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26: A última batalha - Parte I

XXVI: A última batalha - Parte I

Meses depois


          As dores iam e vinham como ondas de destruição, o útero se contorcendo para expulsar o pequeno ser humano que tinha morado ali por nove meses. Shari respirava com dificuldade, agarrando uma inocente almofada com toda força.

–– Me conta uma história! – Berrou, histérica.

–– Mas... Mas Shari, eu não sou boa com isso! – Gritou, desesperada, Nemat, que estava ao seu lado tentando ajudar – Me conta você! Vamos lá, se distraia um pouco, me conta uma história!

A realeza de Mulber e Jope estava na capital do Reino conhecido por sua beleza, para o nascimento do herdeiro. O restante da Hierarquia dos aliados da Suprema Aliança estava em campos de batalha.

A situação de Palassos era crítica. O Reino de Raboon havia sido totalmente reconquistado e praticamente toda a região de Tenários também já estava livre, tornando a Suprema Aliança indestrutível. Era apenas uma questão de tempo até que o imperador se rendesse, ou fosse totalmente destruído.

No quarto cheio de empregadas eufóricas e uma parteira experiente, esbanjando a paciência e a tranquilidade de quem já vira muitos bebês nascerem, Shari bufou irritada:

–– Eu não estou no clima para contar história!

–– Ih, Majestade, pode ficar tranquila que essa criança ainda vai demorar um pouquinho para vir. – Comentou a parteira.

–– Oh, maldição, deve ter puxado ao pai... Bebê folgado. – Resmungou a Rainha, fazendo a amiga disfarçar o riso.

–– Vamos lá, Shari. Conte-me uma história.

–– Ok... – Ela respirou fundo e tentou esquecer as contrações, focando na história. Não resolvia o problema, mas ajudava – Certa vez, há um longo tempo atrás, havia um bobo da corte e uma dançarina de circo que se apaixonaram perdidamente, e deste amor, nasceu uma garotinha. Ela era alegre como o circo, inocente como uma dança e sonhava com a realeza... Um dia, a dançarina seguiu sua vida, deixando para trás um bobo apaixonado e uma garotinha não mais tão inocente... O bobo cuidou de sua criança com amor e alegria, até que um dia ele também veio a deixá-la, seguindo o curso da vida e virando uma rosa esquecida no cemitério... Sozinha e perdida, a garotinha andou pelas ruas a procura de um lar, até que encontrou um circo ambulante cheio de pessoas que lembravam a família que um dia ela teve. Os artistas não a queriam por perto e, quando terminaram suas apresentações, foram embora da cidade. Eles só não esperavam que a garotinha os seguisse de longe... E assim, depois de uma longa viagem, quando fizeram um acampamento e a menina dormia há alguns metros deles, com medo e tremendo de frio, os artistas perceberam que ela era filha do circo, e um artista jamais abandona o outro... Então, a convidaram para fazer parte da trupe.

Quando terminou, Shari estava de olhos fechados e mais tranquila. Até que foi surpreendida por uma contração e voltou a gritar.

–– Está chegando! – Gritou a parteira – Vamos lá, Majestade, expulse o folgado daí!

–– Nemat! – Gritou ela, agarrando a mão da amiga.

–– Ok, Shari, vou continuar a história, força! – Sem saber se Shari estava ouvindo ou não, Nemat começou a falar descontroladamente – Anos depois, a garotinha havia se transformado numa linda mulher, livre como uma peça de teatro, feliz como o riso do público e ainda sonhando com príncipes e aventuras... Então, um dia, ela encontrou um rapaz, irmão de uma princesa perdida e juntos eles atravessaram o oceano, na companhia de um pirata mandão e um cientista irritante. Eles ajudaram a recuperar o Reino da princesa, ela casou com o turista e teve um lindo bebê! Fim!

E naquele instante um choro de criança ecoou pelo quarto. Do lado de fora, Leor, que andava em círculos, parou abruptamente, rindo loucamente. Próximo a ele estava Hadin, com Dafar no colo. Ao ver o tio rindo, o pequeno Dafar também começou a rir.

Nemat saiu do quarto quase meia hora depois, quando as servas terminaram o serviço. Eram duas horas da tarde e havia uma multidão do lado de fora, com bandeirinhas do Reino e fitinhas azuis, a cor símbolo de Mulber.

–– Parabéns! – Disse, abraçando Leor – Você é pai de um lindo e forte príncipe!

Ele correu para o cômodo, tentando segurar as lágrimas. Porém, no instante em que abraçou Shari e o bebê, elas escorreram como um rio de júbilo. Shari também chorava e passava delicadamente os dedos no cabelinho castanho claro do principezinho.

–– Como é o nome dele? – Perguntou Leor, sentando ao lado da esposa.

–– Kilian. Príncipe Kilian.

Ela lhe entregou o pequeno embrulho e Leor mostrou com orgulho para Nemat e Hadin. Dafar, que ainda estava no colo do pai, olhava curioso para o neném.

Enquanto Leor foi apresentar o herdeiro de Mulber para o povo, do alto da sacada, Nemat sentou ao lado de Shari, lhe entregando um copo d'água.

–– Como sabia que era eu? – Perguntou ela, assim que terminou de beber.

–– Não foi difícil descobrir...

–– Ah, a propósito... – Nemat virou, estava indo encontrar Hadin e Leor – Você é uma péssima contadora de histórias, sem ofensas.


♜ ♜ ♜


Menos de um mês depois, a Suprema Aliança tinha chegado ao limiar da capital de Palassos. O Reino já estava quase todo ocupado e, ainda assim, Ortis não havia se rendido. Toda a realeza da Suprema Aliança, com exceção de Shari e Kilian, estava ali para a batalha final.

Os portões da muralha que cercava a cidade estavam fechados e o exército de Palassos ocupava as ruas da capital Evargom, prontos para morrerem pelo rei. No castelo, Ortis estava sozinho na cúpula, sentado e com o olhar fixo no mapa, embora os pensamentos estivessem distantes dali. Ele pensava em tudo o que havia feito, em como sua vida estava terminando e no fato de que Lavera ainda não o tinha perdoado.

De repente, alguém abriu a porta e entrou. Sem se dar o trabalho de erguer a cabeça, Ortis ordenou:

–– Retire-se. Eu dei uma ordem quando disse que queria ficar sozinho!

–– Não pensei que isso me incluía. – Ao ouvir a voz de Lavera, o rei ergueu a cabeça e a encarou.

Quando Ortis regressara para a capital de Palassos, após perder completamente o Reino de Stuneg, Lavera se mantivera distante, se recusando a lhe dirigir a palavra. E não somente ele, ela também tinha evitado Turze. Quando o general tentou tirar satisfação, a rainha dissera apenas que eles deviam manter as aparências.

–– Não... – Ortis murmurou – Não incluía você.

Ela caminhou até a mesa, parando no outro extremo de onde o marido estava. Sentou quase num ato solene e continuou olhando fixamente para ele.

–– Você deve ter um milhão de coisas para me dizer... – Disse Ortis, frustrado.

–– Na verdade só uma. Por quê?

Ele voltou a olhar para ela, sentada no oposto da mesa, com um lindo vestido branco. Sem tirar os olhos da esposa, respondeu:

–– Lembra-se do dia em que anunciei quem eu havia escolhido para ser minha esposa dentre todas as virgens, filhas de nobres do nosso Reino? – Lavera fechou o punho, tentando afastar a memória. Ortis continuou – Exatamente. Eu não tinha te escolhido.

–– Eu tenho uma boa memória, Ortis. – Lavera estava com um olhar desafiador.

–– Sabe por que eu não te entreguei como uma assassina para...

–– Eu não sou uma assassina! – Ela gritou, batendo o punho na mesa.

Ortis deu uma risada cansada e prosseguiu:

–– Você sabe exatamente quem você é, Lavera. – Ela engoliu em seco, com os olhos brilhando de raiva – Não, ao invés disso eu anunciei você como futura rainha. Sabe por quê? – Ele insistiu, mas Lavera não respondeu – Naquele dia eu vi em você mais do que um lindo rosto, eu vi uma mulher que estava disposta a tudo para conseguir o que queria, exatamente como eu.

–– Aquilo foi um erro... Eu não era assim. – Murmurou Lavera, tentando desfazer o nó na garganta.

–– Foi mesmo? Por que você sabia exatamente o que estava fazendo. – Fitando o nada, Ortis continuou falando, com um leve sorriso de quem recorda boas memórias – Durante os primeiros meses de casada, você era incrível... Tinha uma beleza indomável, não atendia os caprichos de ninguém e parecia desafiar todos que te contradiziam. Você era o pesadelo da minha mãe... Éramos, juntos, dois jovens sonhando que mudaríamos o mundo.

E mudamos, pensou ela. Ortis piscou e voltou o olhar para a esposa. O sorriso havia desaparecido.

–– Mas, então, você mudou. De repente, era apenas uma garota apaixonada, não me encorajava mais a desobedecer às ordens de meu pai, você tinha se acostumado com a vida e as obrigações de futura rainha, tinha se tornado só mais uma nobre do Reino, igual a todas as outras.

–– Então resolveu me trocar, testando uma por uma?!

–– Você sabe que eu jamais amei outra mulher, não como eu a amo. – Ortis tinha um olhar triste, como se tentasse convencê-la do que dizia – Não faz diferença, mas a primeira vez que... A traí... Eu estava tão bêbado que mal sabia o que estava fazendo.

–– Tem razão, não faz diferença.

–– Mas, Lavera, a sua reação me surpreendeu. Você não me atacou, não me ignorou, não transformou minha vida numa confusão. Não, você destruiu a duquesa do sul e, pela primeira vez, depois de um ano, eu via a mulher com quem tinha me casado.

–– Eu não era assim... – Repetiu ela, com menos convicção do que na primeira vez.

–– Tem certeza? – Ortis tinha uma voz serena – Porque eu jamais te forcei a nada.

Eles ficaram em silêncio, com Lavera tentando segurar as lágrimas e Ortis com o olhar perdido. Depois de alguns minutos, a voz do rei soou fraca:

–– Eu realmente sinto muito... Sei que não mereço seu perdão, mas eu vou salvar você dessa, Lavera. Uma princesa escapou da minha conquista, hoje a história vai se repetir. Você será a esperança de Palassos.

Uma lágrima rolou do rosto da rainha. Ela se levantou e deixou a sala, em silêncio.

Assim que viu a rainha saindo da cúpula, Nadish saiu de seu esconderijo e correu para a porta. Ela estava tentando falar com o rei desde que ele chegara à Palassos, porém não havia tido a oportunidade. Pela primeira vez, Ortis se encontrava completamente sozinho e ela não perderia aquela chance.

–– Majestade. – Entrou. Ouviu a reclamação do rei sobre querer ficar sozinho e antes que ele a expulsasse, disse – É sobre o General Turze. Ele o traiu.


♜ ♜ ♜


Assim que Lavera retornou aos seus aposentos, Aika veio ao encontro dela, colocando uma túnica com capuz sobre os ombros da rainha:

–– Pelos céus, Majestade! Eu já estava preocupada. Vamos, não temos muito...

–– Eu não vou, Aika. Sinto muito.

Ela a encarou, completamente chocada. Elas tinham passado dias elaborando aquele plano de fuga, e agora a rainha desistia de tudo? Longos segundos depois, ela perguntou:

–– Eu... Posso saber o motivo?

–– Não consegui me despedir. – Disse Lavera, retirando a túnica e indo até a janela.

–– Mas... Eu... Depois de todo o sofrimento que ele te causou?!

Lavera podia ver o assustador acampamento da Suprema Aliança sitiando Evargom, prontos para invadirem a cidade a qualquer momento. Sabia que provavelmente aquela não era a melhor decisão, mas era a única com a qual ela sabia que conseguiria viver.

–– Você é jovem, Aika. Ainda vai aprender muitas coisas... – Murmurou, tristemente – Uma delas é que o amor nos torna mais fortes, mas também é a nossa maior fraqueza.


♜ ♜ ♜


Turze cavalgou até o castelo, imaginando por que Ortis tinha mandado chamá-lo "com extrema urgência". Quando chegou à cúpula, o rei estava de costas para a porta, com as duas mãos segurando a beira da mesa oval.

–– Majestade, mandou me chamar?

–– Entre e feche a porta. – Ordenou ele, sem se mover.

Quando ouviu os passos de Turze se aproximarem e depois pararem, Ortis virou-se para ele. A cólera lhe atingiu como um soco na boca do estômago e ele caminhou até o amigo. Parou próximo a ele. E, em seguida, deu um murro no rosto dele, fazendo o general cambalear para o lado.

–– Eu o mataria agora... Ela era a minha mulher! E você era o meu amigo!

Depois que Turze recuperou o equilíbrio e compreendeu que Ortis já sabia o que tinha acontecido, vociferou:

–– Era! – Ele mantinha distância do rei, os dois se encarando como búfalos selvagens – Eu era o seu amigo, até você decidir que queria ser imperador e ficar obcecado com isso! Até você se tornar um tirano, mesquinho, filho da p...

–– Eu o mataria agora! – Gritou Ortis, puxando a espada e colocando a ponta na garganta de Turze.

–– Vá em frente. Me mate. Você também vai morrer em algumas horas.

Ortis o empurrou contra a parede e ficou com a espada na garganta dele, encarando Turze com ódio e decepção. Até que, por fim, com uma voz carregada de mágoa, ele pronunciou as mais difíceis palavras que já dissera:

–– Eu só não o matarei agora mesmo, Turze, porque você vai morrer junto comigo daqui a algumas horas, quando Palassos for tomada. Mas, antes, você vai me ajudar a matar a Rainha Nemat.

Primeiro, Turze o encarou, sem acreditar. Em seguida, riu debochadamente:

–– É mesmo, Majestade? Pode me dizer como fará essa proeza?

–– Eu não vou. – Respondeu Ortis, sério. Ele se afastou de Turze e tirou a espada da garganta dele. – Ela vai.

–– Eu não acho que a Rainha Nemat tenha pensamentos suicidas neste momento.

Ortis não respondeu, continuou encarando o general, controlando-se para não decepar a cabeça dele ali mesmo.

E, naquele momento, Turze soube que,independentemente de como terminasse aquela batalha, Ortis tinha ganhado a guerra.    


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Preparem-se aventureiros intergaláticos... O fim desta aventura está próximo :'(


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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
Wattpad.com | 2014
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