13: Fofocas e códigos
XIII: Fofocas e códigos
Três dias depois, enquanto os mensageiros de Ortis ainda estavam a caminho para entregar a convocação dos batalhões do Império, quase todo o exército de Nemat encontrava-se próximo da Cordilheira Branca, a alguns quilômetros da fronteira com Mulber.
Numa tenda, a Hierarquia discutia como fariam aquilo:
–– Não podemos simplesmente invadir o Reino e sair matando todo mundo. Não queremos aniquilar os mulbers... – Falava Nemat, andando de um lado para outro, frenética.
–– E como saberemos quem está a favor do Império e quem ainda é fiel ao Reino?! – Perguntou Tenazd, coçando a cabeça.
Todos na sala começaram a falar ao mesmo tempo. Hadin e Leor discutiam pontos divergentes, Shari e Collina tentavam imaginar uma maneira de tomar o Reino, e Tenazd e Sical contrapunham todas as ideias que elas apresentavam, até que um grito soou mais alto que o burburinho:
–– Eu vou tirar a roupa! – O silêncio foi imediato e todos voltaram o olhar para Bhazun – Eu sabia que não suportariam ver essa cena ridícula... – Riu o idoso.
–– Você tem uma ideia, duque? – Perguntou Nemat, com os olhos brilhando de esperança.
–– Claro que não! Mas ninguém terá uma boa ideia nessa bagunça...!
–– Acho que estamos nos precipitando. – Comentou Belkiron – Não devemos atacar Mulber agora, precisamos nos preparar melhor. – Ele falava analisando o mapa, como quem não quer nada. Por dentro, estava morrendo de ansiedade. Sabia que Ortis não estaria pronto para aquele ataque, e Jope conseguir um aliado era uma vantagem que ele não permitiria.
–– Está enganado, general. – Falou Leor – Esta é a nossa melhor chance. Talvez a única.
–– A capital de Mulber não é muito longe da fronteira... – Observou o General Raden.
–– E daí?! – Grunhiu o terceiro general, Gharr. Com o olhar concentro, ele parecia ainda mais psicopata – Não adianta invadir a merda da capital se...
–– Por que vocês não perguntam qual é a minha opinião? – Falou a garota que havia levado a mensagem alguns dias antes.
–– Quem é você?! – A pergunta de Belkiron soou como se estivesse menosprezando-a. Na verdade, ele estava surpreso por não ter reparado na presença da garota, sentada num cantinho da tenda.
Ela se levantou, impondo moral e com as mãos no quadril:
–– Meu nome é Liriann. Sou campeã mundial de escalada na Montanha do Dragão e tricampeã de Luta Bestial. – Todos ficaram boquiabertos. Aquela montanha era o ninho dos dragões que moravam em Avite, e a luta consistia em enfrentar três oponentes e uma besta fera marinha, ao mesmo tempo.
–– O que uma maldita esportista faz aqui? – Cuspiu Belkiron, quase rindo de nervoso.
–– Desculpem a minha falta de consideração, deveria ter apresentado-a antes... – Nemat balançou a cabeça e continuou – Liriann, esta é a nova Hierarquia de Jope. Senhores, esta é Liriann, a jovem que nos trouxe a mensagem.
–– Você tem um plano? – Perguntou Shari, lembrando o que havia dito.
–– Mais ou menos. – Ela se aproximou da mesa onde estava o mapa e confessou – Eu sou a líder de um grande grupo de rebeldes.
–– Nunca ouvi falar de vocês. – No instante em que disse isso, Belkiron se arrependeu, receoso de que desconfiassem dele.
–– Somos uma sociedade secreta, por assim dizer. Nunca guerreamos ou fizemos rebeliões, nossos ataques são mais... Discretos. Geralmente assaltamos os mensageiros imperiais e roubamos as cartas para Ortis, ou simplesmente trocávamos os bilhetes, estragando a administração do Imperador. Certa vez, ao invés de decapitarem um rebelde, vinte e nove presos políticos foram soltos, graças às nossas interferências.
Belkiron lembrava-se do ocorrido. Um colega seu, que também era líder de Fiscais, havia sido morto por isso, acusado de traição. Ele sentiu a boca tremer pelo ódio, a vontade era matar a linda garota ali mesmo.
–– Impressionante. – Sorriu a duquesa do centro-oeste.
–– Me dêem uma semana e eu conseguirei organizar os rebeldes de tal forma que, quando invadirem, saberão exatamente quem matar e quem poupar.
–– Uma semana é muito tempo. – Disse Hadin – Você tem quatro dias. No quinto invadiremos.
–– Impossível! – Riu Liriann.
–– Difícil, mas não impossível. – Garantiu Tenazd.
–– Podemos espalhar a notícia como uma corrente. Elo por elo, até que todos saibam. – Falou Collina.
–– Acredite em mim, não existe nada mais rápido do que a fofoca. – Riu Leor.
–– Eu não sei... – Liriann estava insegura e Belkiron aproveitou:
–– Eu não acredito que dará certo.
–– Onde está seu espírito jopiniense, bastardo?! – Bufou Gharr, dando um murro no ombro do colega e quase o derrubando.
Belkiron recuperou o equilíbrio e se aproximou do general, de cabeça erguida, num gesto de desafio. Eu não tenho a merda desse espírito, pensava ele.
–– Acalmem-se amigos. – Falava o terceiro general, colocando-se entre eles. Tão magro que era caberia até entre os dedos de um pernilongo!
–– Podemos usar um código! – Gritou Tenazd de repente, empolgado.
–– Liriann, avise a população que no quinto dia, contando a partir de amanhã, Mulber será invadida. Mulheres, crianças e idosos devem permanecer em casa até segunda ordem. – Começou Hadin.
–– Todas as residências dos fiéis ao Reino devem colocar roupas verdes no varal. Apenas roupas verdes. Uma peça para casa membro da família. As casas que não tiverem roupas verdes nos varais serão saqueadas e os residentes, mortos. – Completou Nemat.
–– Entendi. E quanto aos homens? – Perguntou Liriann, trêmula.
–– Deverão usar chapéus azuis... – Hadin começou a dizer, porém foi interrompido por Sical:
–– Chamará muita atenção. Imagine: um bando de idiotas usando chapéus azuis!
–– O que sugere, então? – Resmungou o rei.
–– Algo fácil de identificar, porém não tão óbvio. – Comentou Shari – Como um cinto!
–– Cinto azul, perfeito. – Aprovou Bhazun.
–– Os homens devem estar preparados para juntarem-se à batalha. – Continuou Nemat – Depois que invadirmos pelo sul, nos dividiremos em três batalhões: um seguirá para o norte, outro para o leste e outro para o oeste. Todo aquele que não estiver usando o cinto, será morto.
–– Cada general seguirá um rumo diferente. – Terminou Hadin.
–– E vossas majestades? – Perguntou Belkiron, receoso de deixar Nemat sozinha. Ou melhor: longe das garras deles.
–– Ficaremos na capital. – Decidiu o rei.
–– Cuidaremos da restituição da Hierarquia de Mulber. – Apoiou a rainha.
–– É melhor eu me apressar. – Liriann pegou a pequena mochila dela – Afinal de contas, a vida de meu povo depende dessa fofoca.
–– Cuidado para não contar para as pessoas erradas. – Advertiu Leor.
–– Não se preocupem com isso. – Sorriu a jovem, antes de deixar a barraca.
Ela entregaria a mensagem para os rebeldes: que a filha do Príncipe Dafar tinha voltado e os libertaria. E eles iriam garantir que a mensagem se espalhasse rapidamente.
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Fazia uma semana desde que Ortis havia ordenado a preparação dos três batalhões e, agora, ele estava a caminho de Stuneg. Os mensageiros tinham ido à sua frente, levando a convocação, e o imperador esperava que, quando chegasse ao sul da região de Tenários, tudo estivesse preparado.
No quinto dia após o aviso informal dado à população de Mulber, parte do exército de Nemat invadiu o Reino. Começaram pelo sul, tomando pequenas vilas até chegarem à capital. Não utilizaram canhões, afinal não pretendiam devastar o Reino.
Naquela mesma noite, depois de terem conquistado a capital e aniquilado as autoridades imperiais que ali estavam, o exército de Nemat se dividiu em três. Não havia tempo a perder e os jopes iam se espalhando pelo Reino, assassinando os homens que não usavam o combinado cinto azul, invadindo casas que também não estavam de acordo com o combinado e queimando-as, matando mulheres e crianças. Dois dias depois, quase todo o Reino de Mulber havia sido dominado pelos jopes.
Ortis tinha acabo de chegar ao acampamento de Stuneg, quando Turze se aproximou a cavalo:
–– Temos um problema, majestade!
–– O que eu tenho que fazer para ficar um dia sem ouvir a merda dessa frase?! – Esbravejou o Imperador, descendo da carruagem.
Assim que o exército percebeu a presença do líder, começou a gritar "Salve o grandioso Império, Viva para sempre o imperador!" e a bater no peito, num estrondoso grito de guerra. Ortis tinha um poder quase palpável de fazer as pessoas quererem dar o sangue por sua causa.
–– Onde está a minha tenda? – Perguntou ele, fazendo o papel de inspiração e acenando para os soldados.
–– Por aqui, meu senhor. – Turze o guiou pelo amontoado de gente, que ia abrindo espaço para as autoridades passarem.
Eles mal chegaram à enorme tenda e Ortis percebeu a grandiosidade do problema: todos que ali estavam tinham um semblante preocupado.
–– O que aconteceu agora? – Bufou ele, jogando-se numa cadeira, exausto pelos dias de viagem. Felizmente Lavera tinha ficado em Palassos, tomando conta das coisas enquanto ele resolvia aquela pequena situação.
–– Não recebemos notícias de Mary Ville faz alguns dias. – Começou Turze, dizendo logo a má notícia para depois acalmar Ortis com as boas – Neribel já se pronunciou, dizendo que estão um pouco atrasados na contagem do exército, porém que, dentro de dois dias, estarão prontos. Ao que parece, as montanhas e regiões inóspitas de lá dificultam a comunicação.
–– Nosso exército já está pronto. – Sorriu o general de Tenários, satisfeito com a realização da missão impossível. Porque ter se preparado em poucos dias fora um feito e tanto, dado a grandiosidade territorial do antigo Reino de Stuneg. Claro que não era todo o exército que havia sido convocado, porém uma boa parte já estava ali.
–– Não gostei dessa falta de notícias, mandem um mensageiro para Mary Ville... – Ortis começou a dizer, porém Turze o interrompeu:
–– Já fizemos isso, majestade. Ele partiu ontem à tarde.
–– Ótimo. Vamos esperar o imbecil voltar com notícias de lá. Espero que eles tenham uma ótima justificativa para o atraso, ou juro que o General Trond pagará com a vida!
Assim que os chefes do Exército Imperial deixaram a tenda, Turze comentou, servindo-se de um pouco de vinho:
–– Matar os generais que não conseguem cumprir ordens rígidas não é uma boa estratégia, sabe disso.
–– Não ameacei matar o General Trond por não cumprir minhas ordens, mas por não me dar notícias. Eu preciso saber tudo o que está acontecendo para planejar meus ataques. – Respondeu o imperador, ainda sentado e com a mão na cabeça. Ela vinha latejando fazia algumas horas.
–– Em breve o mensageiro estará retornando e poderemos agir. – Garantiu o amigo.
–– E quanto aos jopes?
–– É possível ver o exército deles acampado perto da fronteira. Você tinha razão, não parecem muitos, será fácil esmagá-los. – Por mais que doesse, Turze precisava admitir que Ortis estava certo.
–– Eu disse para confiar em mim. – Sorriu ele, antes de se levantar e pedir para ficar sozinho. Precisava de um banho e uma boa noite de sono.
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Nove dias depois que Ortis tinha declarado guerra contra Jope, o Reino de Mulber estava em festa. Na capital, as pessoas jogavam arroz para cima, num sinal de celebração. Os mulbers e jopes se misturavam, com uma alegria contagiante.
Logo após a tomada do Reino, todos os generais retornaram às pressas para a capital Prata, onde aconteceria a reconstituição da Hierarquia. E, enquanto o alto escalão se preparava para reunir e discutir questões políticas, os demais soldados permaneciam nas ruas das cidades e vilas, se divertindo com o povo, afinal ninguém era de ferro.
Desde que chegara ao castelo que pertencera à família do pai, Nemat se mantivera distante dos amigos. Ela passava horas analisando a construção, passeava de cômodo em cômodo, folheava livros, admirava pinturas... Estas últimas eram raras, já que Ortis havia destruído aquelas que faziam alusão aos reis e rainhas. No entanto, uma pintura do pai havia escapado. Era uma em que ele estava montado num lindo cavalo marrom escuro. Sabia que era ele pelas características que a mãe contara.
Na imagem, Dafar estava olhando para o horizonte. Era jovem, tinha uma postura nobre, o cabelo loiro cuidadosamente penteado, os olhos claros compenetrados e uma barba rala. Naquela manhã, Nemat estava segurando a pintura e analisando-a com atenção, quando sentiu alguém se aproximar.
–– Agora eu tenho um rosto para o seu fantasma... Ele é ainda mais lindo do que como imaginei. – Comentou, com pequenas lágrimas formando em seus olhos verdes cristalinos.
–– Sinto muito... – Leor colocou a mão no ombro dela e analisou a pintura também – Você tem o cabelo dele... E a postura.
Nemat se virou para o amigo, analisando-o. Precisava lhe contar o que vinha planejando e não havia mais tempo a perder.
–– Leor, este Reino é meu... Sou herdeira também.
–– Eu sei, e você fez muito bem ao invadir.
–– Mas eu não sei nada sobre eles... – Lamentou ela, voltando o olhar para a sacada e admirando as terras se estendendo no horizonte – Como posso ser rainha de dois Reinos diferentes, sem torná-los um só? Mulber merece a total independência. E eu não posso negligenciar o Reino de minha mãe nem o de meu pai...
–– O que está planejando? – Perguntou ele, conhecia aquele olhar.
–– É melhor você sentar. – Disse ela com um leve sorriso, fazendo Leor engolir em seco, preocupado.
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O que vocês acham que a Nemat está planejando?
hehehe
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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
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