01_ O que poderia dar errado?
Estava encarando meu reflexo no espelho quando ouvi um burburinho. O burburinho se tornou conversas altas e audíveis. Sons de coisas sendo jogadas no chão e passos fizeram o meu coração acelerar.
Que droga, Pérola!
Minha primeira reação foi destrancar a porta do banheiro e abrir devagar apenas para conferir se eu estava certa. Maldita hora para estar certa.
O vestiário estava lotado de caras que vieram para jogar. Alguns já estavam sem camisa e eu voltei a fechar a porta quando percebi que uns já estavam abaixando as bermudas.
Me recostei na porta e apertei os olhos.
O que alguém normal faria? Alguém normal sairia daqui e explicaria que só queria usar um banheiro que não estivesse abarrotado e fedendo a secreções.
Mas o que a minha eu com síndrome de " todos pensam sempre o pior de mim " faria? Ficaria aqui trancada para sempre com medo de sair e pensarem que sou algum tipo de pervertida que gosta de ver homens pelados.
Mordi o lábio tentando pensar no que fazer para sair dali. Infelizmente não consegui pensar em nada antes que a voz da Demi Lovato começasse a soar pelo banheiro.
Merda, meu celular!
Me afastei da porta tirando o celular do bolso e tentando desligar a chamada da Pérola.
A porta atrás de mim abriu. Alguém abriu. Alguém estava entrando. Alguém estava me vendo!
Olhei para trás devagar e o que encontrei foi um cara que nunca tinha visto na vida, olhando para mim com a expressão mais confusa possível.
Ele olhou para o vestiário e depois para mim.
Esperei que ele perguntasse o que diabos eu estava fazendo ali. Esperei que ele chamasse os outros e perguntasse o que diabos eu estava fazendo ali. Esperei qualquer coisa, menos que ele entrasse e fechasse a porta atrás de si, se trancando ali comigo.
ㅡ O que ta fazendo aqui? ㅡ Ele jogou a mochila sobre a bancada da pia.
ㅡ Eu queria usar o banheiro. ㅡ Sussurrei, apesar de que não precisava. Os caras no vestiário estavam praticamente gritando e rindo muito alto. ㅡ Os lá de cima estavam muito cheios.
Ele cemicerrou os olhos para mim ao passo que cruzou os braços.
ㅡ Você estava querendo espionar?
ㅡ O que?? ㅡ Arregalei os olhos. ㅡ Eu não! ㅡ Continuou com a cara de desconfiado. ㅡ Eu não! Por que eu faria isso?
ㅡ Eu não sei. ㅡ Ele deu com os ombros e começou a mexer na mochila. ㅡ Existem muitos pervertidos por aí.
ㅡ Olha só, eu não queria espionar nenhum de vocês. E se eu fosse uma pervertida, procuraria ao menos um lugar que tivesse homens bonitos. ㅡ O cara apenas balançou a cabeça com um sorriso, obviamente para me provocar. Talvez ele soubesse que era bonito. Porque ele era. Se não fosse a atual situação, provavelmente ficaria interessada. ㅡ Olha só, eu só quero sair daqui.
ㅡ Sai.
ㅡ Não dá! Eles vão pensar que eu queria espio... ㅡ Ele desviou o olhar da mochila para mim com um sorriso de quem tinha razão. ㅡ Arg... ㅡ Resmunguei me sentando na tampa do vaso.
ㅡ Marcos? ㅡ Alguém bateu na porta do banheiro. ㅡ Vai demorar muito? Quero usar o banheiro.
O cara, que percebi se chamar Marcos, continuou olhando para mim enquanto eu devolvia seu olhar, com medo do que ele faria. Era uma droga me importar tanto com o que os outros pensam de mim.
ㅡ Vou demorar, sim. ㅡ Ele respondeu ao homem atrás da porta, sem tirar os olhos de mim. ㅡ Acho que estou com dor de barriga.
Sua mentira me pegou de surpresa.
ㅡ Ah, qual foi? ㅡ O homem resmungou do outro lado.
ㅡ Vai nos lá de cima. ㅡ Marcos voltou a mexer em sua mochila e tirou dela seu uniforme para o jogo.
Ouvimos um palavrão do outro lado e eu soltei o ar que estava segurando, em alívio. O momento de alívio foi cortado por Marcos que começou a tirar a roupa.
ㅡ O que ta fazendo??
ㅡ Você quer que eu jogue bola de jeans? ㅡ Retrucou. ㅡ Vou ter que ficar aqui com você até todos saírem. Pelo menos já vou me trocar.
Ele começou a tirar a calça e eu me virei de costas de imediato.
Por que eu me meto em situações assim?
Alguns dias antes...
( Narrado por Jurema )
Acho que eu me odeio. É, eu não acho, tenho certeza. Odeio tanto que todos os dias fico um bom tempo na frente do espelho tentando me fazer acreditar que vou ser uma boa pessoa durante aquele dia.
Fico prometendo a mim mesma que vou ser gentil e agradar a todos que eu puder. Encaro meu reflexo e tento me convencer de que não há nada de errado comigo. Que não existe um lado negro que pode me tomar, de repente, e me fazer voltar a ser a pessoa que eu era.
A pessoa que eu era... Eu daria tudo para voltar no tempo e ser uma pessoa diferente. Fazer tudo diferente. Queria só poder voltar para a minha adolescência e não me preocupar com inveja, competição ou rivalidade que eu mesma criava na minha cabeça.
As pessoas dizem que eu mudei. Todos a minha volta dizem que gostam de mim e que melhorei muito com o tempo, mas mal sabem elas que fico quase meia hora na frente do espelho todas as manhãs implorando para mim mesma para não ser uma pessoa ruim.
E isso cansa. Esperar sempre o pior de mim cansa.
ㅡ Você vai se casar? ㅡ Fui direto ao assunto. Meu pai se sentou para conversar comigo, mas ficou com tantos rodeios que já imaginei o que ele diria.
ㅡ Vou. ㅡ Ele abriu um sorriso reconfortante. Faziam alguns meses que ele começou a namorar uma moça e uma hora ou outra eu sabia que ele ia dar algum passo. Ou terminar, como fazia sempre, ou se unir a ela. E agora ele estava me dizendo que escolheu a opção B. ㅡ E estou muito feliz com isso. Você é a primeira pessoa para quem estou contando. É importante para mim que você... ㅡ O interrompi para poupa-lo da tortura.
ㅡ Pai, por mim está tudo bem. Eu quero que seja feliz. Não precisa se preocupar comigo. ㅡ Minhas palavras pareceram tirar pesos enormes de seus ombros. Ele respirou e sorriu com tanto alívio que pareceu até mais leve. ㅡ Ela vai se mudar pra cá?
ㅡ Não, eu comprei uma casa em Rio Bonito. Nossa casa não é grande o suficiente para todos nós. ㅡ Pendi o rosto para o lado sem entender.
ㅡ Todos nós?
ㅡ Ela tem uma filha. Você vai adora-la. É uma menina muito boa. ㅡ Eu sorri torto tentando não demonstrar o desespero que tomava minha mente como uma fumaça negra.
Além de ter que me mudar de cidade, teria que conviver com outra pessoa dentro de casa. Outra pessoa que eu faria de tudo para não demonstrar o meu verdadeiro eu. Outra pessoa que eu morreria se visse o meu verdadeiro. E agora também descubro que não vai ser uma pessoa, mas duas.
ㅡ Filha, eu sei que você já é de maior e pode morar sozinha. Na verdade, se quiser, eu compro um apartamento pra você se não quiser ir conosco, mas eu... ㅡ Balancei a cabeça de imediato.
Não me sentia pronta para morar sozinha. Mudar de cidade seria uma mudança e tanto, mas mudar para meu próprio apartamento seria ainda maior e não quero isso agora.
ㅡ Bom... ㅡ Meu pai se levantou do sofá. ㅡ Nos mudamos no fim de semana. Vai ficar mais perto dos seus amigos.
Sorri para ele enquanto ele saía da sala. Encarei a praia pela sacada e fiz o possível para ignorar todos os pensamentos pessimistas que resolveram alugar minha mente.
Tentei acreditar que algumas mudanças eram boas e que nem tudo sempre dá errado. Mesmo que meus pensamentos insistissem em dizer que eu não merecia que algo desse certo pra mim.
Uma mensagem fez meu celular acender no meu colo.
Perola- Jogo do indústria e comércio sábado. Os meninos vão jogar, bora?
Li e reli a mensagem antes de responder, pensando nas coisas que poderiam dar errado. É, era uma merda pensar até nisso. Mas... É só um jogo de futebol, o que poderia dar errado?
•••
Continua...
Capítulos serão postados de segunda à sexta. Espero que gostem <3
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