Saint Luna, 26 de agosto de 1991
Segunda-feira - 07:03 A.M.

No dia após o casamento de Ellie, tivemos aula normal. A festa durou até o final da tarde, depois disso Ellie e Caleb foram viajar, mais especificamente foram a um cruzeiro de quatro meses, mas voltariam antes do ano acabar. Alice não se importou em ficar sozinha em casa, mas Seline e eu combinamos que ela poderia ficar conosco se quisesse.

— Um tornado? Como assim? Por quê não nos disse antes?

Seline perguntou perplexa enquanto mantinha suas mãos apoiadas na parede, pensativa. Meus braços estavam cruzados, quase na mesma reação, mas eu ainda precisava saber mais sobre o assunto.

— Um tornado se aproximando de Saint Luna? Então quer dizer que... esse tornado certamente já destruiu outros lugares? — Perguntei tentando manter o tom da minha voz firme.

Não era difícil saber que Lúcifer ainda estava atrás de nós. Bem, não exatamente de nós três, já que conseguiu tirar nossos poderes e nos deixar em desvantagem, mas sim do domínio mundial.

— Não disse antes porque não queria atrapalhar a festa! — Respondeu Seline e logo se virou para mim. — Provavelmente, só não vimos. De acordo com a velocidade, ele chegará bem mais forte e poderá até mesmo destruir a cidade inteira de uma vez. Além disso, ele está vindo da direção do mar, o que pode causar um tsunami.

Seline, Alice e eu nos olhamos com certa aflição e um silêncio curto predominou sobre o lugar. O sinal alto atrapalhou esse silêncio, pois estava nos indicando que deveríamos ir para as salas de aula. Respiro fundo com a cabeça prestes a explodir. Ótimo! Sem poderes, sem opção, sem saída. Como daríamos conta de um tornado e um tsunami? Ambos são desastres naturais fortíssimos, não seria um simples abracadabra que os impediria.

— Mais tarde resolvemos o que vamos fazer. — Disse Alice, por fim, antes de sair do refeitório e caminhar na direção da sua sala.

— E quanto ao coven? Não podemos pôr a vida  de mais ninguém em risco! — Seline questionou se virando na minha direção, provavelmente esperando que eu surgisse com uma ideia ou plano que salvasse o mundo. Essa parte não era nem minha especialidade e sim a de Alice.

— Às vezes... às vezes não dá para salvar todo mundo, Seline. — Respondi suspirando e me virei para trás, deixando-a com mil pontos de interrogação flutuando sobre a cabeça.

Olhei rapidamente e vi que ela estava desapontada, mas se virou e também foi embora. Agora mais que nunca a tríade estava desunida, não entendi muito bem o que levou isso a acontecer... acho que nossa essência era o poder, e sem ele não éramos nada.

Quando a primeira aula terminou, juntei minhas coisas e andei até a outra sala. Me sentei no meio da fileira, como de costume, e fiquei esperando o professor enquanto brincava com os lápis na minha mão. Tudo havia mudado desde o primeiro dia de aula, o clima estava diferente. Esse ano o colégio ficará conhecido por uma série de assassinatos, desaparecimentos e um massacre. Não é um bom título escolar e nem muito boa para a reputação de Mariyah como diretora.

— Sozinha? — Ouvi alguém falar comigo e virei meu corpo para trás, vendo o garoto praticamente jogado sobre a sua mesa.

— Não mais. — Respondi encarando Alex, e pelo visto ele notou a tensão no meu olhar. — O que você está fazendo aqui?

— Pedi transferência de turma, a outra estava me causando problemas. — Respondeu naturalmente dando de ombros. — Por quê está com essa cara? Aconteceu algo?

— Não, não aconteceu nada. — Me finjo de desentendida e volto a virar para frente, vendo o professor finalmente chegar para dar aula.

— Tem a ver com aquele negócio de bruxaria, não é? — Alex sussurrou erguendo o corpo para frente, na intenção de ficar mais próximo de mim.

— Alex! — O repreendi imediatamente, e no mesmo instante o professor nos chamou a atenção.

— Há algum problema por aí, senhor Butler e senhorita Whitmore?

Quase revirei os olhos com o seu "senhorita Whitmore", mas me segurei e notei Alex pedir desculpas ao professor e se sentar normalmente, voltando a prestar atenção na aula. Suspirei aliviada, não queria falar sobre o assunto. Era mais um envolvido, mais um que poderíamos colocar em risco no lado humano além de Crystal.

Quando a aula terminou e pulou para o intervalo, esperei todos saírem da sala, mas como imaginado, Alex aguardou para falar comigo. Desde quando contei sobre o nosso mundo, ele vem tentando ajudar de alguma forma ou sempre ficar em dia com o assunto, mas não negaria, ele tem uma mente de gênio que poderia nos ajudar.

— É o seguinte, estamos sem os poderes e Lúcifer mandou um tornado e um possível tsunami para Saint Luna e não temos como impedir, e provavelmente vai causar um estrago na cidade e acabar matando várias pessoas. — Expliquei tentando não parecer nervosa e não me embolar com as palavras, tentando falar devagar para que ele entendesse.

— Espera... vocês não podem simplesmente fazer sei lá, um ritual em volta de um bode morto para esse tornado ir para outro lugar? — Perguntou Alex e eu revirei os olhos com tamanha idiotice.

— Primeiro, não somos índios para fazer dança da chuva; segundo, não usamos animais mortos como sacrifício e terceiro, se mandarmos isso para outro lugar iremos acabar pondo outras pessoas em risco, ou seja, não vai adiantar nada.

Alexander me olhou analisando por alguns segundos com a sobrancelha franzida e uma das mãos no queixo. Ele parecia pensativo e eu torcia para não dizer outra estupidez como a anterior.

— É, verdade. Até que faz sentido. — Disse, por fim, dando de ombros.

— Está de brincadeira, Alexander? Estamos falando de algo sério e real e você só diz "é, verdade, até que faz sentido"? — Questionei irritada imitando sua voz em um tom grosso e bizarro.

— Jessica, eu descobri isso há menos de três meses. É muita coisa para associar e a única vez que estivesse inteiramente envolvido nisso foi quando Abraham me sequestrou.  — Alex falou calmamente e eu acabei me sentindo um pouco culpada por forçar a barra, então respirei fundo e cruzei os braços.

— Você tem razão, eu não deveria ter te metido nisso. — Afirmei me virando para sair mas fui impedida por Alex segurando minha mão.

— Não foi isso que eu quis dizer. — Começou falando e eu virei para encará-lo novamente. — Eu vou ajudar vocês, nós vamos dar um jeito.

— Ah, é? Como?

— Primeiro dando um jeito de trancar a cidade inteira em algum lugar bastante resistente ao vento. — Sugeriu, então comecei a prestar mais atenção no que ele dizia. — Mas antes me responde uma coisa, Lúcifer quer essas coisas como o apocalipse na bíblia?

— Na bíblia não existem bruxas e se existissem teriam sido queimadas, e Lúcifer quer o apocalipse que envolve as bruxas então, não...

Na verdade eu não acreditava muito no que a bíblia dizia, principalmente depois que descobri o mundo oculto em que eu vivo. A parte real é que Lúcifer existia e ele era malvado e queria trazer o apocalipse, mas também havia a outra parte divina: a deusa Hécate.

— Certo, agora reúnam o coven e façam um ritual para os elementais do ar e da água. — Alex simplesmente jogou a informação, me deixando perplexa por um instante.

— Espera, como você sabe sobre... — Antes de perguntar, ele me interrompeu pegando um um livro na sua mochila e mostrando a capa para mim.

— Andei fazendo algumas pesquisas.

A capa do livro dizia "Manual Celta: Os Elementais" e não era muito grosso. Imaginei que depois que contei para Alex no hospital, ele resolveu pesquisar sobre o mundo para que pudesse ajudar ou matar a curiosidade de alguma forma. Bom, foi bastante útil e eu gostei da sua ideia.

— Você me lembra a Crystal. — Comentei me referindo à habilidade de raciocínio rápido e mesmo vulnerável, tentando ajudar a tríade.

Alex retribuiu apenas com um sorriso logo saímos da sala. Agora eu precisava reunir a tríade novamente para contar o plano, mas antes tínhamos que consultar o coven e pedir ajuda. Não éramos totalmente uma tríade sem os poderes, só o que nos restava era usar a sabedoria. Ah, Alice, onde você está agora?

Caminhei até o refeitório, onde Seline sempre estava e a procurei por todo o canto mas não a encontrei. Fomos até a biblioteca da escola e olhamos cada fileira, até finalmente encontrar Alice e Seline sentadas no chão em um canto enquanto olhavam um livro.

— Meninas, tivemos uma ideia! — Falei animada andando na frente de Alex até a direção delas.

Quando nos viram, logo se levantaram esperançosos, mas como quem também tivessem pensado em algo. Um sentimento claro surgiu dentro de mim como se ainda tivéssemos chances, era só persistirmos que tudo daria certo. Não deveríamos nos separar, isso era apenas vantajoso para Lúcifer e prejudicial para a tríade e eu esperava que as duas garotas pensassem da mesma forma que eu.

— Nós também, na verdade a Seline. — Alice disse apontando para a garota ao lado dela. — Um ritual para os elementais da água e do ar!

— Uau. — Alexander sussurrou um tanto irônico e colocou as mãos no bolso da calça, encostando de lado na coluna um pouco atrás de mim.

— Pelo visto vocês pensam igual. — Comentei sarcástica olhando para Alex e Seline respectivamente. — Bom, contem vocês primeiro.

Alice explicou que Anne pode ser uma chave para o fim do apocalipse, só não sabia como. Teoricamente ela apareceu em um momento que precisávamos, mas acabamos tentando ajudá-la e ela a nós. Não tínhamos certeza de qual tipo de bruxa ela era e nem como foi posta no nosso caminho, mas Alice e Seline tinham total convicção de que era ela. Além disso, o Halloween estava chegando, o que significava que o ritual Samhain estava chegando também. Era uma forma válida de recuperarmos nossos poderes, ou pelo menos parte deles.

— Pode ser que funcione, mas antes precisamos impedir o tornado e o possível tsunami. — Relembrei voltando ao assunto e elas se olharam. — Alex sugeriu trancarmos todo mundo em um lugar firme antes do tornado chegar.

— Alice vai falar com Aylen e Nantai para reunirmos o coven e preparar o ritual. — Seline falou olhando para mim e depois para Alex. — Como pretende um toque de recolher para a cidade toda, espertinho?

— Querida, eu sou o filho do detetive. — Ele respondeu de certa forma debochada, como se fosse óbvio, e ela apenas revirou os olhos. — Posso invadir o sistema tão fácil como a Jesse usando o arco. Mas antes vamos precisar achar um lugar firme para o plano ser executado. Alguém tem alguma ideia?

— Ah... acho que eu sei de um lugar. — Disse Alice um pouco pensativa. — O hospital psiquiátrico que fiquei durante algumas horas, onde eu encontrei Anne. Lá é forte e resistente, o problema é...

— Aqueles monstros horríveis! — Seline completou fazendo Alice apertar os braços entre si um pouco desconfortável.

— Da última vez quase não conseguimos sair de lá, mas o que vamos fazer? Matá-las? — Perguntou temendo a resposta, mas a olhamos como se não tivéssemos escolha.

— Deixa que Crystal e eu resolvemos isso. Seline e Alex podem resolver o problema do isolamento enquanto isso e você fala com o coven. Tudo certo, não há problemas. — Afirmei tentando incentivar o grupo mas Seline me olhou confusa.

— Espera, por que vocês insistem em colocarem Alex e eu juntos? — Perguntou um pouco frustrada e eu dei de ombros.

— Porque vocês são uma ótima dupla, óbvio! — Respondi como se fosse óbvio e apenas suspirei. — Agora só nos resta esperar a aula... — Antes de continuar, ouço o sinal tocar novamente indicando que deveríamos voltar para as salas. — acabar.

— Agora eu tenho geografia. — Alice disse juntando alguns livros nas mãos e nos olhou rapidamente.

— E eu educação física. — Seline reclamou (como sempre) arrastando o corpo para fora da biblioteca. — Nos vemos depois. — Falou por último antes de sair.

— Tenho inglês, mas acho que vou matar aula. Aquela professora é muito chata. — Alex reclamou ajeitando a mochila no ombro e eu sorri fraco.

Acho que agora o grupo estava reunido novamente, e nada nos impediria de salvar a cidade e o mundo. Assim que saímos da biblioteca, segui um pequeno grupo de outros alunos no qual eu sabia que teria a mesma aula que eu hoje. Parei de andar em um dos corredores ao olhar para a enorme janela de vidro e ver uma nuvem preta gigante começar a fechar o céu. As aves voavam todas em uma direção só, como se estivessem fugindo de algo.

— Está começando!

Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gostou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz