Capítulo 36: A Última Peça do Jogo
Saint Luna, 17 de Fevereiro de 1991
Segunda-feira - 12:25 A.M.
— Seline, tem certeza de que você está bem?
Mariyah estava preparando o almoço enquanto eu a ajudava cortando alguns legumes. Fazia algumas horas que as meninas haviam ido embora, mas nos reencontraríamos mais tarde na delegacia.
— Sim, por que não estaria?
Ela lavou as mãos e me encarou preocupada. Agora era mais fácil vê-la como uma mãe do que como a antiga diretora.
— Por tudo o que aconteceu esses dias. Sei que não é fácil passar pela fase de iniciação da deusa, nem por um assassinato repentino e muito menos por...
— Por favor, não fale daquela pessoa. — Interrompi Mariyah antes que ela dissesse o nome Alexander mais uma vez. — Eu não entendo por que vocês associam o meu mal estar por causa do Alex. Sinceramente? Eu nasci sem ele, eu não preciso dele, ele não é meu oxigênio.
— Eu entendo, mas você não pode ficar mal por uma escolha exclusivamente sua.
— Eu tenho problemas maiores para me preocupar do que com os meus sentimentos. Não posso, por um capricho meu, um romance adolescente acima dos meus deveres como Donzela.
Ela suspirou e sorriu de lado. Não sei bem o que se passou na cabeça dela naquele instante, mas senti que em algum momento da vida dela, ela pensou como eu. Era absolutamente imprevisível o que Mariyah achava sobre minha vida, sobre mim, eu não queria ter que esconder algumas coisas dela, mas fazia tão pouco tempo e tantas coisas aconteceram tão rápido.
— Você é tão parecida comigo quando era mais nova. — Comentou enquanto colocava algumas panelas no fogão. — A diferença é que eu era mais calma, como sua amiga Alice. Ellie parecia mais com você, ela era meio doida e agitada. Elizabeth era pacífica, gostava de analisar bem as coisas antes de cometer qualquer ato.
— Mariyah. — Chamei atraindo sua atenção. — Quem vocês precisaram matar para completarem o ritual de iniciação?
— Eu, o meu tio esquisito. Ellie foi o vizinho e Elizabeth o namorado, como você. — Cruzei os braços e me encostei na parede, depois de cortar o que ela pediu. — No ritual de passagem para a tríade, matamos um professor da nossa época. Ele assediava alunas e drogava elas, sua morte foi lenta e dolorosa. Foi o melhor dia da minha vida!
Eu diria que aquela era uma frase psicopata, mas diria também que todos mereceram. Mariyah não era o tipo de mulher que planejava um assassinato e muito menos que matava o seu próprio tio, mas, há certas coisas que precisamos nos sujeitar para a nossa própria sobrevivência.
— Você não tem curiosidade em saber como eu matei o meu ex namorado? — Perguntei e ela riu.
— Eu já sei de tudo. Andei tempo demais em contato com você e a notícia foi parar nas mídias, esqueceu? Eu soube na hora que tudo era parte dos planos da deusa.
— Você fala como uma testemunha de Jeová celta. — Brinquei, mas logo mudei minha postura para uma certa apreensão. — Eu estou com medo.
— Medo de que? — Ela se aproximou e tocou meus braços. — Para quem passou pelo o que você passou, não deveria ter medo de absolutamente nada.
— Eu não sei. — Respirei fundo agoniada, como se devesse saber de algo que eu não sei. — Eu sinto que não sou totalmente eu. Sinto que há uma parte oculta de mim que está adormecida, uma parte que se for despertada, coisas ruins vão acontecer. Não sei explicar, mas é um sentimento de dejavú.
Ela se afastou aos poucos e me olhou como se eu tivesse falado algo de errado, um assunto delicado que nunca pudesse ser dito em voz alta. Ergui uma das sobrancelhas com uma curiosidade maior que antes. Mariyah estava escondendo algo que provavelmente era relacionado a mim, mas não iria me dizer.
— Vá se trocar. Quando terminarmos de almoçar, vamos direto à delegacia.
Após lavar a louça do almoço, Mariyah e eu seguimos até a delegacia onde Marcus trabalhava. Fui a primeira a chegar lá, depois de Sharon, que estava acompanhada da mãe. Imaginei o quão complicada era a situação que ela estava, aliás, uma pessoa morreu na sua festa, na sua casa. Isso já era traumatizante o suficiente.
— Oi. — Cumprimentei a garota, que parecia menos atordoada que ontem. — Como você está?
Mariyah se sentou em um banco ao lado da mãe de Sharon. Sharon estava apoiada na bancada, um pouco afastada da mãe, e pareceu um tanto surpresa ao me ver cumprimentando-a.
— Um pouco atordoada ainda. Nos tiraram de casa para investigarem a cena do crime, então eu e minha mãe estamos na casa da minha avó por um tempo. — Respondeu naturalmente.
— Sinto muito. — Disse notando que aos poucos, outros alunos chegavam.
Notei pelo canto dos olhos uma figura familiar. O garoto estava com um casaco escuro de capuz, na tentativa de esconder um dos seus olhos roxos. Ele se sentou no mesmo banco em que Mariyah estava, só que bem afastado.
— Não se preocupe. — Sharon avisou ao notar que eu encarava o desconhecido da sua festa. — Este é Dylan Hendrix, uma das plantas da escola.
— Plantas? — Perguntei me virando para ela.
— São pessoas que não são notadas e nem aceitas em nenhum grupo social, nem dos nerds. Alguns garotos e garotas populares fazem piadas e pegadinhas com ele desde que eu me lembre.
— E ninguém faz nada?
— Nós já tentamos de tudo, mas os responsáveis pela escola se fingem de cegos e surdos. Poucas pessoas não podem lidar com um grande grupo de alunos, se não a responsabilidade acaba caindo sobre você.
— Isso é triste. — Comentei voltando a olhar para o garoto. — Espero que as coisas não continuem assim.
— Eu também. — Concordou com um longo suspiro.
Marcus abriu uma porta vinda do corredor esquerdo e chamou por Sharon para que ela iniciasse com o interrogatório. Haviam chegado mais quatro garotos com o estilo punk e do tipo revoltados com a vida.
Eu diria que eles lembravam o estilo de Alexander, mas não é o caso. Alexander não tinha um jeito mau, pelo contrário, ele era um amor. Outra diferença é que ele era bonito, diferente dos garotos que haviam acabado de chegar, que pareciam animais de tão brutos que eram, com piercings e tatuagens pelo corpo inteiro.
— Se eu fosse você, eu não me preocupava tanto. — Disse uma voz ao meu lado, me dando um grande susto.
— Que susto, garoto! — Falei indignada e ele deu de ombros, sem me olhar. — Sua namorada me disse a mesma coisa
— Namorada? — Questionou me olhando como se eu estivesse blefando. — Sharon?
— Sim. Você tem outras? — Perguntei de forma debochada e ele revirou os olhos.
— Sharon não é minha namorada. — Afirmou com uma pausa. — Não mais.
— Não mais?
— Ela nunca me deu um fora antes mesmo de começarmos algo. — Disse diretamente indiretamente. — Mas não demos certo, somos apenas amigos.
— Apenas amigos que transam? Ou foi apenas seu presente de aniversário? — Provoquei tentando não demonstrar nada além de dúvidas.
— Acho que o que fazemos entre quatro paredes não é da conta de ninguém. — Falou com menos paciência que antes. — Você pode parar de ser infantil por um minuto?
— Eu sendo infantil? — Perguntei incrédula e o encarei tentando manter a calma. — Não estou dizendo nenhuma mentira, ou estou?
— Por que você é tão bipolar? — Ele virou seu corpo para mim, há alguns metros de distância. — No funeral do seu pai disse que não queria nada comigo, disse isso com todas as palavras e eu me lembro perfeitamente. Agora começa a ter crises de ciúmes porque eu segui a minha vida? Esperava o que? Que eu ficasse triste e sofrendo?
— O que? Não!
— Ai meu Deus, eu estou em depressão! — Debochou com falsa voz de tristeza. — Eu vou me matar porque a garota que eu gostava me deu um fora no meio de um cemitério.
— Alex, fala baixo! — Alertei notando que algumas pessoas olhavam de relance para nós. — Já chega, eu já entendi que você está perfeitamente bem. Apenas fiquei com medo de ter acabado te magoando sem intenção, me preocupei demais enquanto você estava comendo a Sharon!
Me virei estressada e saí pela porta principal, e esperava que Alex não me seguisse. Respirei fundo e sentei no meio fio, controlando a respiração para que não perdesse o controle da respiração.
— Seline? Está tudo bem?
Ouvi uma voz se aproximando e levantei a cabeça, segurando para não começar a chorar no meio da rua.
— Está tudo péssimo!
Jesse sentou ao meu lado e me abraçou, então eu não resisti. Apoiei a cabeça em seu ombro e comecei a chorar. Não sei bem o porquê, mas no momento era melhor eu liberar a adrenalina chorando do que matando alguém. De novo.
— Tudo bem, vai ficar tudo bem! — Disse me confortando.
Eu me sentia fraca e inútil por estar chorando por absolutamente nada. Como eu seria uma bruxa poderosa chorando por problemas cotidianos?
Não podia culpar Alex, ele não fez nada além de dizer a verdade, e a verdade dói.
— Eu sou burra, burra, burra, burra.
Repeti várias vezes tentando parar de chorar. Desapoiei a cabeça de Jesse e sequei as lágrimas que escorriam pela bochecha.
— Quer me contar o que aconteceu? — Perguntou preocupada.
— Depois. Agora não. Preciso estar inteira e bem para o depoimento. — Digo me levantando do chão. — Vamos entrar. Alice já deve estar chegando.
Jesse se levantou do chão e não opinou mais nada, apenas concordou e entrou de volta na delegacia junto comigo. Alex não estava mais lá, o que era algo bom já que eu não queria vê-lo. Alice chegou logo depois, mas ela e a tia precisaram sair por alguns minutos. Mariyah perguntou o que havia acontecido e se eu estava bem, mas eu disse que ali não era o melhor lugar para falar sobre.
— Senhorita Jessica Whitmore.
Chamou um policial de farda e Jesse caminhou até onde o homem indicava. Me sentei entre Mariyah e o desconhecido "planta". Mariyah estava lendo uma revista de notícias e o garoto mexia nas mãos incontrolavelmente.
— Ei, esquisitão! — Um dos garotos de mais cedo se aproximou de Dylan de forma brusca, e o garoto se retraiu conforme sua presença. — Já pensou sobre nosso acordo?
— Eu não vou fazer o que vocês mandam. — Sussurrou com a voz trêmula.
— Você sabe o que é melhor para você. — Respondeu em tom de ameaça. — Cuidado para não ficar demente que nem o seu pai.
Com curtos palavreados, o garoto se afastou. Meu instinto de justiça era grande, mas o senso de que eu estava numa delegacia era maior. Não poderia imaginar o que ele passava diariamente e nem como absolutamente ninguém fazia nada para impedir.
— Mariyah. — Chamei e ela tirou os olhos da revista e me encarou. — Precisamos conversar mais tarde. Sua escola precisa de uma mudança de regras urgente.
Antes de minha mãe responder, Alex e Sharon saíram da sala de investigação juntos e seguiram até a porta de saída. Alexander não fez a mínima questão de olhar para mim, já Sharon deu um sorriso leve.
O pior de tudo é que eu sabia que estava errada.
Todos sabiam.
Mas acima de tudo, eu precisava lembrar do motivo do porquê eu não posso o pôr em perigo.
Alexander era humano, por mais esperto que fosse, ele ainda era humano. Não poderia colocar em risco a vida de alguém que eu nem ao menos pudesse proteger. Sharon era uma boa pessoa, mesmo pelo pouco tempo que a conhecia, esperava que ela o fizesse bem.
Saí dos meus pensamentos quando alguns alunos começaram a cochichar e se agitarem. Olhei para onde eles olhavam, e vi um jovem entrando na delegacia, que pelo visto ele era conhecido.
Ele era alto e tinha a pele morena, seu cabelo era castanho claro e os olhos da mesma cor. Suas feições eram de preocupação, ou até mesmo outro sentimento no qual eu não conseguia identificar.
— Esse é Tyler Wright. — Sussurrou Mariyah ao meu lado. — Ele tinha um relacionamento com Audrey, nada fixo.
Tyler passou pela fileira de pessoas que o olhavam como se ele fosse uma celebridade, mas não era um olhar de admiração.
Era um olhar de desprezo.
As pessoas ao redor pararam de comentar enquanto o garoto andava, parecendo que estava em câmera lenta.
E no momento em que Tyler Wright fixou seus olhos em mim, por uma questão de segundos, eu soube a verdade.
Eu soube que ele era a última peça do jogo.
Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gostou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz
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