05: O que não mudou - Parte I
V: O que não mudou - Parte I
Durante o almoço, Sical contou para os convidados que, quando a capital foi tomada e a hierarquia assassinada, os jopes ficaram como formigas sem trilha a seguir, completamente perdidos. Assim, não demorou muito para que todo o Reino sucumbisse ao primeiro Império da História de Saas.
Os Exploradores da Serra Dourada, que eram os únicos habilitados pelo rei de Jope a extrair os metais precisos, foram dominados pelos palassins e obrigados a entregar-lhes tudo o que era retirado das montanhas. Trabalhavam acorrentados e vigiados por Fiscais do Império, mas ele tinha conseguido fugir quando era adolescente e ajudou muitos outros a escaparem também. Para não serem pegos pelos Fiscais, eles migravam na penumbra das madrugadas, nunca ficando mais do que três dias num lugar.
Quando eles terminaram de almoçar, as mulheres levaram as panelas e tigelas para lavar, enquanto as crianças corriam pelo acampamento brincando com espadas de madeira. Sical chamou os cinco novos membros do bando para conversar a sós.
–– Alteza, preciso saber o que espera de nós e qual o seu plano. Porque se não tiverem um, precisaremos levantar acampamento na madrugada de amanhã...
–– Na verdade, eu tenho. – Hadin, Leor, Shari e Tenazd olharam surpresos para Nemat – Acabei de pensar em um...
–– Ok, qual a sua ideia? – Perguntou Shari, curiosa.
–– Bom, não vai dar para recuperar o Reino com algumas dezenas de soldados... – Nemat olhou para Sical e completou – Por mais valentes que sejam.
–– Concordo. – Sorriu o guerreiro.
–– Então eu pensei que precisamos de um sábio conselheiro... – Ela sorriu, esperando que os outros entendessem a deixa.
–– Pega uma enxada e se mata! – No momento em que disse isso, Sical percebeu o deslize e tentou se explicar imediatamente, todo sem graça – Perdão, alteza! "Pega uma enxada e se mata" é uma expressão popular entre os Exploradores, significa "não brinca".
–– Você está falando do "velho da montanha"? Aquele que te contaram que é louco? – Perguntou Hadin, tentando entender o objetivo de Nemat. Quando eles se encontraram na barraca e contavam o que tinha acontecido com cada um, ela mencionara algo sobre um velhinho solitário que dava conselhos...
–– É "Sábio da Montanha", não é Sical? – Corrigiu Nemat, esperando que o negro confirmasse o título do idoso.
–– Sim, alteza, mas nós precisaríamos atravessar o Reino inteiro para chegar na Cordilheira Branca! Seria muito arriscado, ainda mais se encontrássemos os Fiscais do Império!
–– Fiscais do Império? – Leor riu do título.
–– Não é brincadeira: eles são soldados de Palassos que vagam pelo Império com autoridade para fazer o que quiser: cobrar multas, chicotear qualquer um nas praças, até matar! E não precisam dar nenhuma explicação a ninguém, nem mesmo aos duques e generais, eles têm carta branca para agir em todos os Reinos de Saas!
Aquilo assustou os cinco, mas depois de alguns minutos de discussão, decidiram que precisariam se arriscar, afinal o que era menos difícil: atravessar Jope sem serem capturados, ou tentar tomar o Reino com apenas alguns soldados e praticamente desarmados?
Assim, Sical avisou o grupo que eles partiriam de madrugada. O bando estava acostumado a acordar cedo, porém os orientais não, então foram para uma barraca preparada especialmente para eles e adormeceram. Os dias dali para frente seriam longos e cheios de adrenalina...
♜ ♜ ♜
Na madrugada seguinte, eles dividiram as cinquenta e duas pessoas em dois grupos de vinte e seis: metade iria com Sical e metade iria com Nemat, assim eles não iriam chamar tanta atenção. Fingiriam ser uma grande família de mudança. Para o plano dar certo, eles precisariam se disfarçar como os camponeses de Jope, e isso significava, além de costurar disfarces, usar calças. As mulheres iriam usar calças. E Nemat não gostava nadinha daquilo.
–– Querida, é a cultura dos camponeses. É o seu povo! Vamos lá, saia daí... – Dizia Hadin, na porta da tenda onde Nemat e algumas mulheres se trocavam.
Quando ela saiu, estava linda. As calças de couro realçavam as pernas da princesa, que naquele momento parecia a mais linda camponesa. A blusa azul e o chapéu deixavam-na ainda mais encantadora.
–– Quando for rainha, vou estabelecer uma lei proibindo as mulheres de usarem calças. – Brincou ela – Me sinto... Estranha. Pareço mais magra, não que isso seja ruim.
–– Você está absolutamente sensual. Vou ter que ficar mais alerta...! – Ela riu e eles foram terminar de arrumar suas coisas.
Nemat e Hadin ainda não tinham ficado juntos desde que ele voltara, nem mesmo naquela noite no barco. Mas, lentamente, eles estavam voltando ao que eram antes... Ela, depois de um tempo odiando Hadin e tentando entender o porquê ele havia abandonado-a, finalmente compreendera: ela jamais o teria deixado partir e nunca teriam vindo a Jope. Nemat devia muito a ele, e os jopes também, mesmo sem saberem.
Collina tinha ficado no grupo de Sical e Tenazd insistira dizendo que queria ir com o bando do líder guerreiro. Isso deixou o negro cismado, mas como Nemat concordara, ele acabou ficando com eles. Estou de olho em você, velho enxerido. Pensava Sical, enquanto arrumava as coisas e observava Tenazd. Ele era desajeitado, aparentava uns quarenta anos mal vividos e, ainda assim chamara a atenção de Collina. Não era justo.
O primeiro grupo partiu, com Sical na liderança. Nemat sairia depois de doze horas, isso manteria as duas caravanas a uma distância razoável. Taipho ficara no grupo da princesa, ele indicaria o caminho.
Shari e Leor estavam sentados sobre algumas pedras, observando as pessoas sumirem de vista, à medida que o sol ia nascendo devagarzinho. A princípio, ela também não tinha gostado muito da ideia de usar calças, mas logo se animou ao ver que seria mais fácil montar as mulas. E que não precisaria se preocupar com o vento levantando a saia. Era perfeito!
–– Gostei da blusa vermelha, você fica bem nessa cor. – Dizia Leor, abraçado a ela.
Shari sorriu, mas quando ia responder, Marboh começou a rosnar: era a chita que se aproximava. Ela e Leor ficaram quietinhos, queriam ver o que ia acontecer. O animal não se intimidou com o rosnado e abaixou a cabecinha, aproximando lentamente, em sinal de mansidão. Marboh, porém, era implacável e continuou parado, encarando a inimiga. Quando ela estava bem pertinho de Leor e do lobo, a chita deitou, esperando carinho.
–– Olha, parece loucura, mas acho que ela está ressentida por ter me atacado. – Comentou Leor, estranhando o comportamento do animal.
–– Tadinha, passa a mão na cabeça dela, mostra que você gosta dela.
–– Mas eu não gosto.
–– Turista!
Ah, a namorada e seu coração derretido! Leor passou a mão na chita, que continuou deitada, de olhinhos fechados. Foi só então que Marboh deixou o comportamento de defesa e foi socializar, cheirando o animal, que levantou para brincar.
–– Que gracinha! – Shari estava encantada. É verdade que ela sempre teve medo de lobos, só que Marboh e o charme dele fizeram com que ela superasse aquilo, e agora que o medo se fora, apaixonava-se cada vez mais pelos pets peludos!
Às três da tarde, o grupo de Nemat partiu, exatas doze horas depois de Sical.
Eles não tinham muitas carroças, só uma, na verdade, que era puxada por duas mulas do deserto. E, apesar dos súditos terem insistido para que a princesa não andasse, ela se recusara a embarcar na carruagem, deixando-a para as crianças e uma moça que estava grávida. Só porque ela era princesa não significava que seria tratada como superior. Ela sabia que a realeza não estava no luxo ou mordomia, mas no caráter de líder e na responsabilidade pelo bem do povo.
Algumas horas depois, a paisagem foi mudando, ganhando um colorido esverdeado. E, conforme avançavam, Nemat ia se encantando com o Reino que nunca conhecera. O Reino que era dela. E era incrivelmente boa a sensação de estar em casa...
Quatro dias depois eles já tinham passado por seis aldeias. E, toda vez que isso acontecia, os Exploradores davam um jeito de perguntarem, indiretamente, o que aquela população achava do Império. Por medo ou verdade, ninguém dizia que não gostava. Alguns mudavam de assunto e não respondiam, já outros diziam apenas "Salve o imperador". Era perturbador ver o estado de indiferença dos jopes...
