21: Você de novo
XXI: Você de novo
Deitada no chão de madeira, vendo as flechas passarem zumbindo, tudo o que Nemat podia fazer era respirar fundo e torcer para que o velho e bom pirata desse conta daqueles soldados.
TB podia ter uma pequena pança, metade da perna esquerda e apenas uma mão, porém lutava como um... Bem, como um pirata. Três dos cinco homens já estavam mortos e o Tubarão tinha acabado de render o quarto, quando o último homem colocou a lança nas costas do oriental:
–– Levante as mãos devagar... Isso... Agora largue sua espada...
O soldado que estava rendido se levantou e deu um pontapé no estômago de TB, que caiu sem fôlego. Enquanto o pirata estava caído, o quinto homem ergueu a lança e se preparou para cravá-la nas costas do pirata... Porém caiu desmaiado para o lado.
–– Mas o quê?! – Ao reparar em Nemat segurando um remo, o outro soldado percebeu o que tinha acontecido – Sua vadia! Filha da...
TB, que tinha acabado de pegar a lança do homem desmaiado, usou para matar aquele que falava.
–– Tenha mais respeito por uma rainha, imbecil!
–– Acho que já podemos ir... – Ela conseguiu balbuciar, trêmula.
–– Também acho. Odeio essa droga de terra, não acredito que quase morri no mar para chegar aqui e quase morrer de novo!
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Hadin estava voltando da batalha, com uma expressão de derrota e sujo de sangue. Montado no cavalo, ele não tinha aquela imagem de um rei soberano com a qual as pessoas estavam acostumadas. Ele parecia um homem extremamente cansado e preocupado...
Quando chegou ao acampamento dos jopes, não podia acreditar na festa que via:
–– O que está acontecendo aqui?! Nós perdemos a batalha!
–– Majestade, é a Rainha Nemat... – Respondeu Bhazun, com uma cara de felicidade contagiante.
Hadin continuou cavalgando devagar em direção ao centro do acampamento, com o coração acelerado. Ao chegar lá, as pessoas que formavam um círculo abriram espaço para o rei. No centro delas estava Nemat, sorrindo e abraçando alguns membros da Hierarquia.
Hadin saltou do cavalo e ficou alguns segundos olhando para ela, com lágrimas nos olhos. Sentia felicidade e incredulidade, como estivesse sonhando. Nemat percebeu sua presença e também o admirou por alguns segundos, antes de correr para os braços dele.
Ambos choravam aliviados, num abraço apertado e sofrido. Hadin foi o primeiro a sussurrar:
–– Eu achei que nunca mais ia te ver... Pensei que a tinha perdido para sempre!
–– Eu estou grávida...! – Nemat chorava e sorria ao mesmo tempo, enquanto o marido só conseguia abrir a boca sem dizer uma palavra – E pensei que não conseguiria te contar...
–– Meu amor, eu... – Hadin começou a rir, nervoso – Eu te amo!
Eles ainda estavam chorando, abraçando e beijando, quando alguém comentou em alto e bom som:
–– Você não perde tempo, hein, Hadin?! – O rei se afastou da rainha e ia tirar satisfação pela falta de respeito, porém quando viu TB de pé comendo uma goiaba, quase caiu para trás. O movimento arrancou uma gargalhada do pirata.
–– Você! – Ele riu nervoso, passando a mão pelos cabelos e tentando organizar os pensamentos – Parece muito com alguém que conheci.
–– E você... – Tubarão deu um murro no ombro do amigo – Merece ser jogado ao mar e virar petisco de sereia por ter sido um péssimo marujo! Deixou seu capitão quase morrer afogado! Onde já se viu?
–– Pela tumba do meu avô, É VOCÊ MESMO!
–– Não... Sou seu gêmeo perdido, cabeça oca.
Hadin não conseguiu evitar a risada e abraçou o amigo. De repente, parecia que não tinha mais uma guerra a ser vencida e era como nos velhos tempos: apenas um grupo de amigos loucos e aventureiros.
–– Ouvi dizer que você prometeu uma recompensa para quem me resgatasse... – Comentou Nemat.
–– É sério isso? – Os olhos de TB se iluminaram.
–– Oh, querida, você tinha que lembrar?
–– Pode passar a grana pra cá, rapaz! – O Tubarão mais parecia um pirralho que acabou de descobrir que vai ganhar um doce – Conhece algum bar por aqui? Faz tempo que eu não tomo umas!
–– TB! – Repreendeu Nemat.
–– Nós estamos em guerra! – Disse Hadin, subitamente se lembrando da situação – Você vai receber uma barraca e poderá descansar. Vou providenciar a entrega da sua recompensa. – Eles estavam saindo, quando o nômade se lembrou – Ah, tente se comportar.
–– Eu nunca faço promessas que não pretendo cumprir. – Respondeu com uma piscada.
–– Foi bom te ver de novo... – Sorriu o amigo, antes de entrar na barraca com a esposa.
Assim que entraram, Hadin a beijou como se estivessem há anos sem se ver. Sentado na cama com ela no colo, Nemat passava os dedos no cabelo dele, enquanto o marido permitia que seu peito fosse preenchido por alegria. Pelo menos por alguns minutos se permitiria sentir bem.
–– Eu vou ser pai? – Perguntou, finalmente, ainda emocionado.
–– O melhor pai do mundo!
–– Nemat... Estamos perdendo a guerra.
–– Já estivemos nessa situação antes, vamos superar. – Ela beijou o topo da testa dele e depois deitou a cabeça no ombro – Foram os piores dias da minha vida...
–– Eu não posso nem imaginar.
–– Hadin, ele matou meu pai.
–– Eu sinto muito... – Abraçando ainda mais forte a esposa, tentou reconfortá-la – Shari e Tenazd precisam saber que você está bem. Vou mandar mensageiros para eles. Oh, e não vão acreditar quando souberem do Tubarão!
–– E o Leor? Onde ele está? E o Marboh! Por favor, me diga que ele...
–– Ele está bem! – Nemat suspirou aliviada, tinha se sentido tão mal por ter gritado com o lobo – Não está inteiro, mas está bem.
–– Como assim? Do que está falando?!
–– Marboh vai ficar bem e o Leor em breve estará aqui, ele foi te procurar e se não te encontrou, vai voltar. Agora precisamos pensar em como vamos vencer essa guerra.
Nemat engoliu em seco e respondeu, fitando o nada:
–– Nós vamos vencer porque precisamos ganhar. Ortis vai pagar por cada vida tomada... – Quando Nemat voltou o olhar para Hadin, ele sentiu o coração se apertar com medo de perder a mulher que amava – Vamos contar ao povo sobre o bebê. Isso lhes dará mais esperança.
♜ ♜ ♜
O que aconteceu nos dias seguintes jamais poderia ser registrado com fidelidade.
Primeiro houve o reencontro de Leor e Nemat. Entre abraços e lágrimas, eles fizeram uma promessa: jamais deixar o outro na mão. E quando Nemat viu Marboh, foi impossível segurar as lágrimas. O lobo mostrava-se feliz em revê-la, sem se importar ou lembrar o preço que aquele reencontro havia lhe custado.
Depois houve o reencontro de Tubarão Azul e Leor, que foi... Bem, bastante peculiar. Leor não queria acreditar que o homem a sua frente era o lendário pirata, então TB deu um murro nele para provar ser ele mesmo. Depois de uma briga com alguns socos e chutes, o rei finalmente se convenceu de que aquele era realmente o Tubarão.
–– Me reconheceu pelos meus golpes impressionantes, não foi? Fale a verdade! – Gabava-se o pirata, rindo e limpando o pó da roupa.
–– Na verdade, foi pelo cheiro... Aqui no ocidente nós também costumamos tomar banho, sabia?
Naqueles dias, houve também a batalha que ficou conhecida como Batalha dos Lampiões. Foi entre Mulber e Palassos, liderada por Shari, uma guerra tão criativa quanto a Luta das Abelhas. Os mulbers usaram os ratos que estavam infestando o acampamento numa armadilha contra Palassos: soltaram os bichos na Floresta Roxa, perto da fronteira com Mirlence. Quando os ratos passaram correndo por lá, acabavam tocando nas Plantas-Lanternas e os cogumelos se acendiam.
Ao ver a floresta acesa em tons de roxo e azul, os soldados de Palassos pensaram se tratar de um ataque dos mulbers. Quando adentraram a mata, o exército de Mulber atacou por trás, encurralando-os. Fora a primeira guerra liderada por uma rainha. E é claro que o fato ficou devidamente registrado nos livros das histórias de guerra.
Depois da batalha, quando receberam a notícia dos mensageiros, Shari e Tenazd retornaram para o acampamento principal de Jope, deixando o batalhão aos cuidados de um general. E o encontro deles com Nemat e TB também não poderia ter sido diferentemente hilário e emocionante.
Tenazd foi o primeiro a pular no pescoço do pirata, abraçando e rindo como uma criança ao ganhar o primeiro cachorro. Não que essa seja uma boa comparação...
–– Larga o meu pescoço, cientista frango maluco!
–– É bom te ver também, pirata cavalo idiota!
–– Se vocês já terminaram os elogios, é a minha vez... – Shari riu, abraçando TB o mais forte que podia – É tão bom te ver de novo! – Gritou, quase deixando o pobre homem surdo.
–– Obrigado, querida, é muito bom te ver também. Continua namorando aquele marujo retardado?
–– Ei, eu estou bem aqui!
–– Na verdade, não. – Os olhos de TB se arregalaram. Não de felicidade, mas de surpresa – Estou casada com ele.
–– Ah, Shari... – Riu o pirata, apoiando o braço no ombro dela – Você merecia coisa melhor, mas tudo bem... Sorte sua, Leor! – Depois de olhar para os lados e com as mãos cruzadas, o Tubarão desabafou – É incrível! Você passa alguns dias "morto" e, quando aparece, seus amigos já casaram, engravidaram... Bom saber que eu faço tanta falta!
E, então, as coisas pioraram para a Suprema Aliança. Depois de cinco dias de batalha intensiva, os Reinos demonstravam os primeiros sinais da derrota, com os acampamentos apinhados de feridos e os números dos mortos crescendo a cada dia.
Naquela tarde, Collina estava regressando para o acampamento com o grupo de arqueiras, quando viu Tenazd correndo para o frente de batalha, segurando objetos de primeiros socorros.
–– Aonde você vai?
–– Eu... – Tenazd parou, com uma expressão de susto e emergência – Sinto muito, é o Sical.
Ela imediatamente largou o arco e fecha e começou a correr em direção à batalha.
–– Collina, espera!
Sical estava deitado, com uma lança na barriga. Um enfermeiro puxava para fora o objeto, fazendo o outro urrar de dor.
–– Sical! Sical, por favor... – Ela caiu de joelhos, chorando.
–– Collina... – Murmurou o homem, antes de começar a tossir sangue.
Tenazd chegou e dispensou o enfermeiro, que foi cuidar de outras pessoas. Começou a tirar os remédios da pequena bolsinha, quando sentiu a pesada mão de Sical sobre a dele.
–– Não... desperdice comigo...
–– Besteira! Tenazd, pegue logo isso e ajude ele!
Sical não olhava para Collina, nem prestava atenção no desespero dela. Ao invés disso, encarava fixamente o cientista.
–– Cuide... bem... dela...
–– Sical, não!
–– Eu vou. – Balbuciou Tenazd, encarando o guerreiro – Prometo. – Sical tossiu e ele tentou ajudá-lo, virando sua cabeça levemente para o lado – Me desculpa...!
Então Sical olhou para Collina uma última vez antes de fechar os olhos.
Ela chorava desconsoladamente e nem reparou quando Tenazd levantou e saiu praticamente a arrastando do campo de batalha. Ele sempre quisera que Sical os deixasse em paz, porém nunca daquela maneira!
Quando completou uma semana de batalhas intensivas, que viria a ser lembrada como Semana dos Mortos, Palassos finalmente recuou. Também não tinham condições de manter um ritmo acelerado e precisavam recuperar. Em todas as fronteiras, haviam cidades destruídas e milhares de corpos precisando ser identificados e enterrados.
E assim houve um mês de trégua.
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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
Wattpad.com | 2014
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