01: Jope
I: Jope
Todos estavam ansiosos, com os corações batendo rápido e fazendo tudo às pressas. Faltavam poucos metros para pisarem oficialmente nas terras do Ocidente, em Jope, e parecia que simplesmente não chegavam nunca! Era como se quanto mais se aproximavam, mais distante a terra ficava... Até que o barco bateu numa rocha.
–– Daqui não passa, se não vamos encalhar! Preparem o bote para descermos! – Ordenou Leor.
Nemat correu para baixar a âncora, enquanto Hadin preparava o barquinho salva-vidas e Shari descia a vela. Marboh estava cuidando de Tenazd, que estava sentado num canto, enrolado em cobertas e tossindo muito. O lobo de vez em quando grunhia e lambia a mão dele. E o cientista comentava:
–– Está bem, já sei... – Bebia um copo d'água e reclamava – Você está ficando muito mandão...
–– Ele é meu ajudante, fala assim, Marboh: "Se você cumprisse as ordens do doutor, talvez eu não precisasse bancar sua babá"...
Desceram o bote, depois de colocarem nele algumas coisas para fazerem um acampamento. Marboh não saiu voando dessa vez, já estava acostumado com os balanços do barco e foi sentado num dos banquinhos. Quando chegaram à praia, Hadin teve uma ideia.
–– Desce primeiro, Nemat... Você merece ser a primeira pessoa do Oriente a pisar no Ocidente.
Ela olhou para os amigos e sorriu. Levantou-se, tirou os sapatos e, erguendo a barrinha do vestido, passou o pé direito para fora do barco... Encostou-o lentamente na água e afundou o pé até pisar na terra macia... Pisou com força e passou a outra perna para fora do barco. Então, ergueu a cabeça e respirou fundo, de olhos fechados, para que nenhuma lágrima escapasse... Abriu os olhos e admirou aquela praia tão extraordinariamente linda.
–– Jope... – Sussurrou – É um prazer te conhecer pessoalmente!
Todos desceram do barco e ajudaram a puxá-lo para a areia branca e macia do litoral.
–– UHUUULLL!!! – Leor gritou e saiu correndo pela praia, de braços abertos, enquanto os outros riam de felicidade. Ele tinha um jeito engraçado e sincero de demonstrar as emoções.
Voltou para onde o grupo estava e pegou Shari no colo, levando-a para a água.
–– Não, Não! Turista, não se atreva! – Esperneava a pobre namorada.
Mas ele se jogou na água e ela caiu junto, logo se levantando e tentando acertá-lo com uma mãozada de areia.
–– Quem chegar por último lava as louças? – Perguntou Hadin para Nemat.
–– Pode preparar a bucha, querido! – Riu Nemat, empurrando Hadin para trás e saindo correndo em direção à água.
Tenazd sentou na ponta do bote, fungando. Marboh veio e sentou aos pés dele.
–– Veja como estão felizes... – O lobo latiu e Tenazd fingiu uma voz de surpresa – O quê?! Por que eu não tenho uma namorada? Ora, até parece que você não me conhece...! Eu sou comprometido com a ciência, amigo, não tenho tempo para mulheres. Além do mais, eu não acredito no amor.
Pobre Marboh, parecia o psicólogo do grupo, ouvindo os segredos de todo mundo... E, mesmo sem compreender o que os humanos diziam, ele adorava ficar sentado com alguém matracando ao seu lado. Era gostoso ouvir as pessoas que ele amava falando com ele. Faziam-no se sentir importante, querido.
Depois de saírem da água, Shari e Nemat foram procurar um lugar para se trocarem, adentrando um pouco a floresta. O litoral tinha alguns metros de praia e depois começava uma selva não muito espessa, feita praticamente de coqueiros, gramíneas e algumas árvores não frutíferas. Havia também várias rochas na água e fora dela.
–– Ei, Hadin, será que o Tenazd acha alguma garota por aqui? – Perguntou Leor, terminando de se trocar.
–– Oi?! Eu estou bem aqui... – Disse Tenazd, encolhendo-se sob a coberta.
–– Se ele não assustá-la, talvez... – Brincou Hadin, vestindo a camisa.
–– O que querem dizer com isso? – Perguntou Tenazd num tom ofendido.
–– É mesmo. Imagine: eles saem para jantar e de repente ele começa a estudar a galinha do prato... – Riu Leor.
–– Interessante você achar que só porque sou cientista eu deveria estudar uma simples e tediosa galinha!
–– Ela acha estranho, – Continuou Hadin – mas, como já viu coisa pior, deixa passar... Até que ele começa a usar a mão dela como papel para fazer cálculos enormes!
–– Cálculos? Sério? Vocês são muito sem imaginação! Agora parem de fingir que eu não estou aqui. – Zangou-se Tenazd.
Hadin e Leor riram, enquanto o primeiro foi procurar lenha e o médico do grupo ia examinar Tenazd.
–– É só brincadeira, Tenazd... Mas uma coisa é séria: até que uma mulher na sua vida não cairia mal. – Leor olhou a garganta de Tenazd e foi pegar alguns ingredientes na bagagem para fazer outro xarope. Só que, dessa vez, ele seria mais forte, iria para o fogo e Leor esperava que fizesse o cientista melhorar.
–– Prefiro não falar sobre minha vida amorosa.
–– Ou a falta dela. – Tenazd encarou o amigo e Leor sorriu – É brincadeira, cara!
As meninas voltaram para o grupo e Nemat ajudou Hadin a acender a fogueira, enquanto Shari preparava a janta, que ainda seria frutas e cereais do convés.
–– Não aguento mais comer essas coisinhas nada gordurosas... – Reclamou Leor, enquanto comia desanimadamente uma pêra.
Eles montaram uma espécie de barraca com bote para Tenazd dormir, já que ele não podia se expor ao vento frio. Marboh aproveitou e invadiu, de mansinho, o abrigo do cientista...
–– Ah não, Marboh, desculpe amigão, mas esse barco é pequeno demais para eu, você e suas asas... Ei, está me ouvindo?! É sério, lobo, vai embora! Eca! O que foi isso? Você soltou um pum, Marboh? – Mas não adiantou de nada, o lobo deitou ao seu lado e aquela carinha fofa foi demais para o coração do pobre cientista – Aaah, está bem... Mas só essa noite!
Os casais arrumaram dois colchões de pano e dormiram sob as estrelas e pesadas mantas... Era a primeira noite de Nemat no Reino que fora tomado de sua família e ela não conseguiu pregar o olho.
♜ ♜ ♜
Na manhã seguinte, a jovem herdeira levantou para uma caminhada matinal. Dessa vez, nem mesmo Marboh acompanhou-a, todos dormiam exaustos. Mas era melhor assim. Ela caminhou descalça, colhendo conchinhas coloridas, enquanto os pensamentos corriam muito mais rápido do que ela. Parou algumas centenas de metros depois, onde uma enorme rocha negra era violentamente socada pelas ondas da maré que subia.
Foi até lá, escalou a pedra até a parte mais alta e contemplou o enorme mar esverdeado. Era estranho, ela estava acostumada com águas meio rosinha... Nemat ficou na ponta do pé, tentando imaginar o tamanho do oceano que tinha acabado de atravessar. Mas pensar no oceano era apenas uma forma de ocupar os pensamentos para eles não acabassem onde ela evitava: seu pai. E como nunca o conhecera... Será que ele nem mesmo desconfiava que sua mãe estivesse grávida? Era tão horrível pensar que ele morrera sem nem saber que ela existia...
–– Eu prometo que vou vingá-los. Não sobrevivi à toa, Ortis vai pagar por tudo o que fez... – Disse para o mar e as gaivotas, desejando que a família estivesse ali para ouvi-la.
Quando o grupo despertou, às nove horas, Nemat estava terminando de preparar um café da manhã especial: cereais com coco. Cada um pegou uma banda de coco e comeu rapidamente. Não podiam evitar, estavam loucos de ansiedade para darem uma olhada no mapa de Jope e elaborarem um plano. O mapa era velho, pertencera a Ravel, mas, com sorte, serviria. Então, às nove e meia, eles se reuniram em círculo.
–– Acho que estamos por aqui, bem nesta pontinha. – Analisava Hadin – Isso significa que podemos ir para o norte seguindo a costa, o que seria mais seguro por causa da floresta...
–– Mas não acho que encontraríamos uma aldeia ou cidade até chegarmos à capital, o que arruinaria nosso plano... – Lembrou Nemat.
–– Teremos que atravessar esse pedaço de deserto e torcer para encontrar uma vila depois... – Leor sugeriu – Adentrando um pouco mais o sul de Jope antes de seguir para o norte, provavelmente encontraremos algumas cidades.
–– Seria bem perigoso... – Avisou Shari.
–– Claro, porque atravessar um oceano desconhecido foi a coisa mais fácil e segura que já fizemos. – Disse Tenazd, um pouco irritado.
–– Ah, que gracinha, ele sabe ser sarcástico. – Provocou a outra, sorrindo.
–– Então está bem. – Nemat tentou voltar para o foco da questão – Atravessamos esse pequeno deserto, o que pode ser perigoso, mas a gente consegue. Depois tentamos achar uma vila. – Eles ficaram em silêncio, o plano não parecia muito bom – Mas não podemos ir assim, nos jogando ao acaso, precisamos ter certeza que encontraremos uma vila para observar!
–– Como vamos ter certeza para onde ir se não colocaram as cidades no mapa?! – Perguntou Hadin.
Os cinco estavam chateados, não sabiam como fariam aquilo. A melhor opção parecia atravessar o deserto, adentrando o sul de Jope, mas não poderiam fazer aquilo sem ter certeza que encontrariam uma aldeia, eles precisavam aprender a pelo menos se vestir como os jopes. A última coisa que queriam era chamar a atenção das pessoas erradas. Sem mencionar o fato de que eles precisavam sondar a situação política do Reino e a memória do povo...
–– Eu não acredito! – Riu Nemat, ainda olhando para o mapa – Minha mãe me disse que existiam pequenas vilas no deserto do sul, que eram os acampamentos dos Exploradores da Serra Dourada... – Ela apontou no mapa o que parecia ser um conjunto de montanhas no meio do deserto – Esta é a Serra, são montanhas negras ricas em pedras preciosas. Talvez a gente encontre uma dessas aldeias, é só caminhar rumo à cordilheira... – Ela mal acreditava que tinha quase se esquecido daquela história.
–– Parece bom! Ninguém das aldeias fora do deserto conhece todos os Exploradores da Serra Dourada, poderemos facilmente nos passar por um deles enquanto sondamos a memória do povo. – Disse Shari, animada.
–– Certo, vamos adentrar o deserto... Mas, e quanto ao barco? – Lembrou Tenazd.
Eles tiveram que voltar para O Sobrevivente e pegar o máximo de comida e bebida que podiam carregar. Depois de arrumarem tudo em mochilas, navegaram um pouco mais, descendo a pontinha de terra onde estavam, assim eles ficariam mais perto da Serra Dourada. Chegaram ao meio dia no local onde resolveram deixar o barco ancorado, por trás de umas rochas. Torceriam para ninguém encontrá-lo.
Depois, desceram o botinho e foram até a nova praia. Ficaram ali por quase uma hora, só suficiente para almoçarem, e logo estavam dando início a mais uma jornada: a travessia do pequeno e traiçoeiro deserto de Jope.
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ho ho ho Péssima ideia atravessar o deserto??
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As lendas de Saas
Escrito e publicado por: Becca Mackenzie
Wattpad.com | 2014
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