Capítulo 28: De Volta ao Passado
Saint Luna, 13 de fevereiro de 1991
Quarta-feira - 06:29 P.M.
Eram seis horas da noite e eu ainda não havia voltado para casa. Alice terminava de se arrumar em frente ao espelho, enquanto sua tia e sua mãe alertavam-na sobre qualquer coisa que seu acompanhante fosse fazer. Alice estava nervosa, estava claro, mas estava claro também que sentia certo afeto com sua companhia de hoje à noite.
— Como estou?
Perguntou se virando para mim. Alice vestia um vestido vermelho, liso e rodado. Não era muito curto, mas ideal para sua altura. Seus cabelos loiros e ondulados estavam soltos, e seus olhos verdes realçados pela leve maquiagem que sua tia havia passado.
— Está um arraso, vai deixar aquele garoto de boca aberta. — Brinquei, e Alice revirou os olhos.
— Você está linda, filha! — Jenna elogiou se aproximando de Alice, que soltou um sorriso para a mãe.
— Obrigada, mãe! — Agradeceu retribuindo o abraço, mas se soltou quando percebeu que Ellie chegava correndo no quarto.
— Alice, ele chegou! — Disse animada. — Que gato, hein!
— Tia! — Repreendeu Alice com vergonha, escondendo o rosto no meio das mãos.
Alice sempre foi a mais tímida e carinhosa do grupo, e sem dúvidas, a mais inteligente. Eu estava feliz por ela, e faria de tudo para não deixar os mistérios da vida atrapalharem o que uma adolescente normal deveria viver.
— Vai logo antes que ele desista. — Digo me levantando da cama e parando na sua frente. — Boa sorte!
— Obrigada, Jesse! — Ela agradeceu e me abraçou, e eu retribuí. — Só queria que Seline estivesse aqui conosco.
— Da próxima vez ela estará. — Afirmei com certeza e me afastei, sorrindo orgulhosa.
Ela sorriu de volta e se virou para sair. Era evidente que, em muito tempo, Alice estava despreocupada com outros problemas. Não havia um momento desde quando nos conhecemos que passamos por uma situação comum, sem intrigas, sequestros ou mortes. Ela merecia esse momento, e tinha todo o meu apoio.
— Toma cuidado, meu amor. — Sua mãe pediu antes de Alice sair pela porta do quarto. — Eu te amo!
— Também te amo, mãe! — Gritou de volta antes de sair.
Cheguei em casa após Alice sair. Minha tia estava na sala assistindo televisão quando eu cheguei, então fui até onde ela estava e sentei ao seu lado. Não demoraria muito para ela pedir detalhes sobre como ajudamos Eli e o que fizemos na sua ausência.
— Pode começar. — Falou desligando a televisão e olhando para mim, esperando uma resposta clara.
— Tudo bem, não tenho o que esconder. — Dei de ombros. — Eu e as meninas investigamos a morte de Audrey. Invadimos a escola durante a noite, criamos algumas teorias, um serial killer nos seguiu com um facão, mas conseguimos fugir. Ontem eu fui dar uma volta na floresta para treinar o arco, mas vi um garoto estranho e descobri que ele tentava me dizer algo, então o segui e acabei parando na escola. Lá, eu e Alice descobrimos um túnel que levava até uma sala de escultura que tinha uma passagem secreta, e enfim encontramos Eli.
— Então vocês não avisaram a polícia porque não envolvia só um assassinato e um sequestro, e sim porque estão descobrindo a magia. — Concluiu e eu apenas concordei com a cabeça. — Descobriram quem matou a garota?
— Ainda não, mas temos a teoria de que foi a mesma pessoa que causou o acidente de carro do irmão dela, um ano antes. Tudo isso está ligado a uma garota que estuda com a gente, mas não sabemos ao certo como. Sábado terá uma festa no qual todos da escola irão, portanto investigaremos melhor lá.
Elizabeth não parecia surpresa com nada que eu dizia, mas também parecia pensativa. Contei sobre Lucy aparecer, mas ela apenas pediu para tomar cuidado com quem mal conhecemos. Elizabeth Whitmore era a irmã mais nova de Frederick Whitmore, e nunca se incomodou de ficar comigo quando meus pais foram assassinados. Eu devia e agradecia tudo à essa mulher.
— Você sabe que só estão envolvidas nisso tudo por conta de Hécate, não é? — Perguntou e eu concordei com a cabeça. — Eu nunca a conheci, mas sei que é real. Mesmo depois de perdermos todo o nosso poder por conta de Stephen, ela sempre nos ajudou.
— Mas tia, como vocês perderam os poderes? — Questionei sabendo que ouviria uma longa história, mas que seria ideal para não cometermos o mesmo erro.
— Antes de tudo, quero que saiba que antes da minha tríade, haviam outras e outras. Geralmente as tríades são passadas de família em família, mas tudo começou com as famílias Whitmore, LaRue e Breyner.
— Breyner? — Perguntei.
Eu sabia que os Whitmore se referiam a mim e os LaRue a Alice, mas a questão dos Breyner eu desconhecia. Eu entendia que Elizabeth é uma Whitmore e Ellie uma LaRue, mas eu nunca procurei saber o real paradeiro de Seline. Ela era filha de Mariyah, portanto não carregava o sobrenome Grace biologicamente, e sim o Breyner.
— Breyner é o sobrenome de Mariyah, o que leva a ser o sobrenome de Seline também.
Talvez eu tivesse uma leve curiosidade para saber mais sobre a vida de Seline, mas sentia que não era da minha conta. Assim como eu, Seline viveu numa família que não era de sangue, mas no meu caso era a única que eu precisava. Nunca quis conhecer minha família de verdade, mas então Lucy apareceu.
— Pode continuar. — Pedi me ajeitando no sofá.
— Bem, na minha adolescência eu busquei saber mais sobre a origem das tríades e descobri que foram três mulheres, uma Whitmore, outra LaRue e outra Breyner, que fizeram o primeiro ritual invocando a deusa. O motivo foi porque fugiam da morte de homens cruéis, então buscaram refúgio na deusa e mataram os homens com o uso da magia natural. Elas foram descobertas e levadas à fogueira, e então foram queimadas vivas.
Imaginei cada detalhe enquanto minha tia falava. Ao ponto de mulheres serem queimadas por não servirem aos homens, significava que existia há bastante tempo. Nossas ancestrais nos deixaram uma herança no qual deveríamos seguir e fazer valer a pena, cada ritual, cada feitiço, cada gota de sangue que fosse derramada. Seriam lembradas, não só pelo o que fizeram, mas também pelo o que foram e a imagem que nos representa até os dias de hoje.
— Isso tudo aqui em Saint Luna?
— Sim, aproximadamente em 1428. Elas tinham filhas, sobrinhas, irmãs mais novas que ouviram o chamado da deusa e que continuaram com as tríades, até agora.
— Mas você não disse, como perderam os poderes?
— Na época da escola, Mariyah, Ellie e eu tínhamos amigos. Oliver e Jenna, Adam, John e Stephen. Oliver era meio babaca, por isso quase não falávamos com ele. John era muito inteligente, ele sabia sobre nossa tríade mas sempre jurou segredo. E bem, Stephen. Ele acabou descobrindo e botou na cabeça que queria ser mais forte que nós, então optou pela magia negra. Stephen tentou nos matar várias vezes, mas em uma delas John estava perto e acabou sofrendo por isso. Ele morreu nos ajudando, e nunca nos esqueceremos disso.
Seu ar ficava cada vez mais triste conforme falava. Haviam muitas coisas envolvendo muitas pessoas no qual eu não fazia ideia. Deve ter sido tudo difícil, e talvez fosse para mim também. Era um risco que corríamos, e agora Stephen estava de volta.
— Sinto muito. —Suspirei olhando-a, mas ela não pareceu se abalar. — Vocês tentaram a magia negra para deter Stephen, certo?
— Certo, mas não funcionou. Eram rituais que nos levavam literalmente ao inferno, e isso custou muito caro. Acabamos perdendo nosso poder, Hécate tentou nos ajudar com o que restava da sua crença grega junto com o deus do submundo, mas mesmo assim ele foi mais forte. Depois resolvemos seguir nossas vidas, Mariyah engravidou e foi embora para estudar, Ellie se casou e se mudou, e eu permaneci aqui em contato com a natureza. No momento em que eu soube que meu irmão e minha cunhada adotaram uma garotinha, eu soube que você seria uma de nós, Jesse. Eu sempre soube.
Fiquei um pouco em choque. Agora eu e as meninas tínhamos a chance de acabar com Stephen, mas teríamos que fazer certo, se não acabaríamos como elas. Eu estava disposta a treinar e a lutar para impedir que coisas piores acontecessem, e eu faria isso.
— Obrigada pela orientação, tia. — Sorri agradecida e ela retribuiu. Pelo menos eu tinha uma base do que não fazer e sabia como continuar a missão da antiga tríade.
— Por nada. Aliás, essa sua suposta irmã sabe sobre vocês?
— Não que eu saiba. — Admiti. — Mas sinto que há algo de errado com ela. Não sei explicar como, mas não sinto como se ela estivesse falando a verdade.
Liz me analisou e imaginou uma forma de tentar me consolar, mas ela só suspirou solidariamente e disse algo que nunca me veio à cabeça.
— Por que não volta ao começo?
Antes que pudesse responder, ela se levantou e deixou a sala. Acabei sozinha numa eterna reflexão, de onde seria este tal começo? O começo envolvendo Lucy ou envolvendo a mim mesma?
— O orfanato. — Lembrei e de repente, uma luz surgiu no fim do meu túnel.
Texas, 13 de fevereiro de 1991
Quinta-feira - 09:10 A.M.
A velocidade que o ônibus corria, fazia meus cabelos voarem com a força do vento. A paisagem e o cheiro da terra do Texas lembravam a minha infância. Eu vivi aqui por um longo período de tempo, mas depois da tragédia, nunca mais coloquei meus pés aqui.
Quando o ônibus chegou ao seu ponto final, eu e os demais passageiros descemos e seguimos nossos caminhos. Pedi um táxi até o meu local de destino, e quando cheguei, me vi sozinha naquele deserto. O casarão ainda se mantinha inteiro, mas com um aspecto abandonado por fora.
Me aproximei do portão e toquei a campainha. Não demorou muito para uma freira me atender, e ela até parecia jovem. Pedi para ver a senhora Lort, e ela apenas respondeu que Lort não poderia atender ninguém que não fosse da família.
— Diga que Jessica Whitmore deseja vê-la com motivos urgentes, por favor! — Insisti e a freira decidiu tentar meu pedido.
Fiquei observando algumas crianças correndo por um parquinho que havia há uns metros. Elas não pareciam tão sozinhas quanto eu era quando morava aqui, e eu realmente esperava que não fossem cuidadas por Lort. Se eu pudesse, levaria todas para a minha casa.
— Senhorita Whitmore, a senhora Lort deseja vê-la. Siga-me, por favor.
Anunciou a freira que me atendeu e eu a segui pelos corredores. O lugar era bem sombrio, rodeado por cruzes e imagens católicas que mais pareciam vazias.
— Com licença.
A freira abriu a porta de uma pequena sala e me pediu para entrar. Havia uma mesa de madeira grande e uma cadeira de rodas virada para a janela, e eu imaginei que fosse minha antiga cuidadora.
— Senhora Lort?
Chamei, me aproximando aos poucos. A cadeira de rodas virou alguns graus com certa lentidão, e eu notei a velha mais velha do que da última vez. Haviam se passado apenas alguns anos, mas sua aparência mudou para décadas. Uma coberta marrom cobria parte do seu colo, e ela ainda usava seu antigo uniforme.
— Jessica.
Falou com uma voz rouca e baixa. Lort sorriu de forma macabra, mostrando seus dentes tortos e com alguns espaços vazios. Antes de começar a falar, Lort começou a tossir como se seu pulmão fosse sair do corpo, mas logo em seguida ela parou.
— Senhora Lort, quanto tempo! — Falei sem expressar emoção alguma. Eu só queria sair daquele lugar o mais rápido possível. — Eu vou ser breve. Você é a anciã deste lugar, e eu vim em busca de respostas. Como eu vim parar aqui? Para onde meus irmãos foram?
— Sua família? — Questionou com a voz arranhada e me encarou com os olhos demoníacos. — Você não tinha família.
— Não importa, vai me responder ou vai dar uma de possuída? Eu conheci uma das minhas irmãs, e queria apenas saber se ela havia ido para algum outro orfanato. O nome dela é Lucy.
— Lucy. — Repetiu Lort. — Como Lúcifer.
Aquela mulher havia enlouquecido de vez! Ela estava bem pior do que quando deixei o orfanato, não adiantaria arrancar respostas. Desisti e me virei, caminhando em direção à porta. Foi tudo uma bela perda de tempo.
— Todos — Antes de completar, ela tossiu mais uma vez. — morreram.
— O que?
Voltei minha atenção para ela que continuava da mesma forma que eu a deixei.
— Todos foram queimados. — Anunciou com certa facilidade. — Você não tem pais, e nem irmãos, Jessica.
No fundo, aquilo soou como se ela falasse a verdade, mas eu me sentia confusa. Lort sempre soube do meu paradeiro, mas sempre se recusou a contar pelo o "meu bem".
— Não existe nenhuma irmã chamada Lucy porque todos seus verdadeiros irmãos morreram em um incêndio.
Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gostou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz
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