Capítulo 35: Laços de Família
Saint Luna, 17 de Fevereiro de 1991
Segunda-feira - 12:43 A.M.
Depois de tomar banho, trocar de roupa e pegar o grimório, voltamos à casa de Mariyah, onde Seline estava passando um tempo depois do acidente que houve com o seu pai. Na verdade eu não tinha certeza se realmente era só um tempo, isso apenas ela decidiria.
— Quando pretende reabrir a escola?
Estávamos sentadas na sala enquanto comíamos biscoitos, já que não tínhamos comido nada durante a festa de Sharon. Mariyah estava sentada no sofá tomando chá de hortelã, enquanto Seline, Alice e eu nos sentamos no chão, em cima do tapete.
— Eu pretendia voltar à rotina na próxima semana, talvez até volte, mas agora não é uma boa ideia depois da morte de Nora. — Disse após tomar mais um gole do seu chá. — Duas alunas minhas morreram pelo mesmo assassino em menos de uma semana. Não posso colocar a vida de mais ninguém em risco.
— Quando será o enterro dela? — Perguntou Seline um pouco ressentida, ainda mais por ter sido a última pessoa a conversar com Nora.
— Quarta-feira. Amanhã todos os que estavam na festa vão dar depoimento para a polícia, e provavelmente as investigações vão continuar. — Suspirou por final.
Não dava para imaginar o que se passava na cabeça de Mariyah. Ela não tinha controle do que acontecia debaixo dos seus próprios olhos e até mesmo poderia ser tirada da direção da Everest High School.
— Você não tem nenhuma idéia de quem seja o assassino? — Questionei, prestando a atenção em cada detalhe que Mariyah dizia. — Pode ser qualquer um aluno, professor ou funcionário.
— Não, Jesse. — Mariyah respondeu com uma pontada de decepção. — Bem, preciso descansar. Boa noite, meninas!
— Boa noite. — Respondemos juntas vendo Mariyah se levantar e nos deixar sozinhas.
— Vamos para o meu quarto. — Sugeriu Seline discretamente e nós concordamos.
Nos levantamos do chão e guardamos o pote de biscoitos, logo indo direto ao quarto em que Seline estava, que por sorte era no andar debaixo.
— Trouxe? — Alice perguntou virada para mim, se referindo do grimório, e eu concordei com a cabeça.
Seline fechou a porta e se sentou na cama. Alice se sentou ao seu lado e eu do outro, e logo abri o grimório como se fosse a primeira vez. Haviam novas palavras escritas, mas como sempre, em latim. Entreguei o grimório para Seline, que passou um tempo observando o grimório, e logo começou a ler.
— Aqui fala sobre os totens. Eles são profecias acompanhados de borboletas, que funcionam como guias. Cada cor simboliza um tipo diferente de profecia, e servem para mostrar um possível evento do futuro que pode ou não acontecer. — Leu e olhou para mim. — Como o que eu tive na escola.
— Tudo isso eu já sei, os totens são originados de crenças indígenas americanas nativas. — Afirmei como se fosse óbvio. — O que mais?
— Borboletas negras profetizam a morte, borboletas vermelhas alertam eventos perigosos, borboletas marrons anunciam tragédias que afetam amigos , borboletas amarelas ofereciam visões para ajudar e guiar, e por fim, as borboletas brancas trazem sonhos de sorte e boa sorte.
Depois que Seline terminou de ler o grimório, acabei me lembrando que também já encontrei um totem. Eu não tinha certeza qual era o significado daqui, nem se era bom ou ruim e nem se realmente era uma previsão do futuro. Não queria ser negativa, mas absolutamente tudo o que fazíamos era em vão e sempre acabava em desastre.
— Tem algo mais?
Seline olhou o grimório por mais algum tempo e logo virou a página. Sem dizer mais nada, ela virou o grimório para que pudéssemos enxergar o desenho que estava grafado.
— A senha que abre portas é concedida com o número supremo. Três garotas dispostas a matarem seus passados, três fases da lua e três símbolos. Sua proteção se torna um triskle, sua salvação se torna um tríquetra, ligados ao corpo, mente e espírito.
Haviam dois símbolos. O primeiro era um triângulo com três voltas em cada ponta. O segundo era um círculo com três pontas fechadas. Eu já os tinha visto algumas vezes lá em casa, mas nunca me perguntei para que serviam. Eu achava que era apenas decoração da minha tia ou algo do tipo, mas ia muito além.
— Se eu não me engano, minha tia tem alguns símbolos como esses guardados. Amanhã eu trago para vocês.
— Ótimo. — Seline concordou pulando algumas páginas, que já estavam em branco.
Olhei Alice, que estava fechando os olhos aos poucos, quase caindo. Uma hora ou outra ela ia cair da cama e se machucar.
— ALICE!
Ela deu um pulo e me encarou confusa, coçando os olhos na tentativa de se manter acordada. Não era só ela, mas Seline e eu também estávamos cansadas, porém lutamos contra o sono.
— Oi. O que? Perdi alguma coisa? — Perguntou bocejando.
— Não. — Seline disse respondendo por mim. — Só o fato de ter acabado as páginas do grimório. Estão todas em branco de novo.
— Sobre a magia, será que teremos que recitar palavras estranhas para abrirmos portas? — Perguntei olhando a capa do grimório. — Quem será que escreveu esse grimório?
— Eu não sei. — Disse Alice bocejando novamente. — Mas acho que a Lucy sabe.
— A Lucy? — Debochou Seline. — A mesma que nos enganou desde quando nos conheceu? A mesma que viu o circo pegar fogo e riu da gente!
— Por mais que ela tenha sido malvada, é a única que tem o maior conhecimento disso. Ela já fez parte da tríade. — Retrucou Alice.
— Malvada? Ela foi uma filha da...
— O que importa — Interrompi Seline. — É que Alice está certa. Não custa nada tentar, não temos nada a perder.
— Ah, não. Ela só é uma grande de uma...
— Então está certo, Jesse vai falar com a Lucy amanhã. — Afirmou Alice antes que Seline terminasse a frase.
— Eu vou? — Alice me olhou esperando que eu fosse concordar. — Eu vou.
— Que bom, família feliz. Tataratataratataratataravó e tataratataratataratataraneta. — Seline continuou debochando e se deitou na cama.
— Não liga para o que ela diz, Jesse. — Sussurrou Alice para mim. — Ela está assim desde quando viu Alex com a Sharon.
— Não é por causa disso. — Protestou Seline, sentando-se na cama novamente. — Alexander e eu não tínhamos nada, então ele pode ficar com quem ele quiser.
— De nós três, foi você que matou o seu ex namorado. Agora está sofrendo por amor? — Perguntei calmamente observando seu ar deprimente.
— Foi por legítima defesa. Se eu não tivesse o matado, ele me mataria. — Suspirou olhando para as próprias mãos.
— A gente sabe que você gostava do Alex, e era bem óbvio que ele também gostava de você. — Alice comentou aos poucos. — Mas foi você quem quis assim.
— Se você não quer, tem quem queira. — Comentei baixo e Alice me olhou mortalmente. — Ops.
— Não importa mais. — Disse, por fim, cansada. — Vamos dormir. O dia amanhã vai ser longo.
Não demorou muito para Alice e eu irmos embora depois que acordamos na casa de Seline. Cheguei em casa ainda de manhã, e minha tia não estava. Provavelmente havia pegado outro plantão e só voltaria amanhã à noite.
Passei o resto da manhã arrumando a casa, como de costume, e depois fui ao meu quarto junto com o grimório. Não fazia ideia de como veria Lucy. Um ritual de invocação? Número de telefone? Endereço?
— Lucy Whitmore, eu preciso falar com você! — Digo sozinha.
Quem não me conhecesse, acharia que eu sou louca.
— Jessica Whitmore. — Sussurrou uma voz pelos ventos. — Para invocar um ser imortal, deves fazer um ritual com sangue, ervas daninhas e uma abelha morta. Depois deverás dizer as seguintes palavras: "Oh ser imortal, eu a invoco com toda a súplica que possuo".
De início me assustei e pensei ser impossível. Achei que fosse a deusa, mas percebi que a voz não era a mesma que ouvi há algum tempo.
— Tudo bem.
Suspirei e fui até a parte de fora da casa. Procurei alguma abelha e revirei os olhos por não achar nenhuma. Entrei e peguei mel para comer, e deixei na mesa da varanda.
Fui até às ervas da minha tia e procurei as tais ervas daninhas. Tia Liz sempre diz que ervas daninhas são plantas ocultas por atrapalharem a fertilidade agrícola de forma negativa, mas isso tudo de ritual para invocar Lucy era bem bizarro.
Depois de juntar as ervas numa mesa, voltei à varanda e vi moscas e abelhas rondando pelo mel. Matei uma abelha e a segurei na palma das mãos, caminhando de volta para a sala. Peguei uma vasilha (já que não sabia onde iria colocar isso, então só segui a lógica dos filmes) e coloquei os dois primeiros ingredientes.
Hora ou outra eu mataria Lucy, podem anotar.
Fui até a cozinha e peguei uma faca, logo voltei para onde estava e me sentei no chão.
— Oh ser imortal, eu a invoco com toda súplica que possuo.
Repeti as palavras que a voz mandou e segurei a faca firme na mão direita, pressionando contra a palma da mão esquerda para que sangrasse. Eu realmente estou me sentindo bem estúpida com isso tudo, mas não poderia desapontar as meninas.
— Não faz isso não, eu só estava brincando! — Lucy surgiu na minha frente antes que eu pudesse cortar a mão.
— O que? Você está de brincadeira? Ia fazer eu me machucar a toa? — Perguntei indignada me levantando do chão.
— Eu só queria fazer uma brincadeira, mas não achei que você fosse cair.
Revirei os olhos indignada e cruzei os braços. Lucy estava da mesma forma em que a vimos quando revelou ser quem é. Seus cabelos estavam bagunçados e ela vestia um vestido longo estampado, como se estivesse voltando de um luau no Havaí.
— Você não cansa de ser estúpida? — Questionei. — Seline, Alice e eu precisamos de ajuda.
— Eu sou odiada, excluída e xingada, agora vocês querem ajuda? — Debochou. — Como eu gosto muito da pessoa que Alice é, eu vou ajudar. Mas saiba, Jessica, não é por você.
Suas palavras foram cruéis, mas não me atingiram. Desde o começo eu desconfiava de quem Lucy era. Ela sabia demais, falava demais, perguntava demais e escondia coisas demais.
— Tanto faz. — Dei de ombros. — Queremos saber como usar magia de verdade.
— E o que eu ganho em troca? — Perguntou como se aquilo fosse um acordo.
— Achei que você fosse nos ajudar.
— Eu vou, mas tudo tem um preço, não é mesmo?
— Tudo bem. — Suspirei. — O que você quer?
— Que se lembrem do que eu ainda vou fazer por vocês. — Respondeu.
— Como assim? — Perguntei e ela deu de ombros se fazendo de desentendida.
— Na hora certa vocês vão saber. Agora, onde estávamos? — Ela colocou a mão no queixo e fez uma expressão pensativa. — Ah, sim. Como usar magia de verdade.
— O grimório só nos deu orientações até agora, e a maioria das coisas nós já sabemos. — Falei pegando o grimório em cima da mesa e entregando a ela.
— Vou ensinar um truque a vocês que poucas pessoas sabem, mas que se mantenha em segredo. — Ela virou o grimório de cabeça para baixo e o virou ao contrário. — Grimório das Tríades, apresente-me seus feitiços.
Ela abriu o grimório da forma que estava e, de repente, várias palavras se formaram como se fosse um livro qualquer. A escrita era manuscrita e com uma letra bem fácil de entender, desenhada por pincéis bem antigos.
— Como você fez isso? — Perguntei pegando o objeto quando Lucy me entregou. — E está em inglês!
— É lógico. — Falou como se fosse uma piada. — Por que não estaria?
— Porque o grimório todo está escrito em latim desde o começo. Somente Seline consegue ler, já que passou anos estudando o idioma.
— É mesmo? Então leia novamente.
Abri o grimório no lado antigo e reli tudo o que estava escrito, e os textos estavam em inglês. Não sei como ela fez aquilo, mas até agora foi seu melhor ato.
— Nossa, isso é incrível! — Afirmei animada e Lucy sorriu.
— Que bom que gostou. Na parte dos feitiços, você deverá ler bem como cada uma funciona. Vocês poderão ser atingidas caso algo dê errado, então tentem praticar do básico. Acendam velas, abram portas, mas não trabalhem com magia pesada.
— Tudo bem. Como você fez isso? Como tem tanta influência sobre o grimório da própria Deusa?
— Simples. — Ela se sentou no meu sofá e cruzou as pernas, me encarando. — O grimório inteiro foi eu quem escrevi. O segundo grimório original das tríades, tudo o que eu aprendi ao longo dos anos eu escrevo nessa espécie de diário.
— E o que aconteceu com o primeiro?
Ela tirou os olhos de mim e os fixou em qualquer parte aleatória da casa, contanto que não fosse para mim.
— Eu não sei, ninguém sabe! — Afirmou se levantando do sofá. — Tenho que ir.
E então, ela desapareceu.
Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gostou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro