida.
–– O que foi, Shari? Age como se tivesse algo a esconder... Eu já vi tudo, não precisa bancar a inocente.
–– Por que vocês homens pensam que só porque dormimos juntos uma noite já somos íntimos o suficiente pra tudo? – Ela vestia-se apressadamente enquanto reclamava, tentando pensar numa desculpa para afastar-se dele sem destruir a amizade. Como se isso fosse possível, ou eles, amigos... Leor ainda estava deitado, com as mãos na nuca apoiando a cabeça, apenas observando-a se vestir – Ontem foi um erro, não pense que faço isso com todos os caras que guio.
–– Sério?! Agora vai dizer que foi tudo um erro, que você estava fraca emocionalmente e que eu me aproveitei disso? Ou que você não queria? Shari, nós nos conhecemos há um mês, aturamos um ao outro 24 horas por dia! Então não me diga que não temos intimidade ou o que tivemos ontem foi caso de uma noite! Se não tivéssemos intimidade você não teria sido a primeira a tirar a roupa para entrar na cachoeira.
–– O quê? Eu não estava te provocando! Apenas queria tomar banho...
Leor riu. Levantou-se e foi até ela, ainda nu.
–– Tudo bem, me desculpe se entendi errado os sinais... Não se preocupe, quando essa viagem acabar, irei embora e nunca mais nos veremos de novo. E não vou mais nem sequer tocar em você! Se é um relacionamento puramente profissional que você quer, é isso que terá, porque eu não quero ser apenas seu amigo...
Shari estava sem fôlego. Está vendo?! Ah, não, não posso fazer isso, é tarde demais... Já dormimos juntos e se eu recuar agora provavelmente o perderei para sempre! Por que tive que mentir?! Calma, Shari, calma, ele não vai descobrir, vai dar tudo certo...
Leor tinha colocado a bermuda de baixo e vestia a calça quando Shari aproximou-se dele.
–– Leor... Eu... Ontem não foi um erro, foi apenas... Inesperado. Eu também não quero ser apenas sua amiga... Ou só sua guia.
Leor não sabia por que ela tinha reagido daquela forma e agora pedia desculpas... Mulheres! Quem as entende?
–– Tem certeza? Porque o que rolou ontem pode ser caso de uma noite se você quiser...
–– Absoluta. A última coisa que eu quero é ter um relacionamento puramente profissional com você... – Ela beijou-o, tentando não morrer de remorso pelo o que estava fazendo.
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Hadin virou-se para a esquerda, fugindo do sol que batia na cara... Abriu os olhos e viu Nemat dormindo... Seus cabelos louros espalhavam-se nas costas e cobria parte de seu rosto, como se ela fosse um raio de sol que caíra e perdera-se em Saas. Ele afastou uma mecha para poder contemplar melhor o rosto da jovem. Não conseguia parar de sorrir... Como estava feliz! Como, depois de muito tempo, era bom voltar a amar! Há três anos ele não sabia o que era dormir nos braços de uma mulher...
Nemat espreguiçou-se, abriu os olhos e viu Hadin admirando-a.
–– O que foi? – Disse ela também sorrindo.
–– Nada não... Eu te amo.
–– Eu sei. Soube desde o primeiro dia que você entrou no Ninho, parecendo um pedaço de carne para aquelas garçonetes atrevidas!
–– Nada disso! – Ele riu – Ali eu só achei que você era... – Ele a fitou como se tentasse descrevê-la em uma única palavra – Especial. Me apaixonei por você depois da luta contra Etuniel, quando me entregou seu candeeiro.
Ela virou-se e deitou no peito de Hadin, balançando conforme a respiração dele, enquanto ele brincava com seus cabelos dourados... Poderia ficar ali para sempre!
Mas o "para sempre" durou menos de um minuto, quando alguém bateu na porta. Nemat sentou-se num pulo, segurando o lençol para cobrir os seios.
–– Quem pode ser? – Ela olhou para Hadin intrigada.
–– Não me importo. Pode bater até amanhã, mas eu não vou sair daqui.
Ela riu e voltou a aninhar-se nos braços dele. Mas as batidas foram mais rápidas e mais fortes, seguidas de um grito:
–– Abram a porta, estou a serviço de sua majestade, o Rei Danpo!
Nemat e Hadin entreolharam-se. O rei?! O que o rei de Nalahu queria com eles?
Ambos vestiram-se às pressas, enquanto gritavam para a visita que eles já estavam indo. Um minuto depois, Hadin abriu a porta. O soldado olhou para ele que estava sem camisa e com os cabelos desgrenhados. Porém, Nemat estava pior: com o vestido folgado, já que ela não tinha o amarrado atrás, cabelos bagunçados e descalça, ninguém tinha dúvida do que eles estavam fazendo antes de abrirem a porta.
O soldado apenas a encarou e perguntou num tom tedioso.
–– Você é a dona da casa? Sua vizinha me disse que se o hóspede dela não estivesse na pousada, o Senhor... – Ele olhou para o papel que segurava – Hadin, eu poderia encontrá-lo aqui...
–– Sou eu. – Responderam Hadin e Nemat ao mesmo tempo.
–– Quer dizer, eu sou a dona da casa...
–– E eu sou o Hadin.
O homem parecia estar dormindo em pé, olhava-os com o tédio escancarado, achando tudo aquilo muito patético.
–– Percebi... – Ele entregou o papel para Hadin e virou-se para ir embora.
–– Espere aí! O que é isso?
–– É uma carta de cobrança encaminhada do rei para o tenente. Você está em Nalahu há mais de um mês e ainda não pagou nenhum imposto. Você deve ao rei vinte moedas médias de ouro.
–– Vinte moedas médias de ouro?! Isso é um roubo!
–– Você agiu mal ao não reportar-se à delegacia e pagar seus tributos, agora está pagando com os juros. Se recusar a pagar pode ser preso... Você escolhe.
Devido à precária comunicação de Saas e graças à falta de tecnologia, sonegar impostos era comum, principalmente entre os viajantes, pois os reis costumavam cobrar um absurdo de impostos pela permanência nos reinos. Isso incentivava os turistas e nômades a ficarem em alguma aldeiazinha e, quando intimados, fugirem. Hadin já fizera aquilo centenas de vezes, porém dessa vez era diferente. Leor ainda não tinha voltado e se ele partisse, Nemat ficaria só. E ele jamais a abandonaria.
–– Está bem, obrigado... – Hadin virou-se e fechou a porta. Nemat o encarava com o olhar sombrio.
–– E agora?
–– Sinceramente? – Ele deixou o corpo cair no sofá – Eu não sei...
Nemat sentou-se ao seu lado, desolada.
–– Eu não tenho dinheiro, não posso fugir e abandoná-la e não podemos fugir juntos porque quando Leor voltar... Bem, ao que tudo indica a mãe dele estará morta ou prestes a isso, então ele precisará de um ombro amigo...
Nemat permanecia calada, de cabeça baixa, mexendo distraidamente no vestido branco aperolado...
–– Como ela está? A Senhora Tyane, quero dizer... – Indagou Hadin.
–– A febre vai e volta... Ela se alimenta, caminha, tentando manter-se viva até o filho chegar...
–– Nemat... – Hadin engoliu, tentando dizer da melhor maneira – Quero que se prepare para a possibilidade de eu ser preso...
–– Não!
–– Por favor, não complique as coisas... – Mas ela o abraçou forte.
–– Vamos dar um jeito, eu prometo...
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Eles haviam passado, várias horas atrás, por uma placa que dizia: A partir daqui, estas terras pertencem ao Reino de Alzask. Agora, às oito e pouco da noite, avistavam as luzes de uma aldeia ao longe. Chegariam por volta das dez. Aquela não era a capital, mas, hospedando-se ali, eles poderiam seguir viagem e, se partissem no dia seguinte bem cedinho, chegariam lá à tarde. Pelo menos segundo o velho mapa de Shari.
Ela e Marboh estavam mais próximos, afinal o lobo os salvara dos bandidos. E Shari tinha a sensação de que ele estava vendo-a como uma espécie de mãe, dona, ou qualquer coisa do tipo. Ele era um lobo esperto, tinha percebido a atração entre ela e Leor desde o primeiro dia, quando se conheceram.
Chegando à vila, hospedaram-se numa pequena pousada e logo adormeceram. Estavam cansados... E Shari ainda sentia a ansiedade crescendo conforme se aproximavam da capital de Alzask, para onde Magnus havia fugido. Ela já não tinha certeza se queria vingar-se dele nem o que faria para tal... Tinha medo de perder a confiança de Leor... Precisava bolar um plano para conseguir as duas coisas. Se conseguisse, nunca revelaria para Leor que era uma artista e continuaria fingindo ser guia. Quem sabe mentindo tanto assim a mentira não acabaria virando verdade?
♜ ♜ ♜
O sol se punha e Nemat estava sentada no banco de seu quintal, junto com Hadin, abraçados e calados, como se esperassem um milagre... Os últimos raios de sol que pintavam o céu pareceram iluminar a mente de Nemat, que se levantou num pulo com o coração a mil.
–– Eu já sei!
Hadin olhou pra ela, não estava esperando aquilo e levara um pequeno susto.
–– Sabe o quê?!
–– Como pagar o tributo! Vem comigo.
Ela entregou-lhe a pá que estava perto da plantação de alface e saiu correndo, com Hadin logo atrás.
–– Eu deveria ter pensado nisso antes!
–– Nisso o quê?! Eu não estou entendendo nada!
Eles estavam correndo para fora do vilarejo, subindo um pequeno morro.
–– Se eu te contar você não vai acreditar e é uma longa história, então apenas siga-me!
Chegaram ao topo e Hadin avistou logo abaixo, do outro lado, o cemitério. Havia rosas brancas indicando onde estava cada defunto, já que em Saas eles não utilizam cruz para isso. As flores eram plantadas no rumo onde a cabeça estava enterrada. Eles acreditavam que se as raízes encostassem na cabeça do defunto ele passaria a ser a planta. Era uma forma de mantê-los vivos, mesmo que poucos acreditassem em tal absurdo.
–– Ok, agora ficou mais esquisito... – Disse Hadin encarando Nemat, que olhava tristemente para o local.
Sem responder, ela desceu a pequena colina e caminhou até um pé de rosas azuis. Eram as únicas rosas azuis do local. Ela pegou a pequena pá das mãos de Hadin e, contando três palmos para a direita e dois abaixo do ramalhete de flores, começou a cavar em silêncio. Depois de cavar quase três palmos, tirou um pequeno baú do buraco.
Hadin olhava para tudo aquilo atônito. Nemat girou a fechadura da peça que tinha o formato de uma coruja segurando uma cobra, símbolo do Reino de Nalahu, até esta fazer um clique. Depois abriu. Hadin ajoelhou-se ao seu lado, para ver melhor o que o baú continha: duas coroas, um anel, um colar e um bracelete. Eram jóias maravilhosas... E caras! Ele encarou Nemat, como se pedisse uma explicação.
Já tinha escurecido e a luz do candeeiro mal iluminava o rosto da jovem, que estava com uma expressão indescritível. Olhando para o baú, ela apenas disse:
–– Eram da minha mãe, Ravel... Ela era uma princesa...
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Ai, eu sei que você deve estar pirando aí do outro lado da telinha!! Lembra quando, no primeiro capítulo, eu disse que a Ravel tinha encontrado um poderoso motivo pra sorrir no meio da insanidade que pairava no Ocidente? Então... O poderoso motivo era a sua gravidez... Só que no dia que ela descobriu que estava grávida, foi o dia que Ortis invadiu o castelo, e ela não teve tempo de contar pra ninguém... Parabéns pra quem conseguiu prever! kkk
O QUE ACHAM QUE VAI ACONTECER AGORA??
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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
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