15: Suprema Aliança
XV: Suprema Aliança
Dois dias depois que Ortis havia chegado ao acampamento de Tenários, houve a primeira batalha. Ainda era de manhãzinha quando os jopes ouviram a trombeta de guerra soando pelas montanhas e planícies. Eles tomaram posição e avistaram o exército de Ortis estendendo-se como grãos de areia num deserto, marchando contra eles.
-- Mensageiro! - Chamou o coronel que liderava aquele batalhão - Envie um alerta para o rei. Diga que não conseguiremos resistir até a tropa dos canhões chegarem, precisamos de reforços. Rápido!
O homem correu como o vento e montou no cavalo, que saiu a toda velocidade em direção à Prata, capital de Mulber. No campo, os dois exércitos se encontraram numa plantação de arroz. A batalha durou quase dez horas e, no final, os palassins tinham conseguido obrigar os jopes a recuarem alguns quilômetros.
Na fronteira com Neribel, o antigo Reino de Avite, os jopes não tinham autorização para atacar, apenas se defender. Portanto, o batalhão permanecia acampado, esperando novas instruções, enquanto que o exército de Ortis em Neribel aprontava-se para a guerra.
-- Majestades. - Um homem alto e loiro se apresentou no castelo de Mulber. Ao seu lado estava o companheiro, um moreno, baixinho e musculoso - Estamos prontos. - Concluiu, fazendo uma reverência.
-- Sejam fortes e corajosos. - Sorriu Shari - E voltem o mais rápido possível.
-- Três dias seria o ideal. - Apoiou Leor.
O plano era enviar espiões a Pong, para avaliar o Reino e, em seguida, planejar o ataque, que deveria ser rápido e brutal. Não poderia haver margem para erro, o elemento surpresa era a melhor opção.
Um dia depois, enquanto os espiões ainda cruzavam o Reino rumo à Pong, chegou o mensageiro com o pedido do coronel.
-- Por que a tropa de canhões ainda não chegou ao front de Tenários? - Resmungou Nemat, irritada.
-- Eles não estão atrasados. - Lembrou Hadin - Só não esperávamos que Ortis atacasse agora...
-- O que faremos para ajudá-los? - Perguntou Collina, aflita.
-- Não temos batalhões suficientes para enviar um reforço... Eles vão ter que aguentar. - Lamentou a rainha de Jope.
-- Majestades... - A voz do duque do oeste propagou-se no silêncio - Talvez haja outra maneira de ajudá-los, com um reforço não-humano.
-- Do que está falando?! - Perguntou Leor.
-- O oeste de Jope é conhecido pela produção de mel. - Continuou a duquesa - Nós mesmos temos uma grande fazenda produtora.
-- Você já viu uma abelha pessoalmente? - Perguntou o duque.
-- Não, mas já ouvi falar... - Comentou Sical, desconfiado.
-- É do tamanho de uma palma da mão. - Continuou o duque, mostrando a mão aberta - Se for picado, você passa vários dias doente. Leve mais de uma picada e é morte na certa.
-- Estão planejando usar abelhas na guerra?! - Perguntou Tenazd, achando engraçado e engenhoso ao mesmo tempo - Como?!
-- Nós criamos abelhas há centenas de anos, é um negócio de família e, para isso, tivemos que aprender a entendê-las. - Sorriu a duquesa do oeste, gabando-se da produtividade da região - Aprendemos, por exemplo, que tocando determinadas notas de flauta, numa determinada frequência, é possível atrair as abelhas. E que elas não suportam cheiro de limão.
-- Se nos permitirem, majestades, sairemos imediatamente ao front de Tenários. E levaremos um esquadrão de abelhas como nunca visto antes. - Concluiu o duque.
-- Eu não sei... Como saberemos que as abelhas não atacarão os nossos soldados? - Hadin estava sentado numa cadeira observando o mapa e não parecia nem um pouco contente com aquela ideia.
-- Eu posso garantir que isso não vai acontecer se eles seguirem nossas recomendações. E dará tempo suficiente para o reforço dos canhões chegarem. - Prometeu o duque.
Nemat e Hadin trocaram olhares e, então, a rainha ordenou:
-- Tudo bem, podem ir. E mandem notícias assim que possível.
Ortis estava terminando de se aprontar para outra batalha, quando chegou o mensageiro que Turze havia enviado. O homem estava branco e de olhos arregalados.
-- M-Majestade.
-- O que o general de Mary Ville disse? - Perguntou ele, afivelando o cinto.
Quando Turze entrou na tenda de Ortis, o Imperador estava gargalhando.
-- O que aconteceu? - Perguntou, confuso.
-- A princesa de Jope me enviou uma mensagem! - Gritou Ortis, que já não estava mais rindo. Pelo contrário, o rosto estava vermelho de raiva - A vadia conquistou Mary Ville! Como ousa?!
-- Espera... Ela já conquistou? - Turze estava admirado.
-- Não fique aí parado! - Bufou Ortis - Envie imediatamente uma convocação para os exércitos de Mirlence e Forte, quero todo o meu Império esmagando esses miseráveis!
Pela primeira vez, Ortis levava a sério aquela rebelião.
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O homem tinha quase quatro metros de altura. Parecia uma árvore andando lentamente e desengonçadamente. Nos enormes pés havia uma forte corrente, presa a uma gigante bola de ferro. Perto dele, dezenas de outros gigantes trabalhavam duro cortando pedras.
-- Eles são escravos! - Comentou baixinho, o espião moreno.
-- É assim que os palassins dominam os pongs por tanto tempo! Os gigantes estão literalmente presos! - Cochichou o outro.
-- Faz sentido... Se não fosse assim, na primeira rebelião desses monstros os palassins seriam esmagados! Vamos, precisamos contar isso ao rei.
Os dois espiões, escondidos detrás dos pinheiros, deram meia volta para sair, quando perceberam que um gigante os encarava. Com as sobrancelhas franzidas, ele não parecia nem um pouco contente e espião loiro teve que se controlar para não fazer xixi nas calças.
-- Vocês não são palassins. - Falou o gigante, com a voz gravíssima e arrastada.
-- Shhhhhh. - Disse o espião moreno, colocando o dedo nos lábios - Não, não somos. Nós vamos derrotar os palassins para vocês.
O espião loiro estava petrificado de medo e o companheiro teve que cutucá-lo para que saísse correndo. Enquanto os dois homens voltavam para Mulber, escondendo-se nas sombras da floresta, um soldado se aproximou do gigante e gritou:
-- O que está fazendo aí parado?! Quer ver sua família passar fome hoje?!
-- Nada não, só estava descansando um pouquinho... - Respondeu o gigante, voltando ao campo de extração de rochas. A exaustão devia tê-lo feito imaginar dois vermezinhos - a forma que usavam para chamar os humanos normais - falando besteiras. É isso aí, devia ter sido a sua imaginação.
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O acampamento dos jopes na fronteira com Tenários estava repleto de feridos. Ortis já tinha ganhado duas batalhas e o coronel de Jope sabia que eles não resistiriam a uma terceira. Ainda mais que o tempo entre uma e outra era curto demais! Foi quando chegou um mensageiro, trazendo uma carroça com, aproximadamente, trezentos quilos de limões:
-- Salve! Tenho uma mensagem do Duque Jarmon. Ele disse que dentro de algumas horas estará aqui com um enxame de abelhas, portanto...
-- Do que está falando, homem? Bebeu? - Grunhiu o coronel, irritadíssimo.
-- Não, estou perfeitamente sóbrio. - Antes que o coronel o interrompesse novamente, o mensageiro saltou da carroça e continuou - Aqui estão os limões, mande seus homens untarem as roupas com eles. Se não der para todo mundo, quem não estiver untado em limão deverá ficar perto de quem esteja.
-- E por que devemos nos perfumar? Para morremos fedendo a limão?! - Bufou o coronel, que não conseguia entender a estranha mensagem - Você entregou meu recado ao rei?!
-- Claro que sim! Agora preste atenção: o Rei Hadin e a Rainha Nemat disseram que o carregamento de canhões não chegará a tempo para ajudá-los. Por isso, os duques desta região estão vindo aí com um enxame de abelhas. Se quiserem sobreviver ao ataque, devem fazer exatamente o que eu mandar!
Perto das quatro da tarde, Ortis marchava com seu exército para mais uma batalha contra os jopes. Ele esperava que fosse a última, antes da invasão ao Reino.
Do outro lado da colina, o Imperador podia ver o pequeno exército, como ovelhas indefesas.
-- Marchem! - Ordenou, fazendo o batalhão avançar lentamente.
Quando ainda estavam longe, Ortis avistou os jopes começarem a se deitar no chão.
-- O que eles estão fazendo?! - Perguntou para Turze, que marchava ao seu lado.
-- Se rendendo? - Ele também não entendia a estranha reação do inimigo.
-- Bando de filhos da... - De repente ouviu-se um estranho som ecoando pela planície verde - O que é isso?!
-- Majestade, eu não faço ideia! - Turze estava completamente confuso - Acho melhor pararmos de avançar.
-- Parem! - Ordenou o imperador.
O som agudo foi ficando mais claro à medida que se aproximava deles. De repente compreenderam: era uma música de flauta.
-- O que esses miseráveis estão fazendo? Tocando música de ninar e dormindo?! - Ortis resmungava confuso e irado.
Dois cavalos, um na direita e outro na esquerda, passaram pelos jopes que estavam deitados no chão e continuaram avançando em direção ao exército dos palassins. Entre os dois cavalos havia o que parecia uma nuvem negra, e um som estranho agora ofuscava o da flauta.
-- Majestade. - Turze encarou o amigo, esperando uma ordem.
-- Atacar!
Ortis permaneceu imóvel, enquanto Turze e o batalhão avançavam a toda velocidade na direção dos jopes e da nuvem negra.
Quando os músicos estavam a uma distância segura do pequeno exército de Jope e próximos o bastante do batalhão de Palassos, eles simplesmente pararam de tocar a música. E as abelhas, que estavam seguindo o som, ficaram, por um minuto, perdidinhas.
Turze estava a apenas alguns metros quando uma abelha o picou. E, no mesmo instante, entrou em pânico:
-- RECUEM! É UMA ARMADILHA! RECUEM AGORA!
Já era tarde. As abelhas sentiram a presença deles e atacaram para se defender. A confusão foi geral: os cavalos picados saiam correndo desesperados, pisoteando tudo pelo caminho. Homens gritavam e se contorciam no chão, inchando rapidamente à medida que as enormes abelhas picavam enlouquecidas.
Meia hora depois, o chão estava coberto de corpos: humanos deformados, cavalos e abelhas mortas. Era uma cena terrível que nem os mais bravos soldados conseguiam ver sem o estômago embrulhar. Aquela batalha ficou conhecida como A luta das abelhas, registrada na história como a mais cruel de Saas.
No acampamento de Ortis, apenas algumas centenas de soldados conseguiram escapar com vida. A maioria picados, urrando de dor. Entre eles, estava Turze, que se contorcia numa maca.
-- Ela pagará por isso. - Jurou Ortis, observando os poucos soldados saudáveis ajudando as enfermeiras a tratarem os companheiros.
No dia seguinte, os jopes foram até o front de guerra, recolher os despojos. Porém, ao se depararem com a cena, não conseguiram e acabaram voltando para o acampamento.
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Nemat estava deitada num dos quartos do castelo, sentindo a cabeça rodar e uma ânsia de vômito. O café da manhã parecia não ter lhe feito muito bem.
-- Querida? - Ela sentou quando Hadin apareceu na porta do quarto - Os espiões voltaram. Vamos nos reunir. Você está bem?
-- Estou bem. Vá na frente que eu já chego lá. - Sorriu a esposa, tomando um copo d'água na esperança de melhorar.
Na sala, os dois homens contavam tudo o que tinham visto em quase um dia de observação:
-- É uma chantagem: os gigantes trabalham escravizados, se desobedecerem, suas famílias não recebem o alimento diário.
-- Devemos atacar de madrugada, foi quando os palassins demonstraram maior vulnerabilidade. - Concluiu o outro.
Assim, enquanto parte do exército de Mulber marchava em direção à Pong, o front de Tenários estava parado, com ambos os exércitos se recuperando. Sem contato com Ortis, o batalhão de Neribel finalmente atacou os jopes, que se defenderam muito bem.
Na madrugada do terceiro dia, desde que saíram em marcha, o batalhão de Mulber cruzou a fronteira de Pong. E, desta vez, estava fácil saber quem matar: se uma pessoa tinha altura normal, matavam-na.
Por ser o menor Reino de Saas, em pouco mais de um dia, todos os palassins que residiam ali haviam sido aniquilados.
A capital do Reino ficava à beira mar, era a enorme e suntuosa cidade de Xiron. As casas redondas eram feitas de rochas e cobertas por relva, de modo que parecia uma cidade milenar. Bem, na verdade era mesmo uma cidade milenar.
-- Quem é o líder de vocês? - Perguntou Nemat, quando o último gigante teve as correntes cortadas.
Um deles se aproximou lentamente e ameaçadoramente. O exército de Mulber prontamente apontou as lanças da direção do gigante.
-- Está tudo bem, abaixem essas armas! - Ordenou a rainha.
O homem se ajoelhou, pretendendo ficar quase da altura dela. E então, apontou o dedo para ela:
-- Você! O que quer conosco? Veio para nos dominar?
-- Não. - Nemat ergueu a cabeça, tentando passar um ar de autoridade - Nós libertamos vocês porque queremos um aliado contra Palassos.
-- E quem são vocês? - Riu o gigante.
-- Eu sou o rei de Mulber. - Disse Leor, numa postura de desafio.
-- E eu sou o rei de Jope. - Apoiou Hadin, cruzando os braços.
-- O que é isso? Uma nova Suprema Aliança? Vocês sabem que Pong nunca se misturou com os vermezinhos! - Com a voz grave, o gigante parecia irado - Não precisávamos de ajuda!
-- Claro que não... - Murmurou Shari, baixinho para ele não ouvir.
-- Sim, pode-se dizer que estamos resgatando a Suprema Aliança. Mas, se vocês não quiserem "se misturar" conosco, não há problemas! - Garantiu Nemat - Mas, vocês não querem vingança? Ou vão deixar os palassins impunes por tudo que fizeram ao seu Reino?
Os gigantes bufaram irados. O líder deles olhou para trás e percebeu que os companheiros queriam se juntar à batalha.
-- Está bem! - Gritou - Os pongs se unirão aos vermezinhos para derrotar os outros vermezinhos. Mas, depois da guerra, voltaremos a ser um Reino isolado!
-- Primeiro: dá pra parar de nos chamar de vermezinhos?! - Resmungou Leor.
-- Mas nós não temos um rei! - Observou o gigante, ignorando Leor.
-- Neste caso, com todo o respeito, o problema é seu. - Bufou Shari, estava estressada com aqueles gigantes burros e ingratos.
-- Vocês têm uma semana para se organizarem. Depois disso, estejam prontos para juntarem-se à batalha. - Concluiu Nemat.
Naquele mesmo dia, o exército de Mulber iniciou o retorno para casa.
Rapidamente, o que parecia uma mera rebelião para Ortis, estava tomando proporções de uma segunda guerra continental: agora já eram Jope, Mulber e Pong contra o Império de Palassos, formado por Avite, Stuneg, Raboon e o próprio Reino de Palassos.
Belkiron estava nervoso, com medo, ansioso, tudo junto e misturado. Ele cavalgava próximo aos outros três generais, protegendo a carruagem onde estavam Nemat e Hadin.
Terei de sequestrá-la. Pensava ele, com as mãos suando frio. E terá de ser logo.
Com as coisas correndo do jeito que estavam, se Belkiron demorasse demais, acabariam descobrindo a verdadeira identidade dele e aí seria um homem morto. E mesmo se não descobrissem, ele não estava conseguindo muita coisa como infiltrado... Ortis devia estar desapontado.
Na primeira oportunidade que tiver... Prometeu a si mesmo.
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Ok, muita coisa para absorver com esse capítulo...
Comenta aí o que está achando da segunda parte de ALDS! ^^
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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
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