Naquela noite, eles iam se acampar perto de uma plantação de lavandas. As flores pintavam a paisagem de roxo até onde a visão alcançava e o aroma era maravilhoso! O bando tinha se acomodado fora da estrada e começavam a preparar a janta, enquanto as crianças corriam pelo campo sob os protestos das mães. Não queriam destruir a plantação de seja lá quem fosse... Nemat estava sentada conversando com Shari, observando Marboh e o guepardo brincarem, quando Hadin se aproximou.
Ele estendeu a mão para a princesa, e Nemat se levantou desconfiada. Antes que ela pudesse perguntar o que ele queria, Hadin vendou-a e sussurrou, enquanto caminhava ao seu lado, segurando-a carinhosamente para ela não cair:
–– Não diga nada, só me acompanhe.
Depois de alguns minutos andando e tropeçando, Hadin parou e tirou a venda de Nemat. Eles estavam longe do acampamento, diante de uma barraquinha azul, que tinha a entrada voltada para o pôr-do-sol. Na cabana, havia uma manta vermelho-vinho, uma jarra e uma bandeja com uvas e morangos, as frutas favoritas dela. Lavandas estavam cuidadosamente arrumadas no aconchegante abrigo. Nemat olhou para Hadin, totalmente surpresa e admirada.
–– Nemat... – Ele se aproximou mais e tocou de leve no braço dela, parecia um pouco nervoso – Você é a mulher mais maravilhosa que eu conheço. É linda, divertida e corajosa... Foi você quem me fez lembrar o que era amar alguém e sem você eu estaria perdido no passado até hoje. – Ela estava totalmente sem palavras e seus olhos brilhavam de lágrimas – Você é a minha razão de viver, Nemat. E eu sei que como princesa, como futura rainha, você deveria se casar com um príncipe, um rei ou algum nobre. Eu não sou nada disso, sou apenas um homem completamente apaixonado por você! Mas, ainda assim... – Ele ajoelhou-se e tirou um pequeno anel do bolso – Quer casar comigo?
–– Hadin! Eu... – Nemat só fazia rir e chorar, não conseguia pensar muito menos responder!
–– Sabe que essa não é uma pergunta retórica, não sabe? – Disse ele rindo, meio apreensivo. Ele achava que ela diria "sim", mas, lá no fundo, ainda tinha medo de um "não".
–– Sim! SIM! É claro que eu quero casar com você! – Nemat jogou-se nos braços dele, caindo ambos no chão florido.
Ainda riam e choravam ao mesmo tempo, quando Hadin colocou o anel de ouro branco na mão esquerda dela. O anel tinha uma pequena pedrinha de esmeralda e era de fazer qualquer garota perder o fôlego! Hadin tinha adquirido a joia naquele ano que passara em Scien, pois em momento algum deixara de pensar na mulher que amava.
–– Os reis usam anéis na mão direita, simboliza poder e, com ele, assinam documentos. Com esse anel eu quero selar nosso amor, mas não como um símbolo de poder, quero que simbolize vida... – Explicou Hadin.
–– Por isso a mão esquerda...
–– É a mão do lado do coração. – Disseram eles, ao mesmo tempo.
Em Saas, as pessoas não usam aliança, por isso aquele anel era um símbolo único do amor deles, só deles. E a esmeralda simbolizava esperança, o recomeço. Era simplesmente perfeito. Nemat beijou Hadin, saboreando aquele momento.
–– Uvas e morangos? Eu sou tão previsível assim?
–– Só quando a gente tem o prazer de te conhecer melhor...
E eles foram para a barraquinha azul, assistir opôr-do-sol e comemorar o noivado. Dá para imaginar? Eles iam casar! Nemat tentou não pensar na mãe e no pai, nãoqueria estragar o momento, mas... Como será que Ravel ia reagir ao ver suagarotinha casando? Do jeito que era emotiva, provavelmente ia chorar. E Dafar,bem... Nunca o conhecera, mas tinha certeza que ele ia gostar de Hadin. E queficaria muito feliz vendo a princesinha dele casando com quem amava!
-----------------------
Alguém suspirando aí com esse pedido de CASAMENTO?? *O*
************
As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
Wattpad.com | 2014
Todos os direitos reservados.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro