24: Uma solução mágica
XXIV: Uma solução mágica
–– Eu não acredito que vocês realmente estão considerando esta possibilidade! – Tenazd estava afobado, o fato de ninguém lhe dar ouvidos estava deixando o cientista muito irritado.
–– Nós vamos tentar, qual é o problema? – Perguntou Nemat. Dafar mamava no colo dela. Era um pouco engraçado ver a situação da rainha: parecia que ela e o filho tinham se tornaram uma pessoa só. Onde ela estivesse, Dafar estava também.
–– Não existe mágica. – Repetiu o cientista.
–– Da mesma forma que vocês diziam não existir monstros marinhos? – Provocou Leor.
–– Admita: você está curioso para saber se dará certo. – Apoiou Shari, sorrindo.
–– Estou preocupado. – Tenazd continuava com a expressão séria – Nós estamos em risco de perder a guerra e vocês aí, perdendo tempo!
Três dias depois, o mensageiro chegou de Avite. Na companhia dele estava um rapaz de cabelos negros, com um chapéu engraçado e olhos curiosos. Ele era acompanhado pelo irmão, uma criança de sete anos, suja de fuligem e olhos igualmente grandes.
–– Olá, majestades! – Cumprimentou o mais velho, alegre feito lebre na primavera – Soube que vocês têm um desafio para mim!
Toda a realeza da Suprema Aliança estava ali, na sala do trono, reunida num semicírculo. Tenazd era o único de pé, num canto da sala. No centro, estavam os dois jovens recém chegados.
–– Bem vindo, Asvadum. – Sorriu a rainha de Avite – Este é o mágico mais famoso de nosso Reino, ele costumava entreter as autoridades de Palassos, quando eles ainda dominavam Avite.
–– Me deixas encabulado, majestade. – Sorriu o garoto, gostando de toda aquela atenção.
–– Ele pode fazer objetos desaparecerem. – Concordou o rei de Avite.
–– Eu estou curioso, Asvadum. – Disse Hadin, com um olhar escrutinador – Se não fosse a palavra de um rei, eu diria que isso é mentira.
Mesmo estando no centro de um círculo repleto de reis e rainhas, o jovem mágico não se deixou abalar. Ele olhou para o irmão e disse:
–– Sim, majestade. Eu posso fazer objetos aparecerem e desaparecerem. Trouxe o presente da Rainha Nemat, pequeno Douv?
–– Já lhe disse para não me chamar assim... – Sussurrou o irmãozinho, fazendo as realezas disfarçarem os sorrisos.
–– É mesmo, desculpe. – Sussurrou de volta o irmão. E, então, tornou a falar alto – O que me diz, Douv?
–– Oh, não, eu esqueci! – Falou o pequeno, batendo a mão na testa, um gesto claramente ensaiado.
–– Não há problemas, posso demonstrar agora mesmo minhas habilidades. – Ele foi até onde estava o trono de Nemat e, enquanto fazia a reverência, fez um buquê de flores aparecer – Para a senhora, majestade.
–– Obrigada! – Nemat estava encantada.
–– Isso é estúpido! – Falou Tenazd, pela primeira vez, saindo do seu cantinho e indo para perto do rapaz, com uma postura ameaçadora – Você estava com o buquê escondido nas mangas deste enorme casaco.
–– Quem é você? – O jovem não tirou o sorriso do rosto, embora estivesse muito chateado.
–– Sou um cientista. Vai precisar fazer coisa melhor se quiser me impressionar.
O sorriso de Asvadum desapareceu. Os dois se encaravam, quando Shari tomou a palavra:
–– Nós o trouxemos aqui porque temos um desafio para você. Sua rainha disse que você era capaz de fazer objetos desaparecerem. Pode fazer isso com uma frota de navios?
O rapaz gargalhou, junto com o irmão. Quando viu as expressões sérias, especialmente a de Tenazd, engoliu em seco, nervoso.
–– Eu... É que... Eu... Uma frota de navios?!
–– Eles são loucos! – Gritou Douv.
O irmão mais velho imediatamente ajoelhou perto do caçula, tapando a boca dele e o repreendendo pela falta de educação. Tenazd foi o único que riu:
–– Eu concordo.
–– Pode fazer isso, Asvadum? – Perguntou a rainha de Avite, esperançosa.
–– Eu não sei! – Os olhos do rapazinho demonstravam, agora, toda a surpresa e temor que ele sentia – Isto é...
–– Insano. – Completou Douv. O irmão tapou novamente a boca dele:
–– Impossível! – Corrigiu ele.
–– Eu disse. – Tenazd se sentia vitorioso. O que não era legal, já que eles realmente haviam perdido tempo. – Você não passa de um charlatão.
A maneira humilhante como o cientista dissera aquilo fez Asvadum se levantar, determinado, e dizer, com uma voz grave e firme:
–– Eu posso fazer isso!
–– Você disse que era impossível. – Lembrou Hadin, desapontado.
Asvadum olhou para Tenazd, que estava de braços cruzados. Queria calar a boca de todos aqueles que sempre duvidaram dele. Voltou-se para a rainha, que olhava para ele sem perder a esperança. O jovem mágico sorriu torto e confirmou:
–– Eu posso fazer o impossível.
Tenazd estava surpreso, de um jeito bom. Queria ver aquele jovem surpreendê-lo.
–– Para isso, eu vou precisar do máximo de areia que puderem me arrumar. Toneladas! Além de duzentos quilos de prata e trezentas moedas de ouro.
–– Isto é um absurdo! – Falou Tenazd.
–– Vamos providenciar o que você precisa. – Garantiu Nemat – Também vamos colocar vinte servos à sua disposição, temos urgência.
–– Eu trabalho sozinho, majestade. Já tenho meu ajudante. – Respondeu o mágico, sorrindo para o irmãozinho.
–– Pra quê você precisa de tanta areia? – Perguntou Tenazd, ainda pensando que o jovem estava os enganando.
–– Um mágico nunca revela seus segredos.
E assim a reunião se encerrou. Na saída, Douv ainda conseguiu roubar um bolinho de maçã.
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Passou-se mais de um mês. A situação de Mulber estava crítica. Jope e Avite enviavam reforços, porém eles próprios tinham outras regiões para defender, de modo que nunca era grande coisa.
E, então, a notícia finalmente chegou. Os trinta e cinco estranhos navios, – que não tinham mastro ou velas – estavam prontos. E Asvadum também.
Hadin, Nemat, Dafar, Tenazd e Collina viajaram, então, para Avite, de onde partiria a cruzada. Lá, eles se encontrariam com as demais realezas, para ver a mágica acontecer. Levavam também soldados e marinheiros, era uma caravana enorme.
–– Eu quero só ver o que esse rapazinho vai aprontar... – Suspirou Tenazd.
–– Sei que não acredita nele... – Respondeu Nemat, sentada na carruagem com Dafar sorrindo no colo. O cientista fazia caretas para o bebê, que gargalhava ainda mais – Mas eu sim, acredito nele, porque é a nossa última esperança...
Quando chegaram à pequena cidade portuária combinada, ela estava apinhada de gente. As ruelas estavam congestionadas como nunca. Encontraram os demais no porto, de onde se podia ver os enormes barcos de guerra.
–– Shari! – Gritou Nemat, ao avistar a amiga. Ambas se abraçaram – Sua barriga já está crescendo, você está linda!
–– Obrigada, você também. E, oh, que filhote mais gostoso! Posso segurar?
–– Claro! – Riu a mamãe coruja.
–– Onde está Asvadum? Até o nome dele é estranho. – Falava Tenazd, procurando o rapaz com os olhos.
–– Está com ciúmes, amor? – Perguntou Collina, com um sorriso maroto.
–– É claro que não.
As majestades de Jope foram encaminhadas para a grande e linda tenda, onde os demais reis e rainhas da Suprema Aliança os aguardavam. Foi, então, que viram o mágico, coordenando o trabalho de dezenas de homens, que pregavam espelhos nas laterais dos barcos.
–– O que, em nome da ciência, ele está fazendo?! – Perguntou Tenazd.
–– Ele vai fazer os barcos desaparecerem. – Respondeu uma criança. Tenazd olhou para ela: um menininho de sete anos, todo sujo e comendo uma fruta. Douv.
–– O que está fazendo aqui? Esta tenda é só para a realeza.
O menino deu língua e ignorou o cientista.
Horas depois e os barcos estavam prontos. Hadin fez o discurso de despedida, encorajando as tropas para a batalha que enfrentariam. Durou apenas alguns minutos e todos ouviram em silêncio.
Depois, os capitães e majores entraram nos navios, acompanhados de um general de cada Reino. E, assim, os navios rumaram para longe da terra.
–– Eles ainda não desapareceram. – Comentou Leor, preocupado.
–– Eles vão. – Garantiu Asvadum – Assim que fizerem o que eu ordenei.
Quando já estavam longe o suficiente da terra, os barcos começaram a fazer uma curva. Estavam colando a lateral de frente para a terra. E, à medida que faziam isso, iam desaparecendo. Até que não se via mais nada no horizonte, apenas o céu e mar.
No porto as pessoas gritavam espantadas. Tenazd observava boquiaberto e maravilhado.
–– Mas é claro, reflexos! Você usou os espelhos para refletir, calculou o grau de inclinação, de modo que...
Asvadum deu uma cotovelada nele:
–– O bonito da mágica é você não explicá-la. Apenas acredite no impossível.
–– Estou chocada! – Disse Nemat, sem fôlego.
–– Eles terão de remar até Mirlence. – Explicou Asvadum – Mesmo assim, vale à pena.
Naquele fim de tarde houve uma pequena celebração na aldeia. Aquela mágica entraria nos livros de História, disso eles não tinham dúvidas. O nome de Asvadum e Douv seriam lembrados para sempre.
Tenazd pegou dois copos de vinho e passou pelas pessoas que dançavam. Eles sofriam demais com a guerra e precisavam aproveitar os bons momentos, era uma maneira de não perderem a esperança. O cientista se aproximou do mágico e estendeu-lhe um copo:
–– Não foi mágica, foi um truque. – O rapaz revirou os olhos, bebendo o vinho – Mas eu vim aqui para dizer que estou impressionado. Parabéns.
Ambos sorriram. O som na música ecoava pela campina e o crepitar da fogueira parecia acompanhar o ritmo, junto com o som das palmas.
No mar, soldados e marinheiros remavam animados rumo à Mirlence. Ortis teria uma grande surpresa...
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Era noite e os navios, distantes da terra, avançavam sem serem notados. A tripulação observava com cautela o acampamento de Mirlence, iluminado por tochas. Eles não haviam soado nenhum alarme, isso só podia significar que a mágica de Asvadum dera certo.
–– Não é que o bastardo conseguiu? – Riu um capitão de Mulber.
Após passarem vários quilômetros além do acampamento, os navios fizeram uma curva e rumaram em direção a terra. Depois as âncoras foram baixadas e o exército desceu nos botes salva-vidas. Eles aguardariam aproximadamente treze horas para atacarem.
–– Não vamos acender fogueira e vamos evitar fazer barulho, entenderam?! – Gritou o general Gharr.
–– Sim senhor! – Responderam em uníssono os soldados.
–– Seus jumentos, eu falei silêncio!
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Dois dias depois que a frota de navios deixara Avite, os reis da Suprema Aliança estavam em Pong, prontos para a batalha que seria decisiva.
–– Acha que eles conseguiram? – Perguntou Hadin, montado no alazão negro dele. Com a armadura, ele facilmente se passaria por um gladiador em nosso mundo.
–– Preciso acreditar que sim. – Respondeu Leor, sem tirar os olhos do horizonte. O cavalo dele era tão forte e rápido quanto o de Hadin, cinza como a armadura do rei.
No topo da pequena colina, todos os reis da Suprema Aliança observavam o campo estendendo-se majestosamente: à direita estava a praia, à esquerda, a floresta litorânea. Entre ambas, uma planície de terra branca, manchada pelo sangue das batalhas anteriormente travadas. O exército de Palassos era, sem dúvida, amedrontador em número, porém a Suprema Aliança estava com o apoio dos quatro Reinos livres. Fora que um deles era habitado por gigantes.
O batalhão de Palassos foi o primeiro a começar a marchar. Hadin gritou:
–– Aguardem, ao meu sinal!
Palassos continuava avançando numa marcha lenta e assustadora. Os reis desceram a colina e foram para a dianteira do exército. Então, Hadin ordenou:
–– Marchar!
Imediatamente, todo o batalhão de milhares obedeceu. Marcharam em silêncio, os olhos brilhando pela adrenalina e o som dos tambores rufando em sintonia com cada coração acelerado pela expectativa. Então, Hadin deu a ordem final:
–– ATACAR!
A cavalaria ia à frente, tão rápida quanto as águias. O vento balançava o pelo dos cavalos, que pareciam monstros em ataque. Palassos também avançava em velocidade e o encontro de ambos os exércitos não poderia ter sido mais atroz.
Em seguida, os soldados entraram em combate, com a areia da praia dificultando os movimentos.
De repente, ouviu-se um som do outro lado da campina, por trás do acampamento de Mirlence. O general de Palassos responsável por aquele exército olhou para trás, bem a tempo de ver um batalhão em marcha. E eles tinham a bandeira da Suprema Aliança.
–– Oh, merda...
Às oito horas da noite, a batalha finalmente terminou, com a morte do general e a rendição dos sobreviventes.
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Ele entrou na barraca em silêncio, não queria acordar a esposa e filho que dormiam tranquilamente. A passos cansados, foi até o fundo da tenda, onde tinha uma abertura que levava ao banheiro. Havia uma bacia com água, algumas velas no canto, um trapo que servia de bucha e um sabão.
Fechou os olhos, foi pior. As cenas da guerra o atormentavam o tempo inteiro. Não somente daquela batalha, mas de cada uma delas. Lembrava-se dos dragões, das vezes que quase morrera, daqueles que ele dilacerou...
Ouviu passos atrás de si e virou-se. Nemat o encarava preocupada. Não queria que ela o visse daquela maneira: sujo de sangue, olhos cheios d'água... Virou o rosto.
Ela foi até ele e, lentamente, o ajudou a tirar a pesada armadura. Pegou a roupa manchada de vermelho e a jogou num canto. Delicadamente, encostou a mão no rosto do marido. Naquele momento, os olhares e o silêncio diziam tudo o que mil palavras jamais significariam.
Nemat pegou o pano, ensopou na bacia e começou a esfregar o peito de Hadin, limpando o sangue seco e desejando que também pudesse lavar sua alma...
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Os soldados esperavam que fossem mortos. Ou escravizados em campos de concentração. Os minutos de espera se arrastavam lentamente, fazendo-os suar frio. Sabiam que a qualquer momento a Rainha Nemat apareceria para determinar seus destinos. Os olhos de uns refletiam pavor, outros demonstravam indiferença e, alguns poucos, ódio.
Quando ela chegou ao acampamento, foi saudada com grande vigor pelo exército e pela realeza da Suprema Aliança. Usava um esplêndido vestido amarelo e caminhou solenemente até um palco improvisado. Os soldados inimigos ergueram a cabeça, se fossem morrer, morreriam com dignidade.
–– Bravos soldados, eu os saúdo! – As palavras brandas e o sorriso afável da rainha deixaram os homens sem reação – Eu sei que estão esperando serem condenados como inimigos... Porém, também sei que vocês são escravos de Ortis e o seu Reino está sob o domínio de Palassos. Vocês não são nossos inimigos, vocês são exatamente o povo que nós éramos alguns anos atrás. E é por isso que, neste momento, eu os ofereço uma escolha: podem se juntar a nós, tornarem-se parte da Suprema Aliança e nos ajudar a conquistar o vosso Reino. Se fizerem isso, voltarão a ser um povo livre e a submissão de Mirlence dará lugar à antiga glória de Raboon. Nós não queremos dominar o seu Reino, queremos que façam parte da nova Suprema Aliança, assim como os seus pais fizeram antes de vocês... – Os soldados ouviam atentamente, não tiravam os olhos da rainha – Ou vocês podem continuar sob o domínio de Ortis e voltar para ele. Quem escolher continuar fazendo parte do Império será escoltado até Tenários, não morrerão por esta escolha.
O silêncio absoluto durou longos segundos. Os homens se entreolharam, confusos e desconfiados. Por fim, um abriu espaço entre a multidão e se aproximou do palanque.
–– Como saberemos que não dominará nosso Reino depois?
–– O objetivo da Suprema Aliança não é estabelecer um novo Império, mas resgatar a liberdade de nossos povos e a paz do continente. Por que você acha que Mulber, Avite e Pong estão livres? – Respondeu Nemat, confiante.
–– Neste caso, nós escolhemos lutar por Raboon! – Gritou o soldado para os companheiros – Por Raboon! – Os demais gritaram "por Raboon" em apoio.
Daquele grupo, apenas quinze soldados escolheram continuar fazendo parte do Império e receberam olhares de desprezo dos companheiros. Eram homens que tinham recebido terras e favores de Ortis. Foi designada uma caravana para levá-los a Tenários, conforme o prometido.
A conquista daquele considerável pedaço de terra não era tão importante quanto à lealdade dos soldados de Mirlence. E Nemat sabia que sua estratégia daquele dia poderia ser uma grande vantagem contra Ortis.
Quando os quinze soldados chegaram ao acampamento onde Ortis estava, foram recebidos como heróis de guerra. Ao mesmo tempo, deixaram o imperador furioso pelos outros milhares que o traíram.
Depois que aqueles soldados foram recebidos por Palassos, começou a correr um boato pelo Império de como a Suprema Aliança era boa e justa, de como ajudavam os outros a recuperarem os próprios Reinos e a liberdade. Era uma fofoca que estava corroendo a lealdade dos dois únicos Reinos que ainda faziam parte de Palassos.
Assim, em alguns meses, metade do território do antigo Reino de Raboon havia sido recuperado. E o povo da região que já estava livre apoiava e lutava ao lado da Suprema Aliança, ansiosos por recuperarem o restante do Reino.
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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
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