Epílogo: A Tríade Renascente
Saint Luna, 21 de março de 1993
Domingo - 07:14 A.M.
— Ah, doce primavera! Onde as flores nascem e crescem belas, a época de páscoa do Ostara! Abençoados sejam os deuses!
Falei empolgada enquanto dançava sozinha sentindo o sol quentinho iluminando parte do quarto. Abri a janela e respirei fundo, sentindo o cheiro do ar fresco. Caminhei animada até a frente do espelho e encarei meu novo visual, meu novo corpo já que eu havia enjoado da forma adolescente e queria ousar um pouco mais.
Agora eu possuía a altura aproximadamente de um e setenta e cinco, tinha um corpo mais adulto e a pele bronzeada como quem passou dois meses pegando sol na praia. Meus cabelos estavam longos, mais ou menos na altura da cintura e um pouco ondulados da cor castanho claro. Meu olhos eram uma mistura de verde com mel, não sabia ao certo, mas eu definitivamente parecia uma deusa egípcia.
— Linda, maravilhosa, perfeita! — Me elogiei sem me importar se eu estava muito padrão e comecei a me arrumar.
O apartamento no centro de Saint Luna continuava o mesmo. Há três anos a cidade sofreu várias tentativas de ataque por um genocida maluco, Hitler dos demônios, mas como a profecia dizia, a tríade mais forte de Hécate iria detê-lo. Conseguiram, mas isso custou um bastante caro. Custou a vida de algumas pessoas, a felicidade delas, custou poder, custou sacrificar algo próprio para o bem de todos. Enfim, todos perdemos e ganhamos na mesma proporção, eu diria que tudo deu certo.
Quando terminei de me arrumar, saí e caminhei em direção à floresta onde seria realizado o Sabá. Mesmo depois do término da escola, Seline, Alice e Jesse continuavam vindo a todos os Sabás durante a roda do ano. Os outros também, apesar de terem seguido todos um caminho diferente. Nantai voltou a caçar seres sobrenaturais como fazia, agora sem Chris, mas depois da morte de Aylen há alguns meses, ela preferiu seguir seu rumo sem a presença de mais ninguém. Foi uma grande perda para todo o coven, mas já estava na hora de Aylen partir. Ela já era idosa, já havia suportado mais coisas que um jovem comum e forte suportaria. Posso dizer enfim que Aylen está descansando.
As gêmeas Madison e April voltaram para sua cidade natal, Massachusetts, para tentarem viver suas vidas normalmente depois de todo o ocorrido. Obviamente elas encontram alguns problemas no caminho, mas nada que não consigam resolver sozinhas. Anne Watson conseguiu sua aprovação na Princeton University, mas não sei exatamente em qual curso. Quase sempre ela vinha à Saint Luna ver o padre que a criou e também para rever os velhos amigos (no caso, eu).
Quanto a mim, me tornei a nova professora de ocultismo na Everest High School com total apoio de Mariyah. Ninguém sabe que eu Lucy sou a Lucy, mas quem disse que eles precisam saber? Um dia sou aluna e outro professora, mas durante esse tempo ensinei muito mais do que o maluco do Abraham pôde ensinar. Como uma bruxa imortal ex tríade, posso dizer que comprovei e conheço muito o mundo sobrenatural, melhor do que qualquer outro vivo nessa cidade.
— Chegamos! Onde estão os outros? Achei que o altar já estivesse pronto! — Madison falou se aproximando com sua irmã ao seu lado, então me virei e abri um sorriso esplêndido.
— Minhas gêmeas favoritas! — Me aproximei delas animada e dei um rápido abraço em cada uma. — Vocês vão me ajudar a montar o altar, certo?
Ambas fizeram que sim com a cabeça e logo começaram a espalhar as velas pelo círculo e montar o altar com seus respectivos objetos e símbolos. Quando estávamos quase terminando, Anne chegou aos poucos com a expressão um pouco cansada. Um tempo depois, tudo já estava pronto e os outros começavam a chegar aos poucos.
Tudo ainda era novo, cada vez uma nova descoberta. Eu me sentia como a mãe de cada um ali, como quase uma deusa ou algo do tipo (alô Hécate, quero um aumento). O Sabá de hoje não era apenas pelo Ostará, mas também para marcar a ressurreição de algo que havia morrido há um tempo atrás.
— Irmãos e irmãs. Sejam bem-vindos ao Ostará para a comemoração de mais uma primavera em honra ao deus e à deusa! — Iniciei de forma esplêndida observando cada um ao redor, inclusive três figuras familiares que chegaram atrasadas. Tentei não demonstrar o orgulho que sentia vendo-as daquele jeito depois de tudo que enfrentaram, mas foi quase inevitável.
Seline vestia um vestido branco com algumas flores vermelhas e amarelas, usando uma meia calça preta por baixo. Seu olhar continuava intenso como antes, um pouco mais madura e seus agora, curtos cabelos, batiam na altura do seu ombro levemente repicados.
Jesse estava um pouco mais alta do que a última vez em que a vi, havia deixado seu cabelo encaracolado livre e usava uma jardineira que cobria até a sua canela e uma das altas estava solta, dando para ver sua blusa branca com três riscos de cores diferentes: vermelho, azul e amarelo.
Alice continuava com seus olhos verdes esmeraldas bem abertos e acesos. Seus fios loiros de cabelo estavam enfeitados por algumas flores coloridas no qual não soube distinguir se eram de verdade ou apenas detalhe. Ela usava um vestido longo, claro, com folhas verdes e azuis pintadas no estilo grafite.
— Eu ainda não entendi exatamente o motivo de ter nos trazido aqui e confesso que estou bastante confusa. — Ellie falou confusa enquanto tentava segurar sua filha, Amelie, para que a pequena não saísse correndo pela floresta.
— E eu deveria estar no hospital essa hora, sabiam? — Elizabeth afirmou preocupada, mas no fundo pude notar que estar aqui era um privilégio para ela.
— Antiga tríade, sentem-se no meio do círculo e apenas sintam a magia. Considerem um presente dos deuses! — Disse vendo elas sentarem no chão entre as folhas, deixando com que o coven desse as mãos ao redor delas enquanto cochichavam sobre algo. — Deuses, peço-lhes gratidão por cada conquista que nos deram até aqui! A antiga tríade está pronta e de pé para receberem suas honras para se tornarem bruxas hereditárias e transmitirem suas bênçãos aos seus herdeiros, para que seus sobrenomes não sejam apenas o símbolo da tríade, mas o símbolo de famílias que ofereceram seus corpos para o bem do coven e do mundo!
— Abençoados sejam! — O coven repetiu, e consegui ver a expressão das três confusas com o que fazíamos.
— "In Unum Edito, Dominus Sae Domina. Cuplas Sino Liberos".
Enquanto o coven repetia as palavras do feitiço de fertilização, senti a famosa energia pairar no ambiente, acompanhada de uma leve brisa que batia em todos instantaneamente e fazia as folhas e flores ao redor voarem. Segurei o talismã necessário para o ritual e coloquei no chão entre as três mulheres. Elas não pareciam se importar, exceto Ellie que prendia a filha hiperativa a todo custo.
— Eis aqui, deuses, as filhas da magia! Ofereço-lhes o poder da natureza, o dom da sabedoria e a harmonia dos anciões! — Recitei de olhos fechados sentindo o poder fluir por elas e as preencherem aos poucos.
A antiga tríade estava de pé novamente. Os novatos olharam surpresos e maravilhados, era uma experiência nova e única, completamente incrível! Com o fim do ritual, todos se espalharam para procurar os ovos enfeitados pela floresta. Aquela manhã havia acabado de começar mas a sua energia estava insuportável. Com certeza havia sido o melhor Sabá, não só para mim mas para todos. Agora éramos dezesseis, depois de tudo nosso coven voltou a ser cheio e alegre como deveria ser! Bem... dezesseis e meio.
— Tia Lucy! — Vi a menininha de cabelos claros e olhos cor de mel puxar meu vestido e me puxar na direção de algo. — Ovo!
— É, você achou um ovo. Parabéns, Amelie! — Disse animada me abaixando e pegando o ovo colorido, entregando para a mesma. Amelie segurou com um pouco de dificuldades e andou até Ellie, entregando-a alegre por ter achado um ovo sorteado.
— Que milagre é esse? Não está assustando crianças nem fazendo um monstro imaginário para elas... — Nantai falou um pouco atrás de mim, o que me fez estranhar e duvidar se ela estava falando comigo ou com alguém perto de mim.
— E você não está proferindo palavras feias contra minha pessoa. Todos mudamos, não acha? — Questionei me referindo às milhares de ofensas que Nantai me fez durante os anos (algumas no qual eu nunca tinha ouvido falar) logo após nossa pequena quebra de amizade. Sim, ninguém pode acreditar, mas um dia já fomos amigas próximas.
— Tem razão... esses meses eu andei me lembrando de um ensinamento que minha avó me dava no qual nunca esqueci, mas também nunca tive a oportunidade de praticar. — Nantai suspirou desencostando de uma árvore enquanto falava com certa dificuldade, tentando matar seu monstro interior. — Eu te perdoo.
— Eu nunca te pedi perdão. — Respondi provocativa e ela me olhou com raiva por um certo momento. — Você que é rancorosa, eu não fiz nada demais e você passou a me odiar pelo resto da vida.
— Nada demais? — Questionou perplexa dando alguns passos para perto de mim. — Você tentou me matar e me deixou presa em uma ilha silvestre sem poderes!
— Eu tive meus motivos. — Segurei o riso e cruzei os braços me lembrando daquele dia. Ah! Relembrar é viver! — Não tenho culpa se você roubou meu namorado.
— Para de ser burra, eu não roubei ninguém! — Nantai afirmou tentando não alterar o tom da voz, então manteve seu controle e sorriu sarcástica. — Não tenho culpa de ser mais atraente do que você.
— Olha só, você... — Antes de agarrar seu pescoço, senti uma mão me segurar e me impedir de estrangular Nantai. — ME SOLTA QUE AGORA EU VOU MATAR ESSA ÍNDIA FALSA DE UMA VEZ!
— Não é índia, é indígena. I-N-D-Í-G-E-N-A. — Soletrou começando a rir e eu vi que era apenas uma piada que ela fez. Desde quando Nantai fazia piadas. — Ah, qual é. Éramos amigas, éramos irmãs. Realmente vamos nos deixar levar pela fúria por um homem que nem ao menos era bonito?
— Cuidado com a rivalidade feminina, garotas! — Seline debochou se aproximando de nós e logo vi que a pessoa que me impedia de agredir Nantai era Jesse.
— Ela tem razão. Paz, amigos, good vibes, amor e essas coisinhas. — Jesse falou me soltando aos poucos. — Agora deem um abraço para serem amiguinhas de novo.
— O que? Eu não estou no jardim de infância para isso! — Neguei com a cabeça mas senti os braços me rodearem como surpresa. Fiquei um pouco em choque, mas Nantai realmente fez aquilo. Logo senti uma forte dor vindo da minha barriga e olhei para baixo, vendo sangue espalhado pelo meu vestido.
— Isso é por me deixar para morrer. Mas fora isso, nossa amizade ainda está de pé. — Nantai sussurrou no meu ouvido e se afastou, começando a caminhar para outro canto.
O ferimento de adaga feito na minha barriga começa a se curar e o sangue desaparecer. Essas eram as minhas vantagens de imortalidade e felizmente Nantai não as possuía, caso contrário estaria morta. Sorri de lado vendo-a ir embora, sabia que ela estava certa, apenas não iria admitir.
Olhei ao redor e vi a perfeita harmonia que o Sabá se encontrava. O ritual já havia acabado, mas a alegria continuava entre os bruxos e bruxas (e criança) que aproveitavam cada momento, cada segundo. Essa era a essência, a vantagem de viver o sobrenatural saudável.
Isso era ser uma bruxa. Escrever novos capítulos de uma história fantasiosa que não sabíamos o final, ou quantas páginas daria, ou quantos livros ao certo seriam escritos. Ser uma bruxa não é apenas um abracadabra mágico.
Ser uma bruxa era ser independente, ser uma bruxa mulher mais ainda. Era ter a coragem para enfrentar seus maiores medos, para viver a vida com determinação. Ser pura o suficiente para enxergar as más e as boas energias, ser corajosa e protetora para ajudar que precisasse ser ajudado e ser sábio o bastante para saber enfrentar as dúvidas e os problemas recorrentes.
Agora, fechem os olhos e imaginem que essa é apenas mais uma história fantasiosa escrita por uma pessoa aleatória. Acreditem que isso não é real, siga sua vida como apenas um leitor, que a magia é apenas um conto contado para crianças dormirem. Acreditem que somos apenas personagens, que coisas que vivemos são irreais e impossíveis de acontecerem.
Em cinco segundos vocês esquecerão de tudo. Em cinco segundos eu irei sumir e existir apenas na profunda memória de vocês. Em cinco segundos, tudo vai recomeçar aqui em Saint Luna. Em cinco segundos essa história vai acabar.
Cinco... quatro... três... dois...
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