Capítulo 48: O Portal do Inferno
Saint Luna, 19 de março de 1991
Terça-feira - 04:11 P.M.
— Tem certeza que isso vai funcionar? Não temos nada ligado a ele!
Alice perguntou apreensiva, enquanto olhava atenciosamente para o mapa aberto no chão, bem na nossa frente.
— Eu não faço a menor ideia.
Fazia quase uma hora desde quando voltamos do hospital. A visita à Dylan havia sido triste, ele nos contou o motivo de ser piada por toda a escola. Como as pessoas conseguiam dormir à noite sabendo que faziam mal a outra pessoa? Era surreal o quanto existiam adolescentes ruins e um sistema de educação falho, que nem conseguia controlar os próprios alunos.
Tanto Alice quanto eu estávamos dispostas a tentar ajudá-lo. No fim das contas Seline estava certa: deveríamos conhecê-lo melhor e ajudá-lo a se socializar mais pela escola, quem sabe assim os outros não parem de fazer piadas idiotas. Talvez, se ele demonstrasse ser tão normal quanto qualquer outro aluno, pudesse ser aceito mais facilmente.
— Vamos tentar mais uma vez. — Pediu concentrada e eu assenti.
— Ad dirigendos pedes nostros in scopum invenietis, cum igne ardenti erit in locum suum.
Recitamos juntas um feitiço de localização que achamos no grimório, e no mesmo instante, o mapa começou a pegar fogo por inteiro até restar apenas um pequeno pedaço.
— Só restou um lugar. — Afirmei olhando o resto do mapa que ainda saía faíscas. — Perto do parque de Saint Luna.
— Da próxima vez que formos fazer um feitiço de localização, é bom termos uma foto ou objeto do indivíduo. Quase acabamos com o poder que já não temos, só através da imaginação e do nome! — Alice falou mais determinada e levantou do chão.
Fechei o grimório e levantei depois dela, mas antes, peguei meu arco guardado atrás da porta do meu quarto e saí junto com Alice. Descemos as escadas até a porta principal e andamos para a parte de fora, começando novamente uma outra caminhada.
Tia Liz já havia chegado em casa, mas ela saiu para ir ao mercado e provavelmente só chegaria depois que tivéssemos saído. Não era bom ela saber que estou andando com um arco e flecha pela cidade, ainda mais com vontade de matar alguém.
— O que vamos fazer quando o encontrarmos? — Perguntou Alice.
— Primeiro temos que saber que além de Aaron Foster, ainda temos seus dois amigos encrenqueiros.
— Connor e Billy.
— Que nomes horríveis! — Sussurrou Alice e eu soltei uma risada.
— Alice, minha amiga querida! — Falei melancólica e ela me olhou desconfiada. — Preciso da sua ajuda.
— Eu não vou te ajudar a matar ninguém!
— Não é isso. — Afirmei e ela aliviou a expressão. — Preciso de ajuda para estudar para as provas semana que vem.
— Só isso? — Questionou um pouco surpresa. — Tudo bem. Podemos marcar um horário por dia.
— Obrigada. — Agradeci enquanto continuávamos a andar, só que por um caminho mais curto por dentro da floresta. — Quando chegarmos na casa do Aaron, o que exatamente vamos fazer, Grande Gênio?
— Ver se ele está em casa. Caso não tenha ninguém, vamos dar uma breve olhada. Se ele estiver em casa, ameaçamos com a sua flecha e depois hipnotizamos para ele esquecer que estivemos lá.
Alice falava animada, como se estivesse num filme da Disney. Ela falou com tanta naturalidade que chegou a me assustar, achando ainda mais psicopata por Alice aparecer ser calma e fofa.
— Com tudo isso acontecendo, acabei de lembrar que esqueci de te contar um pequeno problema. — Comentei e ela me encarou duvidosa.
— Qual problema?
— Adam está de volta. Ele me deu aula essa manhã.
— Pelo o que Mariyah disse, Adam não será um problema enquanto não ficarmos perto dele. — Falou tentando ser positiva. — Caso ele tente fazer alguma coisa, já sabemos o que fazer. Mas, por enquanto, ele é invisível e não importante para nós. Não é um problema tão grande.
Concordei enquanto continuávamos a andar, até finalmente chegarmos no final daquela enorme floresta, no qual não tinha explorado nem dez por cento.
A casa do garoto Aaron era um pouco mais afastada da cidade e de outras casas. Haviam algumas árvores ao redor daquela casa, tinha uma varanda simples e não era grande. Aparentemente um lugar normal.
— Vamos devagar. — Avisei, me aproximando aos poucos do lugar.
Quando chegamos na varanda, caminhamos até a porta e olhamos pelo vidro. Estava tudo vazio e as luzes todas apagadas. Alice tocou a campainha duas vezes seguidas e esperou alguns minutos, mas ninguém apareceu.
— E aí, você quer entrar? — Perguntou apreensiva e eu olhei novamente para a casa.
— Sim. Abra essa porta!
Dei um passo atrás e Alice se aproximou da fechadura, segurando seus dois grampos e abrindo a porta em poucos segundos.
— Espero que realmente não tenha ninguém em casa. — Alice disse com certo receio, mas empurrou a porta devagar e entrou.
Entrei atrás dela observando as coisas que haviam dentro da casa. Era loucura? Com certeza, mas minha intuição dizia que ainda iríamos descobrir alguma coisa, alguma prova.
Observei alguns quadros de fotos pendurados nas paredes de um dos corredores.
— Alice, olha isso. — Chamei e ela veio na minha direção.
O primeiro quadro era a foto de uma criança com seus pais: uma mulher loira e um homem alto com os cabelos escuros.
O segundo quadro era Aaron já grande, com sua mãe e seu pai ao seu lado em uma foto parecida com um cartão postal. Eles pareciam felizes.
No último quadro, Aaron estava na frente de uma mesa com um bolo. O bolo tinha duas velas em cima, formando o número dezoito. Ao seu lado estava seus pais, felizes e animados com a comemoração. Era a foto mais recente dentre todas.
— Pelo visto ele não tem problemas em casa, e sim uma vida perfeita. — Comentou ao meu lado e eu dei de ombros.
— Vamos até o quarto dele, talvez lá tenha algo mais interessante.
Sem encostar em nada, Alice e eu subimos as escadas e abrimos a porta que tinha uma placa dizendo "Aaron Foster". Como a porta já estava destrancada, apenas a abrimos e entramos no seu quarto.
O lugar era bem arrumado, diferente do que eu havia imaginado para um garoto como Aaron. Haviam alguns pôsteres de bandas de rock, alguns troféus e medalhas em cima do seu armário.
— O que vocês estão fazendo aqui?
Me assustei com uma voz vindo da porta, e Alice teve a mesma reação. Quando nos viramos, vimos o garoto parado na entrada do quarto, nos olhando com a boca aberta.
De perto dava para reparar mais em Aaron fisicamente. Ele tinha o cabelo loiro escuro como os da mãe, olhos cor de mel, uma cicatriz enorme perto do olho e a sua mão estava enfaixada.
— Eu vou chamar a polícia! — Ameaçou, dando alguns passos para fora do quarto.
— Você não vai a lugar nenhum. — Falei com a voz firme. — Se você resolver se mexer, eu vou enfiar uma flecha no seu olho.
— O que vocês querem? Por que invadiram minha casa?
— Nós queremos saber o porquê da sua perseguição com Dylan Hendrix. Eu quero entender o motivo de ter quase matado e ameaçado ele. — Alice falou mais alto do que sua voz soa normalmente.
— Não é da conta de vocês!
Peguei meu arco e apontei para ele, enquanto colocava a flecha na mira. Seu olhar deu uma caída e sua expressão foi para medo, mas ele não se mexeu e nem reagiu.
— Acho melhor você ser bem obediente e responder o que Alice perguntou. — Falei tranquilamente, enquanto não tirava meus olhos dele.
— Ele ameaçou contar coisas minhas, coisas que eu odeio lembrar. Coisas que não são da conta dele, e eu odeio quando as pessoas se metem na minha vida! — Respondeu gritando e eu abaixei o arco.
— Quais coisas? — Insisti.
— Jesse, acho que já temos uma resposta válida. Vamos embora. — Alice pediu.
— Tudo bem. — Me aproximei de Aaron, que não moveu um dedo sequer.
Me recordei do dia em que Crystal foi sequestrada. Alice, Seline e eu fomos até a lanchonete em que ela foi levada, e no momento em que entrei na cena do crime, meu corpo fez uma viagem para o dia do acontecimento. Será que eu conseguiria o mesmo com uma pessoa real?
Antes que ele pudesse se mexer, toquei sua mão e esperei o mesmo tipo de magia daquele dia. E funcionou, pelas profundezas dos pensamentos mais corrompidos de Aaron, tive flashbacks rápidos de uma cena bem aterrorizante.
Aaron estava ao lado de seus dois amigos, Connor e Billy, e mais um no qual eu não conseguia identificar, numa casa lotada de adolescentes bebendo e com o som alto. Com rápidas visões, os vi na rua na noite dessa festa. Aaron e o garoto que eu não conhecia começaram a brigar, e os outros dois garotos tentaram impedir, mas não conseguiram.
Num rápido movimento, em poucos segundos, Aaron Foster empurrou o garoto desconhecido no chão, que acabou batendo com a cabeça no meio fio. Deu para notar que ele havia morrido na mesma hora, pois com uma pancada daquelas ninguém sobreviveria. O sangue começou a se espalhar, e era nítido o espanto e medo no olhar dos três garotos. Aaron havia assassinado uma pessoa, mas ninguém nunca soube. O motivo? Eles foram embora sem prestar ajuda, sem deixar pistas, e sem que ninguém tenha visto...
Exceto Dylan.
— Alice, você já sabe o que fazer.
Me afastei do garoto que estava paralisado sem entender o que havia acontecido. Em poucas palavras, Alice fez com que Aaron esquecesse que estivemos ali e que ele havia nos visto. Saímos na mesma hora e andamos para longe daquela casa, de volta ao caminho da estrada até a floresta.
— O que você viu? — Alice perguntou quando já estávamos afastadas da residência de Aaron.
Contei detalhadamente tudo o que vi quando toquei no garoto. Alice não parecia surpresa e nem assustada, apenas pensativa.
— Você acha que ele realmente possa ser o assassino? Não temos nenhuma prova.
— Se conseguirmos uma, vai ser fácil. Aaron já matou uma pessoa, não seria tão difícil ele matar outra. — Concluí.
— Mas também não sabemos o motivo que o levou a supostamente ter matado David, Nora e Audrey.
— Isso podemos descobrir com facilidade, da mesma forma que descobrimos sobre Nora.
— Na verdade, quem descobriu sobre Nora foi eu e Lucy, mas tudo bem. — Disse Alice.
Alguns minutos depois, chegamos de volta à minha casa. Minha tia já havia chegado, mas não fez muita questão de perguntar onde estávamos e nem o que íamos fazer. Pegamos o grimório e saímos novamente, só que dessa vez em outra direção.
Andamos até o centro da cidade e pedimos um táxi, e de lá fomos até o cemitério. Pelo tempo, parecia que já estava anoitecendo, o que significava que não deveríamos demorar.
Quando chegamos na entrada, pagamos o táxi e o esperamos ir embora, até entrarmos dentro do lugar. Não haviam muitas pessoas, as poucas estavam chorando, algumas em túmulos colocando flores para seus falecidos entes queridos. Alice e eu fomos direto ao túmulo trancado, e ela o abriu com a facilidade de sempre.
— Agora vamos descobrir de uma vez por todas porque o espírito de Nora me trouxe até aqui. O que ela queria que eu tivesse visto?
Empurrei a pequena porta e entrei no lugar. Tinha um caixão no centro da sala, algumas velas acesas ao redor e bastante flores — algumas até mortas.
— Olha, tem fotos dele...e um nome. — Disse Alice observando o lugar que, visivelmente, era limpo umas duas vezes por semana.
Me aproximei das fotos e prendi a respiração de tão nervosa que havia ficado. Aquela era a foto de Leifhel, o homem que me atormentara na última noite. Supostamente, o corpo dele.
— Jones Miller. — Alice sussurrou encarando a foto e o túmulo daquele homem. — Quem será?
— É ele. — Afirmei e ela me olhou confusa.
— Ele quem?
— Leifhel. O mesmo sobre quem Lucy escreveu, o mesmo que eu sonhei e me propôs um pacto.
— Então creio que essa seja a casca humana que ele adquiriu forma. — Falou pensativa e colocou uma das mãos no rosto. — Por que Nora iria querer que você viesse aqui?
— Se eu soubesse, não estaríamos aqui. — Respondi e me aproximei do caixão. — Acha uma boa ideia abrirmos?
— Não sei. Acho que não custa tentar.
Puxei a tampa do caixão para cima, mas parecia bem difícil de tirar. Alice tentou, mas também não obteve resultado. Resolvi procurar algo naquele lugar que pudesse nos ajudar, e algo ainda mais suspeito me chamou a atenção.
— Por que o próprio diabo iria querer o corpo de um homem cristão? Olha quanta cruz tem aqui! — Falei observando a maior de todas, que tinha Jesus pendurado nela.
A cruz estava em cima da lápide de Jones, e estava um pouco torta em relação ao ângulo. No momento em que arrumei a cruz para ela ficar no lugar certo, o chão começou a tremer.
— O que é isso? Jesse, o que você fez? — Gritou Alice apavorada enquanto o chão tremia.
O caixão começou a afundar, e tudo ao redor caiu. As cruzes que haviam penduradas no lugar, todas inverteram até ficarem ao contrário.
A luz piscou, e quando voltou, havia um enorme cão na nossa frente. Ele era todo preto e não possuía olhos, mas era tão grande que quase não cabia na capela. O cão estava rosnando e se aproximando de nós duas aos poucos.
O pior de tudo era que o cão cobria a saída, então seria IMPOSSÍVEL passar por ele.
— O que fazemos agora? — Perguntei próxima a Alice, que estava mais assustada que eu.
— Não sei, por quê não tenta usar sua flecha? — Perguntou.
— Porque, se eu reagir, ele pode tentar atacar. — Falei como se fosse óbvio e o cão se aproximou mais ainda, e se posicionou de forma que fosse atacar.
— É o seguinte, quando ele for atacar, você se joga para um lado e eu me jogo para o outro. Depois tenta correr para a saída. — Alice disse tentando manter a calma, sem tirar os olhos do animal.
O cão gigante pulou na nossa direção, e como Alice havia planejado, pulamos cada uma em uma direção contrária, fazendo o animal dar de cara com a parede. Quando corremos na direção da saída, o cão jogou Alice longe com as enormes patas, fazendo ela bater na parede ao lado.
Ao invés de sair, dei um grito por Alice. Ela ficou inconsciente, e o animal se aproximou de mim como se eu fosse sua próxima vítima.
Peguei uma flecha e atirei nele, bem no meio da sua testa, mas a flecha derreteu como ácido e desmanchou em líquido. O cão ficou ainda mais furioso, e deu um passo à frente.
— Agora mesmo eu morro. — Sussurrei, e quando virei o rosto para não ver meu corpo sendo engolido, o cão deu um rugido alto.
Olhei na direção e vi que ele estava preso por uma corda, não sabia explicar mas ela brilhava em azul escuro. Lá fora já estava de noite, a porta da sepultura estava aberta e havia uma garota parada segurando a outra ponta da "corda".
— Et in pulveris pulveris evanescet. — Recitou ela em latim.
Quando ela terminou a frase, o animal imediatamente desapareceu em pó, junto com a corda da garota.
Ela tinha a pele parda, os cabelos longos, lisos e castanho escuro. Seus olhos eram da mesma cor que o cabelo, só que era levemente puxado. O rosto dela estava com uma pintura azul, formando duas linhas em cada bochecha. Claramente era uma nativa.
Da mesma forma que apareceu, a garota se virou e partiu. Não fez nenhuma pergunta, não falou nada. Ela apenas foi embora como se não tivesse feito nada demais, me deixando pensativa e nervosa quanto Alice.
Quem era aquela garota e por que nos ajudou?
Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gostou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz
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