07: Por uma moeda
VII: Por uma moeda
Collina tentara correr na direção do acampamento, mas Tenazd a impedira. Não poderiam aparecer porque, se as coisas piorassem, precisariam de ajuda. E aí, sim, eles atacariam. Ou, pelo menos, era isso que planejavam...
–– O que fazem aqui, negros imundos? – Gritou um dos Fiscais, despertando a raiva do grupo, que apenas continuou calado ante a ofensa – Não vão me responder?!
–– Precisam aprender uma lição, por acaso? Não sabem que o lugar de vocês é no sul? – Outro Fiscal esbravejou e Sical mordeu os lábios, tentando controlar a ira. O Reino era deles e iriam para onde quisessem, mas se ele dissesse isso, era um homem morto.
–– Já sabem o que fazer. – Um terceiro palassiano falou, e logo os demais começaram a agir.
Colocaram os homens num grupo separado das mulheres e crianças, mas não distante um do outro, de modo que davam para se ver. Um dos Fiscais, então, pegou uma jovem, Zanzi, e ia arrastando-a para uma das tendas, enquanto ela gritava desesperada. Ninguém ousava fazer nada, pelo medo imposto e aprendido há anos. Porém Sical revidou. De onde estava sentado, tentou atacar um dos Fiscais.
Imediatamente as autoridades do Império contiveram o rebelde com murros e pontapés. Após as agressões, esperaram o Fiscal que ainda segurava Zanzi pelo braço, fosse até eles. O homem largou a jovem com o grupo das mulheres e foi até lá.
–– É o líder desse bando? – Perguntou de pé, encarando com desprezo o homem ajoelhado.
–– Sou. – Sical rangeu entre os dentes.
–– Resposta errada. Só existe um senhor: o Imperador Ortis!
O Fiscal arrastou Sical para uma árvore e ali o amarrou. Então desembainhou uma espada.
–– Sical! – Collina correu do esconderijo, desesperada.
Pegou a primeira arma que encontrou no chão e lançou-a na direção do Fiscal que ia matar seu irmão.
–– Collina, espera! – Tenazd não teve tempo de impedi-la, quando deu por si, já estava correndo atrás da jovem. Só parou quando a viu acertar o soldado com uma lança. – Pelas armas da coroa, o que você fez?!
–– Eu... – Collina ergueu o olhar e viu os seis Fiscais vindo em sua direção. Sical gritava, ainda amarrado, pedindo ajuda. Precisava se livrar das amarras para lutar!
–– Venham, seus brancos desbotados! – Esbravejou a jovem, em posição de ataque e segurando outra lança. Ela era uma boa guerreira, porém não o suficiente para enfrentar seis homens fortemente armados.
Tenazd foi para trás da árvore e, pegando um canivete do bolso, cortou as cordas que prendiam Sical. No mesmo instante, o negro gritou a plenos pulmões:
–– ATACAR!
Ele e Collina lutavam contra os seis Fiscais, mas o resto do grupo assistia amedrontado. Eles podiam até ter escapado da escravidão que os irmãos viviam, porém continuavam presos à mentalidade de que não podiam revidar. Era por isso que viviam fugindo...
Um palassiano, armado com uma enorme faca foi atrás de Tenazd, que saiu correndo como uma bala de canhão em direção a... Na verdade, ele correu sem direção alguma. E quando Tobis, o melhor amigo de Sical, viu que ele e Collina iriam perder a luta, levantou-se determinado.
Tobis correu para o local onde os Fiscais haviam deixado as armas e, pegando uma espada, gritou atacando os homens do Império. Aquele foi o estopim, a faísca necessária para acender naqueles jopes o sentimento de que eles não eram inferiores, que poderiam ser livres. E, assim, todos os homens levantaram-se como um exército e atacaram os seis Fiscais, que ficaram sem chance de defesa.
Minutos depois, o chão marcava a luta que havia acontecido: os corpos dos Fiscais caídos sem vida, juntamente com três Exploradores da Serra Dourada, numa mistura de sangue e terra... Entre eles, o corpo de Tobis, caído sem vida.
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Nemat e seu grupo chegou ao Fita Azul na manhã seguinte e encontrou o segundo grupo sentado às margens dos dois rios. Ela tomou a dianteira e, aproximando-se de Tenazd, perguntou.
–– O que aconteceu?
Ele ergueu o olhar para ela e, por alguns instantes, não disse nada. Todo o bando estava mudo e cabisbaixo.
–– Fomos atacados. Três dos nossos morreram.
O grupo que estava com a princesa ajoelhou-se, com uma mão na testa e a outra no coração, em sinal de luto. Nemat observou os corpos cuidadosamente estendidos num canto e como aquelas pessoas estavam totalmente abaladas.
–– Precisamos enterrá-los. – Disse baixinho para Sical, que estava sentado fitando o nada. Ela não queria parecer indiferente, porém precisavam prosseguir a viagem antes que mais pessoas fiéis ao Império os encontrassem.
–– Nós já éramos poucos... – Murmurou o homem, sem mover um músculo. Sentia-se culpado por não ter dado ouvidos ao amigo. E, por causa disso, Tobis e mais duas pessoas haviam perdido a vida.
Naquele momento Nemat sentiu seu coração disparar. Aqueles soldados, os únicos que possuía, estavam começando a recuar diante do primeiro obstáculo e, se ela não fizesse nada a respeito, não demoraria para que eles retornassem ao estado de escravidão mental no qual estavam.
–– Escutem! – Gritou ela, pondo-se de pé e chamando a atenção – Por que estão aqui? – Uns desviaram o olhar e outros abaixaram a cabeça – Por quê?! – Insistiu – Não queriam mais sobreviver, de fuga em fuga, completamente apavorados, não é verdade? – Nemat suspirou tristemente, fitando os corpos no chão – Eles acreditaram. Não os tirem essa glória, a de terem morrido lutando pelo que acreditaram! – Então, voltou a erguer o olhar e disse, determinada – Eles não foram os primeiros a morrer nas mãos dos palassins e não serão os últimos, a menos que decidam lutar!
Alguns segundos de silêncio depois, Sical se levantou. A passos lentos, foi até a princesa e inspirou fundo, encarando-a.
–– Nós vamos guerrear por Jope, até que todo o Reino esteja livre ou nosso sangue derramado. – Toda a tristeza de ter perdido o amigo estava misturada com uma raiva mortal pelos responsáveis por isso.
Assim, Nemat presenciou o primeiro funeral ao estilo jopiniense. Eles cantaram e tocaram tambores, dançando num círculo que simbolizava a vida. No centro do círculo, estavam os três corpos dos Exploradores.
Meia hora depois, cavaram e enterraram os companheiros, plantando a tradicional rosa azul no rumo da cabeça. Enterraram também, sem honras ou tradição, os corpos dos Fiscais, para que ninguém os encontrasse e resolvesse investigar o ocorrido. Por fim, continuaram a viagem, tristemente e em silêncio.
À noite, o grupo chegou ao pé da montanha, onde acamparam. Tenazd estava junto aos amigos, feliz por reencontrá-los, mas, ao mesmo tempo, incomodado pela ausência de Collina. Desde a batalha eles não haviam se falado novamente.
Aos primeiros raios de sol, Nemat e os amigos despertaram. Tomaram café e se preparam para subir a montanha. Sical e Nalco também iriam naquela "expedição particular".
–– Eu também quero ir! – Taipho implorava para o irmão mais velho.
–– O bando não pode ficar sozinho, você sabe disso.
–– Mas eu...
–– Obedeça, Taipho! – Ordenou rispidamente Sical, fazendo o rapaz sair a passos duros.
–– Jovem não pode ver uma aventura que quer mergulhar de cabeça, não é verdade? – Comentou Tenazd.
–– Olha só quem fala. Você também não deveria ir, só vai nos atrasar. – Resmungou o homem, colocando a mochila nas costas e começando a abrir caminho para o grupo.
–– Ele me odeia. – Suspirou o cientista.
–– Isso é um sentimento comum para as pessoas que não te conhecem. – Falou Shari, batendo nos ombros do amigo e indo atrás de Sical.
–– Me sinto bem melhor agora, obrigado! – Ele gritou para a artista, que riu de onde estava.
E assim Nemat, Shari, Leor, Hadin, Sical e Nalco começaram a escalar a montanha, procurando a caverna onde o Sábio se abrigava. Sem falar da chita e do Marboh, que acompanhavam brincando.
–– Acha que ele saberá o que fazer? – Perguntou Nemat para Leor. Ela mal podia esconder a ansiedade.
–– Espero que sim... Se não essa terá sido a nossa maior loucura!
–– E olha que temos várias na lista! – Comentou Hadin do outro lado, fazendo os cinco rirem.
Quase sete horas depois, Nalco gritou:
–– Encontrei uma caverna!
–– Como saberemos se é esta? Já tentamos várias e nada! – Tenazd bufou, cansado daquela aventura nada aventureira.
Na opinião do cientista, eles estavam apenas subindo uma montanha, entrando em cavernas, levando sustos com os morcegos e cansando as pernas.
–– Estamos na segunda maior montanha da cordilheira, que é onde dizem que o Sábio habita. Só tem um jeito de saber. – Respondeu Sical, dando o primeiro passo em direção à gruta.
–– Tem alguém em casa? – Berrou Nalco, da porta da caverna.
–– Por um milhão de escorpiões! – Ouviu-se uma voz do outro lado – Será que não se pode mais ter paz, nem mesmo nesse fim de mundo?!
–– É, acho que ele está em casa. – Comentou Shari.
–– Vamos lá. – Hadin se adiantou, adentrando a caverna e seguido pelos demais.
O começo dela era bastante escuro, mas, à medida que iam para o interior, luzes de vela foram dando um ar dourado e até meio sinistro para o buraco nas rochas.
–– Eu não estou trabalhando. – Falou o velho com a barba mais branca e longa que eles já tinham visto.
O homem de roupas surradas estava sentado numa espécie de rede. Cabisbaixo, ele falava com uma voz semelhante à de alguém que está embriagado. Não era excesso de vinho, era apenas o efeito de anos de isolamento somado à idade.
–– É importante. – Disse Nemat com uma doce voz, aproximando-se do velhinho, enquanto o grupo assistia distante.
–– Vão embora. – Resmungou o senhor, ainda de cabeça baixa.
–– Soube que você cobra uma moeda por conselho. – Ela segurou uma das mãos dele e colocou uma moeda média de prata, gravada com o símbolo de Nalahu.
–– O que é isso? – Finalmente o homem ergueu o olhar. A cara enrugada e o olhar cansado davam a ele um ar simplório.
–– É do outro lado do oceano. – Respondeu a princesa, sorrindo gentilmente.
–– Não pode ser! – Ele analisava a moeda, enquanto Nemat continuou:
–– Houve um sobrevivente real naquela noite, você sabe disso. – O velhinho voltou a olhar para ela, assombrado – Princesa Ravel, minha mãe.
–– Sim, sim, sim! Ela escapou, eu sabia! – Com os olhos marejados e a voz transbordando de esperança, o senhor perguntou – Onde ela está?
A expressão de tristeza de Nemat fez o velhinho balançar a cabeça, em compreensão.
–– Ela não sobreviveu... Eu sou a única que restou de minha família... Reconhece isto? Sei que faz muito tempo.
Nemat mostrou a coroa de Ravel, que tinha sido forjada por ele. E o idoso arregalou os olhos, assentindo, com pequenas lágrimas escorrendo. Então, segurou o rosto da jovem a sua frente, analisando-o à luz bruxuleante das velas.
–– Você tem os olhos dela, mas é igualzinha ao pai! – Comentou emocionado e incrédulo.
–– Você o conhecia? – Foi a vez de Nemat se emocionar.
–– Se eu o conhecia?! – O velhinho deu uma risada fraca – Eu era um pobre ourives, mas fiel e amigo da sua família. Conhecia muito bem seus avós e sua mãe, a adorável Princesa Ravel... E, quando ela se casou com o Príncipe Dafar, bem... Eu não passei muito tempo com eles quando a guerra piorou, mas você definitivamente tem o cabelo e o sorriso dele.
Ela desviou o olhar, tentando se recompor. Quando voltou a fitar o idoso, este se levantou e, com dificuldade, ajoelhou-se:
–– Meu nome é Bhazun, alteza, e será um prazer servi-la.
–– Isto confirma a história. – Afirmou Sical, confiante – Agora não resta dúvidas de que a princesa perdida é mais do que uma lenda.
–– Bhazun, ourives fiel, eu preciso de um conselho teu. – Pediu a princesa, enquanto o ajudava a se levantar.
–– Deixe-me adivinhar, você quer recuperar o trono. – Nemat apenas sorriu torto, não precisava ser um gênio para imaginar isso – Sabe como é o ataque de um zorie? – Perguntou de repente Bhazun, olhando para cada um que estava ali.
–– O que isso tem a ver... – Hadin começou a dizer, porém o idoso continuou.
–– Ele vai direto à cabeça, porque ele não quer ferir você. Ele quer matar você. Ataque como um zorie, vá direto à cabeça. Você não quer dominar o sul, ou conquistar uma vila, você quer tomar a capital.
O grupo se entreolhou e Leor sussurrou para Shari um "wow, ele é bom".
–– Mas, saiba de uma coisa. – Continuou Bhazun, em tom de alerta – Para reconquistar seu Reino, você precisará matar todos os palassins que estiverem em Jope. – Aproximou-se da princesa e falou mais baixo, num aviso assustador – Porque se você deixar um escapar, ele será a sua ruína, assim como você é a de Ortis.
Ela encarou o grupo, tinha o coração disparado. Inspirou fundo, buscando coragem e perguntou:
–– Como eu vou fazer isso? Jope é o maior Reino do Ocidente!
O velhinho aprumou a postura e foi até uma simples mesa do outro lado do cômodo, enquanto o grupo apenas olhava, admirados e atônitos.
–– Como as pessoas matam os mosquitos lá no sul?
–– Passamos melado em duas tábuas, então deixamos expostas por algumas horas. Os mosquitos são atraídos pelo cheiro doce, mas quando pousam, acabam grudados. Depois batemos uma tábua na outra e esfregamos, matando todos de uma vez. – Respondeu Sical, embora não compreendesse aonde o idoso queria chegar.
–– Coincidência ou destino, semana que vem acontece a maior festa do ano: o aniversário de Ortis. Todo o Império celebrará mais um ano de vida do homem mais temido, amado e odiado do mundo. – Bhazun pegou duas pedras do chão e continuou falando – Todos os palassianos e os fiéis ao Império estarão reunidos na capital... – Então bateu uma pedra na outra, fazendo um estalo simbólico.
–– O momento perfeito. – Leor sussurrou.
–– E eu já sei exatamente como tomar a cidade, sem precisar de muitos soldados. – Shari comentou com um sorriso torto.
O grupo se entreolhou animados. De repente tomar o Reino não parecia uma missão tão impossível assim. Eles agradeceram se despedindo do velhinho, enquanto deixavam a caverna.
–– Legal, vamos voltar para a capital! Eu vou amar ver a cara de boi de todos os que diziam que eu estava louco! – Comemorou Bhazun, pegando uma trouxinha e um cajado. Era engraçado vê-lo mudar de sério para empolgado num segundo.
–– Espera, você vem conosco?! – Hadin perguntou surpreso.
–– Com certeza! Não perderia isso por nada! – O idoso bateu-lhe no braço e saiu gargalhando da caverna, enquanto se espreguiçava ao sol. Parecia que ele não saía há décadas!
–– Já percebeu que ninguém espera um convite para se juntar a nós? – Tenazd comentou baixinho. Leor olhou para ele com uma cara sugestiva e riu:
–– Notei.
–– Mas eu fui convidado! – O cientista se defendeu, e completou todo orgulhoso – Pela própria princesa.
Então, o bando e seu mais novo integrante descerama montanha, para juntar-se aos demais e planejar o ataque. Aquela guerra seriaa mais louca, imprudente e emocionante de todas! Se sobrevivessem, entrariamcomo heróis nas páginas dos livros de História.
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Preparados para a batalha??
Pode apostar que será a guerra mais louca de todas :')
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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
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