10: Eu sou o seu passado
X: Eu sou o seu passado
Na manhã seguinte ao golpe de estado, eles acordaram cedo: tomaram um grande desjejum com as sobras da noite passada e se reuniram, a fim planejar as próximas ações, que seriam vitais para a tomada de todo o Reino.
A enorme sala redonda, com a mesa de mármore no centro e o teto pintado, abrigava novamente as autoridades de Jope. Ou, pelo menos, uma delas. Nemat estava sentada numa das cadeiras. Também se encontravam ali Leor, Hadin, Shari, Bhazun, Sical, Collina e Tenazd. Ninguém tomara a enorme cadeira que pertencia ao rei.
–– Vamos começar. – Nemat analisava o gigantesco mapa de Jope que ocupava praticamente toda a mesa. – Nós não tomamos apenas a capital, mas aniquilamos todos os palassins que residiam em Jope, devemos mostrar ao povo que não pertencemos mais ao Império de Palassos.
–– Declarar independência e reprimir todos aqueles que forem contra. – Confirmou Leor.
–– Todo o Reino precisa saber que o que aconteceu ontem é real. O povo deve saber que sua alteza está aqui. – Bhazun terminou olhando para Nemat.
–– O que sugere? – Indagou Hadin.
–– Mensageiros reais. Vestidos com o antigo uniforme de Jope. Que eles levem a carta de independência e a convocação do exército por todo o Reino. – Respondeu Bhazun.
–– Cartas seladas com o anel do rei. – Concluiu Sical, com um sorriso de animação.
–– Escrivão! – Um homem que estava no cantinho da sala prontamente se aproximou ao ouvir a ordem de Nemat – Escreva. – E ditou a proclamação que foi levada pelos mensageiros por toda a extensão de Jope:
"Eu, Princesa Real de Jope, sua Alteza por direito, filha da vossa Alteza Real Princesa Ravel e sua Alteza Real Príncipe Dafar, tendo sobrevivido ao Dia Vermelho, nascido no Oriente e retornado para reconquistar meu Reino, declaro a Independência de Jope. Este Reino não mais responde ao Imperador Ortis e todo aquele que resistir a esta ordem será punido com morte.
Todos os homens, maiores de dezessete anos, aptos para o ingresso no Exército Real e desejosos de tal, estão convidados a comparecerem a Laghar o mais depressa possível. No período de sete dias, contatos a partir da emissão desta carta, haverá a coroação de sua Alteza Real e a constituição da Hierarquia.
Ass: Princesa Nemat"
As cartas foram seladas com o anel do rei e despertavam espanto, receio e euforia aonde quer que chegassem.
Na mesma tarde em que as cartas foram escritas, pregaram uma delas na praça principal de Laghar. Enquanto as centenas de mensageiros saíram cavalgando cidade afora, o líder dos Fiscais aproximou-se do enorme tronco, onde eram fincados os avisos oficiais.
A multidão o impedia de se aproximar, até que alguém teve a bondade de ler em voz alta. Algumas pessoas riram, outras ficaram boquiabertas, porém a maioria festejava a tão sonhada liberdade.
O Fiscal distanciou-se do povo e caminhou na direção da entrada da cidade, com a ira fervendo. Aquela princesa era mais esperta do que imaginara, já estava preparando o exército e "mostrando quem mandava ali". Percebeu um padeiro brincando com o filho e se aproximou da família. A rua estava deserta, pois as pessoas tinham ido para a praça ler e discutir a proclamação de independência.
Num movimento rápido, tomou a criança e colocou uma faca no pescoço dela, gritando para o pai:
–– Para dentro de casa, agora!
O homem entrou apressadamente e o Fiscal fechou a porta atrás de si. Da cozinha, a esposa ouviu o choramingado da criança e ao chegar na sala, gritou horrorizada:
–– Cale-se, mulher, quer ver seu filho morto?!
–– Silêncio, Mirrah. – Pediu o pai, abraçando-a – O que você quer? Não temos nenhum dinheiro!
A criança começou a chorar mais alto, porém o Fiscal a colocou no chão e repreendeu. O pobre menino se esforçava por segurar as lágrimas. O homem voltou a encarar o padeiro:
–– Eu não quero dinheiro. Você me fará um serviço. – Tomou uma caneta e rabiscou algumas frases, sem tirar a atenção da família – Irá para Palassos e entregará este recado ao Imperador Ortis. Se você não fizer isso, acredite em mim, eu saberei. E no mesmo instante, virei aqui, matarei seu filho e sua mulher, e jogarei seus corpos para os urubus! Compreendeu?
–– Como eu vou saber se você não os matará de qualquer maneira?
–– Porque se não eu já o teria feito. Agora, vá embora!
O padeiro estava perdido, não sabia o que fazer. Mirrah o beijou, encorajando-o a obedecer. Por fim, o pai pegou o recado, selou o jumento e saiu apressadamente de Laghar, em direção à capital do Império.
♜ ♜ ♜
–– Eu tive uma boa ideia. – Nemat estava se penteando de frente ao enorme espelho do quarto dos avós. O cômodo era o maior que ela já vira e o mais lindo também. Hadin se trocava perto da cama.
–– Outra? – Ela sorriu e foi até ele.
–– Vamos nos casar no dia da minha coroação. – Ele piscou, não estava esperando por aquilo – Porque, se não fizermos isso, quando me tornar rainha, eles desejarão que eu me case com algum nobre. Ou, já que não restou nenhum, com algum jopiniense. Jamais aceitariam um estrangeiro por rei!
–– E o que te faz pensar que eles me aceitarão no dia da sua coroação?
–– Porque estarão eufóricos. Felizes. E porque serão sábios o suficiente para não me decepcionarem. – Hadin riu.
–– Espero que sim, minha princesa.
Eles não poderiam estar mais felizes. Foram dormir sonhando com o grande dia.
♜ ♜ ♜
Na sala redonda, todos estavam atônitos.
–– Nem de Jope ele é! – Reclamava Bhazun.
–– Exatamente! Hadin arriscou a vida por um povo que ele nem conhecia! – Dizia Nemat, convicta – Não há nada mais nobre que isso. Eu o escolho para ser o meu esposo e rei. Se tiverem algo contra, apresentem seus argumentos agora, ou calem-se para sempre.
Na sala redonda, não houve ninguém que conseguisse apresentar argumentos fortes o suficiente para impedir o desejo da princesa. Haviam se passado cinco dias desde que os mensageiros partiram e Laghar já se achava apinhada de gente. Pessoas de todo o Reino lotavam as pousadas e acampavam-se ao redor da cidade, ansiosos por verem a coroação e por se apresentarem ao exército. O acampamento dos "turistas" ocupava quilômetros e quilômetros ao redor da capital.
Em casa, no meio da floresta, o Fiscal se preparava para colocar o plano em prática. Àquela altura, o mensageiro que enviara já deveria estar na metade do caminho, não demoraria muito mais para que Ortis recebesse o recado. E, felizmente, ele não estaria lá para lidar com a ira do imperador.
–– Acho que encontraríamos um rei mais bonito, mas se é esse aí que sua alteza quer, então que assim seja. – As palavras de Sical fizeram todos na mesa redonda rirem.
–– Ótimo. Depois de amanhã será a minha coroação, meu casamento e o alistamento do povo no exército. – Falava Nemat, tentando imaginar como prepararia tudo aquilo em dois dias! – Shari e Collina, vocês ficam encarregadas de prepararem tudo para o meu casamento. Leor e Tenazd, cuidem da minha coroação. Os demais preparem pessoas competentes para fazerem o alistamento.
Enquanto o grupo se dispersava, Leor aproximou-se da princesa e a abraçou.
–– Não poderia estar mais orgulhoso de você.
–– Obrigada. – Respondeu, despenteando o cabelo dele.
♜ ♜ ♜
Dois dias depois, a multidão podia ser vista como formigas de cima do castelo. O casamento de Nemat seria o primeiro evento do dia e aconteceria no topo da muralha do palácio. Só assim todos poderiam (tentar) enxergar. Em seguida, aconteceria a coroação, numa sala especial do castelo, uma honra que poucas pessoas teriam a chance de ver. Quando ela e Hadin fossem coroados, seriam apresentados ao povo. E, logo em seguida, começaria o alistamento, que duraria três dias. Ao findo destes, aconteceria o que eles chamaram de Jogos Reais, onde os soldados mais valentes passariam por diversas provas e enfrentariam uns aos outros, concorrendo por posições de liderança no exército.
O casamento fora maravilhoso. A noiva estava vestida com o mais esplêndido vestido branco, com detalhes bordados a ouro. Hadin parecia um verdadeiro rei, trajado de vermelho e dourado, e a expressão de aventureiro destemido contribuía ainda mais para isso.
Cada um numa ponta da muralha, eles caminharam lentamente na direção um do outro. Lá embaixo, os milhares assistiam mudos e emocionados. Quando chegaram ao meio do caminho, pararam a alguns passos um do outro. Entre eles, Bhazun olhava fixamente para frente, segurando um pesado e antigo livro.
Nemat e Hadin ergueram a mão direita e lentamente encostaram uma na outra, com a palma aberta. Em seguida Bhazun falou em alto e bom som:
–– Hoje, sua Alteza Real Princesa Nemat e o Nobre Hadin celebram matrimônio, perante o seu povo e o Livro da Hierarquia. Os céus e a terra são testemunhas desta aliança.
–– Eu, Princesa Nemat, aceito o Nobre Hadin como meu esposo e rei. Prometo estar ao seu lado e respeitá-lo, prometo cuidar de meu rei, assim como cuidarei de meu povo, colocando-os acima de mim mesma. Hoje, e por todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe. – Jurou Nemat.
–– Eu... – Hadin parou, pensando se merecia aquele título – Nobre Hadin... – O amor o tornava nobre – Aceito a Princesa Nemat como minha esposa e rainha. Prometo estar ao seu lado, para cuidar e defendê-la, assim como prometo cuidar e defender este povo, colocando-os acima de mim mesmo. Hoje, e por todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe. – Terminou tradicional juramento.
Enquanto eles assinavam o livro, onde estavam escritos todos os nomes e juramentos dos casais reais anteriores, o povo vibrava. Gritavam, tocavam músicas e batiam palmas, acompanhando o som das trombetas. Eles se beijaram o povo vibrou ainda mais.
Então, Hadin e Nemat entraram no castelo, indo para a sala de coroação. Ali estavam todos os Exploradores do sul, os primeiros que tinham apoiado a revolução. A simbólica cerimônia começou, com o grupo de pé num semicírculo e o casal sentado nos tronos.
Normalmente, os nobres do Reino se apresentariam e desejariam alguma boa sorte, porém como não haviam mais nobres, cada um dos amigos se apresentaram:
–– Desejo-lhes a coragem de um dragão. – Disse Leor, prostrando-se perante eles, com Marboh ao seu lado.
–– Desejo-lhes a paz das garças. – Apresentou-se Shari, de joelhos.
–– Desejo-lhes a sabedoria das águias. – Tenazd foi logo em seguida.
–– Desejo-lhes a astúcia dos zories. – Collina.
–– Desejo-lhes a prosperidade das flores silvestres. – Bhazun.
–– Desejo-lhes a felicidade dos guepardos. – Sical.
Em seguida, duas crianças entraram carregando as coroas dos antigos reis e rainhas de Jope. Acreditava-se que crianças deveriam carregar os preciosos objetos, porque elas eram puras e inocentes, livres de perversidade. Quando se aproximaram do casal, Nemat e Hadin levantaram-se e ajoelharam. Aquele era o clímax da cerimônia. Ao se pôr de joelhos perante as crianças, os futuros rei e rainha estavam dizendo: "somos servos do povo e abdicamos de todo orgulho e ganância".
As crianças colocaram as coroas na cabeça do casal e eles se levantaram. Então, dois idosos entraram no salão. Cada um carregava: um cetro e uma espada para o rei; um cetro e um ramalhete de flores de ouro para a rainha. Outro simbolismo muito forte: os cetros significavam poder para reinar e eram levados por anciões, pois acreditava-se que não havia pessoas mais sábias e justas do que eles. Sabedoria e justiça que seriam necessárias no governo. A espada para o rei, pois simbolizava autoridade e força para defender. O ramalhete para a rainha, pois simbolizava amor e benevolência para cuidar do povo.
Assim que Nemat e Hadin receberam os objetos, sentaram-se novamente nos tronos. Em seguida, as trombetas foram soadas do alto da muralha, acompanhadas de tambores.
Jope já tinha um novo rei e rainha.
Acompanhados dos amigos, o casal real foi para o topo da muralha, de onde acenaram para a multidão eufórica. Era uma cena surreal: uma princesa perdida e um nômade estrangeiro tornando-se rainha e rei da maior região do poderoso Império de Palassos. Agora Palhouro era novamente e oficialmente Jope.
♜ ♜ ♜
O alistamento ocorreu sem muitos problemas. Milhões juraram defender o Reino e, depois de três dias, os Jogos Reais começavam. Assim que fossem definidos tenentes, capitães, majores, coronéis e generais, haveria a reconstituição da Hierarquia, juntamente com a nomeação dos novos duques e duquesas.
Fora montada uma grande arena para a ocasião: uma cerca separava o povo dos jogadores e, do alto de uma espécie de camarote, o rei, a rainha e pessoas de confiança assistiam aos jogos.
O primeiro teste seria de resistência, eles teriam que atravessar vários metros pendurados numa corda. Quem caísse era eliminado. O segundo teste era das habilidades: arco e flecha, espadas, lanças, correr, subir em árvores, defender uma criança que entrava propositalmente na arena. O terceiro e último teste era a luta entre os finalistas. Três vencedores seriam eleitos generais. Os demais finalistas ficariam com os outros cargos, dependendo do desempenho ao longo das provas. Havia um juiz para controlar os jogadores e cinco pessoas mantinham o registro do que acontecia.
A maioria foi eliminada no primeiro teste. Muitos não salvaram a criança na segunda fase, revelando mais frieza do que compaixão. No último, a batalha se tornou sangrenta. Às vezes, era preciso que o juiz interviesse para que não acabasse em morte.
Por fim, Nemat e Hadin pediram os registros e discutiam a sós quem iriam selecionar para o tão desejado cargo de general:
–– O único erro que esse aqui cometeu foi não ter salvado a criança. – Analisava Hadin, sem saber que o homem em questão era o Fiscal que havia escapado dias antes.
Muito sabiamente ele não somente se alistara no exército, mas entrara para os jogos e era um dos finalistas. Lá embaixo, o Fiscal torcia por ser escolhido, o plano dele dependia disso.
–– Então não serve. – Respondeu categoricamente Nemat.
–– Claro que serve! Os generais precisam ser corajosos e inteligentes, não necessariamente amorosos. – Retrucou o rei.
–– Nos tornaríamos animais! – Protestou Nemat.
–– É por isso que temos uma rainha linda e inteligente, para nos manter na linha. Porém os generais precisam ser duros.
–– Está bem... Ele é um dos eleitos. E este aqui, que tal? – Nemat analisava as fichas dos finalistas.
–– Reprovou na resistência, nem deveria ter continuado os testes! – Observou Hadin.
–– Ele foi teimoso, mostrou garra.
–– Deveria ser punido por sua desobediência!
–– Ele salvou a criança e demonstrou bastante esperteza na hora de cumprir os testes, parece ser muito inteligente. Quero-o como general.
Hadin analisou a esposa, ela não desistiria. Suspirou e acabou por concordar:
–– Ok. E este outro também merece, apesar da cara de doido. – Comentou Hadin – Passou em todos os testes com excelência.
–– Mas ele tem cara de doido... – Nemat e Hadin se entreolharam, antes de caírem na risada – Já temos os nossos generais, então?
–– Com certeza, vamos lá.
Eles desceram a torre feita de bambu e foram para o centro da arena enlameada, onde estavam os nove finalistas. Hadin apontou para três, que deram um passo para frente. O primeiro era o que tinha cara de doido, mas que havia passado nos testes, inclusive salvando a criança. O segundo era muito magro, porém tinha demonstrado coragem, inteligência e força de vontade. O terceiro era o Fiscal, que havia derrotado todos os outros oponentes, estava manchado de sangue e tinha uma expressão de determinação na face. O único finalista que não salvara a criança.
–– Parabéns, General Gharr. – Disse Nemat, pensando que o nome dele parecia o grunhido de um urso. Colocou em sua roupa uma estrela de bronze.
–– Parabéns, General Raden. – Elogiou ela, enquanto colocava a estrela de bronze na blusa suja do homem franzino.
Por fim, ficou de frente para o terceiro soldado. Enquanto pegava a estrela de bronze, que Hadin lhe entregava, teve a sensação de que o homem a fitava com ódio. Forçou um sorriso, tentando tirar da mente que a única prova que aquele homem não passara era a que testava a compaixão. Hadin o escolheu, ele será um bom general, consolava-se a princesa.
–– Parabéns... – Colocou a estrela na roupa dele e completou – General Belkiron.
Ele não conseguiu evitar um sorriso torto. Seu coração batia rápido e a vontade que tinha era de gargalhar do destino. Não conseguia parar de encarar a princesa e pensar: ela é igualzinha ao pai...
Quando fora eleito por Ortis para ser o líderdos Fiscais de Palhouro, achou que morreria naquele cargo, sem nunca realizar osonho de ser um dos generais do Império. Mas, para a surpresa dele, a ironia davida o colocava na melhor posição que um espião poderia desejar.
-----------------------
Aventureiros, sei que são muitos personagens e vocês leem muitos livros, mas conseguem se lembrar do Belkiron? O cara lá do primeiro capítulo que matou o Dafar e tentou impedir a Ravel de fugir....??
Pois é. Sem saber, nossos queridos o escolheram para ser general. Mas isso vocês já abem, afinal acabaram de ler kkkk E aí?? O QUE ACHARAM DO CAPÍTULO? o__O
************
As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
Wattpad.com | 2014
Todos os direitos reservados.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro