Uma figura nua e decadente cambaleava sob o sol, ganhando metro a metro do deserto a pé. Era Bob Carson num apelo às suas últimas forças.

Quem o visse naquele estado, diria não ser mais que um frangalho humano, um fantasma, a sombra do que um dia fora alguém. Mas era precipitado achar que isso fosse um veredito. Existe no homem da fronteira uma virtude especial que, talvez, não caiba em nenhum outro na mesma intensidade: o apego pela vida. Bob apegava-se à sua. Agarrava-a agora com tal ferocidade que cada membro do seu corpo trabalhava para salvar-se antes por instinto que por comando.

Ele pisou na rua principal de Sunshine ainda antes do crepúsculo, os pés em carne viva, a pele tostada, rasgada pela inclemência do sol. Quando olhou em volta, na busca de alguma boa alma que o socorresse, apenas desabou de joelhos ali mesmo, onde estava.

– Merda...

Desolado, custou a crer naquilo tudo e sorriu, afinal. Não restava fazer mais nada mesmo.

Nas ruas, calçadas, sob os alpendres, nas portas das casas, das lojas, nos peitoris das janelas. Para onde quer que Bob olhasse, acharia um cadáver ressequido, fossilizado, abraçado daquelas raízes negras como tentáculos carbonizados com flores escarlates como sangue vivo. Onde quer que buscasse ajuda, só encontraria a morte e aquela neblina cinzenta rondando, espreitando, ocupando os espaços, tomando-os para si. Não havia mais pra onde fugir. Não havia mais o que fazer. Tinha andado tanto pra morrer do mesmo jeito. Sunshine não existia mais. Era só uma extensão do deserto. Um grande cemitério a céu aberto, e Bob sabia ser o seu último defunto.

E sorriu mais.

THE END
Cuiabá – Fevereiro de 2021.