Capítulo nove
Foi extremamente estranho e fácil entrar naquele buraco. Eu tinha até medo do que iria vir a seguir. Talvez, eu até encontrasse a sala de Blake vazia ou ele tomando café e jogando bilhar com Lorde Morte.
- Você acha que Lorde Morte está aqui?
Sinto Mase ficar tenso no meu lado.
- Acho que não. Ele quase nunca fica no Submundo.
- Desde quando você sabe sobre esse seu poder?
- Desde que era criança. Pouca gente sabe.
- Por quê?
- Não gosto dos meus poderes.
- Por que mostrou para mim?
- Vamos mudar de assunto. Não sei se conseguiremos invadir isso aqui hoje.
- Sei disso. Estamos desarmados.
- Você precisa de suas asas – ele reparou.
- Também sei disso – digo, começando a andar. Ele me segue.
Ouço vozes. Vozes quentes, incessantes, que pareciam lamúrias. Elas ficam mais altas, na medida em que eu me aproximo. Elas se transformam em gritos ensurdecedores. Sinto como se todo o meu corpo tremesse.
Era Blake.
Ele estava mais próximo do que eu imaginava. Meu Blake. Dou passos firmes sem vacilar em direção à porta. Não me importava se um guarda fosse me pegar. Eu estava cega. Meus pés só iam até ele.
Mase agarra o meu pulso. Olho para ele furiosa.
- Largue-me. É ele. Estão torturando ele! Estão torturando-o por algo que ele não fez! – falo completamente descontrolada, tropeçando às palavras uma nas outras.
- Eu sei, mas você também quer? Você também quer ser torturada? – ele me olha. Sua voz era como um trovão, mas seu olhar era suave.
- Não – engulo em seco.
- Se você quer vê-lo, precisa controlar suas emoções. Sei que ele é importante para você.
- Sim, ele é.
- Então me siga.
Sigo Mase sem ter muita opção. Ele abre a pequena fresta da porta e pela pequena passagem, vejo com os meus olhos a pior cena da minha vida.
Blake estava sentando, amarrado a uma cadeira. Havia um corte profundo na lateral de sua cabeça. Sangue estava espalhado por todo o seu corpo. Senti-me zonza. Seu cabelo estava comprido até os ombros. A barba por fazer. Seu corpo estava mais forte, mais traçado. Eu queria tanto tocá-lo. Queria tanto tirá-lo dali, mas se eu fizesse isso, apenas aceleraria o momento de nossa morte.
Mas eu só podia observar enquanto eletrocutavam o seu corpo com algum aparelho. Ele gritava com a dor que sentia. Eu fechei meus olhos, sentindo as bochechas úmidas. Eu precisava voltar para salvar Blake. Ele não podia ficar naquela situação lastimável. Abro os olhos novamente, e vejo um homem mascarado.
Dylan não devia estar longe, mas eu não podia arriscar. Ele e Morte pairavam sobre o local. Estavam escondidos. Se por acaso eles sabiam da presença um do outro, eu não tinha ideia. Sinto que vou vomitar a qualquer momento.
Mase pega o meu pulso e me arrasta para longe dali.
***
Encontramos o carro de Mase com facilidade. Entro, sentindo-me entorpecente. Eu era uma vaca inútil. Com certeza. Fiquei ali, assistindo como se estivesse no cinema, em mais uma versão de Jogos Mortais. Só que aquilo era extremamente real.
E era com alguém que eu amava.
Fecho os olhos, mas a imagem dele na minha mente se repete. Eu me lembro de um homem com um traje e uma mascara preta, apertando o botão de choque. Meu Deus, Mase não havia feito nada e nem eu! Por quê?
Por que eu sou uma barata tonta que foi procura-lo sem nenhuma arma. Pelo menos, agora, eu tinha certeza do lugar onde ele estava. Eu ia voltar. Era uma promessa.
- Você está bem? – pergunta Mase. Eu não tinha ideia de quantas vezes ele havia me perguntado aquilo. Eu sempre balançava a cabeça positivamente. Ele respira fundo, acelerando o carro. Eu sabia que estávamos passeando pelo Submundo vazio e perigoso. O mundo intenso e extenso. – Ele... Ele é mais do que um amigo para você?
Assinto, sem tirar os olhos da poeira da estrada. Tão leve.
Mase para o carro de repente. Fico assustada com a freada e olho para ele com os olhos arregalados.
- Dá pra falar alguma coisa? – ele passa a mão pelos cabelos lisos. – Está me deixando nervoso, Brooke! – ele arregala os olhos. - Por favor...
Balanço a cabeça em negação. Toda a minha visão era vermelho de raiva. As lágrimas não caiam mais.
- Nós vamos tirá-lo de lá. Eu prometo a você.
- Por que promete se mal me conhece? – olho nos seus olhos. Ele estava sendo bom comigo. Não sei se por conta desse caso de Anjos do "bem" e tal. Era ridículo.
- Por que é assim que as coisas são... Nós, Anjos, reconhecemos o coração de cada pessoa. Eu reconheço o seu. Você é uma pessoa boa. Não merece sofrer tanto assim – ele deu de ombros, um pouco desconcertado. Como um cara enorme e de tatuagens podia ser assim?
Sinto vontade de abraçá-lo. Ele parece que percebe e se aproxima de mim. Seus braços longos e fortes praticamente me engolem. Eu sinto as lágrimas voltarem. Eu não estava sozinha. Eu sentia que podia confiar nele. Eu tinha um amigo.
- Obrigada – digo, em meio às soluços. Ele passa a mão pelas minhas costas e eu sinto pequenas faíscas tomarem conta do meu corpo. O calor do seu abraço era tão reconfortante, que eu desejei ficar ali.
- Ele vai ficar bem.
- Eu não teria tanta certeza disso.
- Por quê?
- As asas. Estão escurecendo – digo.
Era verdade. Blake tinha asas. Eu vi. Elas estavam presas e esmagadas por conta da cadeira de pressão. Ele tinha asas. Eu nunca vi aquelas asas antes. Eram amareladas. Estavam enegrecendo nas pontas.
Ele estava se transformando em um...
Não. Ele não podia.
De repente, desvencilho-me do abraço de Mase. Eu podia vomitar toda aquela pizza que eu comi mais cedo, naquele exato momento. Respirei fundo e puxei a saia.
- Vamos embora – falei secamente. Meu olhar estava fixo na estrada.
Mase ficou quieto e eu agradeci mentalmente por isso. Olho para as minhas mãos, distraidamente. Olho para a janela e vejo um corvo me observando novamente.
Lembro-me da Academia. Estremeço. Só de saber que o Dylan psicótico estava solto por aí, pretendendo fazer loucuras... Que poderiam dar certo.
Com o meu sangue.
Começo a sentir náuseas. Eu tinha que tomar cuidado. Precisava.
Por mim, por Blake.
Por todos aqueles Anjos estranhos da mansão.
- No que tanto pensa, Brooke?
Pisco para a realidade.
- Em nada – minto.
Eu era uma vaca. Mase tinha me ajudado com tudo isso e eu escondi as coisas dele. Acho que eu não merecia tal ajuda. Ele nem me conhecia, aliás.
- Tudo bem.
Ele obviamente sabia que eu estava mentindo e queria deixar para lá. Eu gostava disso, apesar do meu interior gritar para ele perguntar mais alguma coisa. Que mostrasse interesse, não sei.
Encolho, agarrando o meu as minhas pernas e pousando a minha cabeça no joelho. Eu podia sentir o olhar preocupado de Mase. Será que ele pensava que eu estava enlouquecendo? Era bem provável quando se encontra um emaranhado de problemas que são resolvidos com a morte de alguém.
E você está no centro dele desse emaranhado.
Uma vida normal era tudo o que eu queria. Ir às lojas de marcas, comprar roupas. Diverti-me com algumas colegas que eu tinha no ensino médio. Ir a festas. Namorar caras normais.
Ir para Oxford e visitar a minha avó no final de semana.
Eu perdi tudo isso e muito mais.
Mas muitas pessoas perdiam tudo também. É claro que eu estava sendo egoísta, pensando apenas em mim. As pessoas partem. Eu precisava aceitar isso.
Algumas mais cedo.
Outras mais tarde.
Não há regras.
Muitos não tinham a mesma sorte que eu. Seres de duas raças. Anjos e humanos. Duas chances completamente distintas de vida.
A minha diferença, era a minha linhagem. Meu pai era um Anjo Casthaway que possuía dons. Ele fugiu para viver com a minha mãe, uma humana. Ele fez de tudo para nos proteger.
E cá estou.
A vida não é cheia de surpresas?
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