Solidão - Parte II
ATO III
A luz tênue do amanhecer começa a invadir o quarto de Muntera, projetando sombras longas e silenciosas que refletem a urgência do momento. Com movimentos rápidos, pego o arco pendurado na parede, sentindo seu peso desmedido enquanto o encaixo firmemente no meu braço. A aljava, preenchida de flechas, é colocada sobre as minhas costas. As adagas de dupla lâmina são deslizadas para dentro da bainha na minha cintura.
Saio do quarto silenciosamente e me esgueiro pelo corredor, minha mente correndo com cenários de confronto. — Se Báron aparecer, temos que estar preparados — penso, me fortalecendo com a ideia de que, armado, não estou totalmente indefeso. No entanto, a realidade da minha situação, enfrentando um oponente tão formidável quanto Báron, pesa sobre mim, trazendo uma sensação de inquietação.
Ao entrar no quarto de Máterum, uma curiosidade irrefreável me atrai para um objeto coberto por um manto azulado. Meus dedos deslizam sobre o tecido, revelando com cuidado um bastão de zérum de formato único, que brilha com uma luz interna. A ponta esférica feita de cristal arcririsiano esverdeado capta a luz fraca do amanhecer, irradiando as palavras desconhecidas de aspecto cristalino que ornamentam o bastão.
— O que será isso? — pergunto a mim mesmo, fascinado pela beleza do bastão.
As minhas mãos tremem ligeiramente enquanto se estendem para tocar o cajado, seu peso surpreendente desafiando a lógica e a expectativa. — Do que esse cajado é feito? — murmuro em voz baixa, minha voz tingida de surpresa. Ao tentar erguê-lo, meus músculos se tensionam, o esforço refletido na tensão do meu rosto e no aperto dos meus lábios. A luta é real, cada fibra do meu ser se concentrando na tarefa, mas o cajado permanece imóvel, obstinado como uma montanha.
Respiro fundo, a frustração crescendo dentro de mim. — Não pode ser tão pesado — insisto para mim mesmo, recusando-me a aceitar a derrota. Uma segunda tentativa, impulsionada por uma força renovada, também falha, deixando-me ofegante e desapontado. A sensação de impotência me invade, pensando está perdendo a chance de ter uma arma que resolveria todos meus problemas.
Com um suspiro resignado, desisto do cajado, seu peso intransponível um enigma que permanece sem resposta. Meus olhos percorrem o quarto, buscando por qualquer outra arma ou ferramenta que possa servir ao meu propósito. A necessidade de encontrar uma alternativa, algo que possa me auxiliar na minha missão, vasculhando cada canto, cada sombra do quarto de Máterum.
A tensão palpita no ar enquanto me debato com a frustração de não encontrar nenhuma outra arma no quarto de Máterum. — Não é possível que exista apenas essa arma no quarto de Máterum! — Reclamo.
Com um suspiro exasperado, abro a porta, pronto para deixar o quarto, mas a silhueta de Báron surge e a fecho novamente.
— O quê faz aqui? — A voz de Báron, rígida e autoritária, soa até meus ouvidos após a porta se fechar, congelando-me atrás da maçaneta
— Droga! Ele me viu! — penso.
Entretanto, uma voz feminina perfura a tensão como uma lufada de ar fresco.— Estava cansada de ficar presa no quarto — soando impaciente. — Ele está muito fedido.
— Verificarei — Báron responde com aspereza. — Enquanto isso, fique no quarto de Máterum, e não saia de lá! Máterum me pediu que te apresentasse aos outros só após sua volta de Zaranler.
A resposta da deusa sai como uma súplica quase infantil. — Me deixa pelo menos ir um pouco lá fora! Só por um minuto, por favor.
— Pode ir... quando Máterum voltar de Zaranler — responde Báron. Seus passos se aproximam da porta, e a tensão retorna ao meu corpo.
Em um movimento rápido e desesperado, mergulho embaixo de uma pilha de tecidos coloridos ao lado da estante, meu corpo se contorcendo para caber no espaço apertado. Seguro a respiração, meu coração batendo alto em meus ouvidos, enquanto Báron abre a porta.
— Me deixa pelo menos...
— Não — responde Báron, fechando a porta.
O som da porta se fechando é seguido por um grito de frustração, ecoando pelas paredes do quarto e fazendo meu coração saltar. — O quê farei agora?! — questiono-me, buscando uma saída enquanto permaneço escondido, imóvel sob os tecidos coloridos. Os passos da deusa se aproximam
— Por que está se escondendo? — Sua voz, tingida com surpresa e um toque de diversão, penetra meu esconderijo improvisado. — Sinto sua presença, sai de baixo dos tecidos.
Engulo em seco, o medo e a incerteza travando uma batalha dentro de mim. Com um movimento cuidadoso, arrasto-me para fora, a mão esquerda discretamente posicionada perto da adaga oculta, pronta para qualquer eventualidade.
— Não conte a Báron — suplico, as palavras escapam da minha boca em um sussurro frenético, o medo de ser entregue fazendo cada fibra do meu ser vibrar com ansiedade.
— Não se preocupe, não contarei. Só não me ataque com essa adaga — Sua voz é calma, seu olhar penetrante revelando uma percepção além do comum. Por um instante, meu coração hesita, surpreso pela sua rápida percepção da adaga que eu havia escondido com tanto cuidado. A revelação de sua habilidade de observar detalhes que escapariam à maioria deixa-me atônito, minhas palavras se perdendo na surpresa.
Nos dias que estou em Malbork, nunca cruzei com ela, nem mesmo ouvi sobre. No entanto, algo em mim reage a sua presença como se houvesse uma misteriosa familiaridade.
Ela é uma visão enigmática em sua túnica escura com algumas pequenas estrelas carmim. O capuz preto, como uma sombra, ocultando seus traços faciais.
— Chamo-me Wara[CG1] — ela diz, sua voz rompendo o silêncio. Com um gesto suave, ela abaixa o capuz, revelando cabelos azul-escuros salpicados com mechas ruivas, cada fio como uma estrela cadente desenhada contra o céu da noite.[CG2] — Qual seu nome?
— Meu nome? — Gaguejo. Há uma hesitação em minha voz, uma pausa perceptível. — Void — respondo.
Enquanto me levanto, sinto-me subjugado, não apenas pela sua presença enigmática, mas pela beleza inebriante de Wara que me prende de uma maneira inexplicável.
Meus olhos a estudam por um momento, reconhecendo um tipo diferente de força nela. Uma que não se origina da batalha ou das armas, mas de sua presença cativante, de sua venustidade.
— O quê faz aqui? — Wara pergunta, recolocando o manto azulado sobre o cajado. Seus olhos, aguçados e inquisitivos, fixam-se em mim, aguardando uma resposta.
Com um sorriso forçado, tento disfarçar minha apreensão. — Roubando as armas de Máterum para libertar os prisioneiros e fugir de Malbork — digo a verdade, em tom de ironia.
Ela ri, um som claro e melodioso que parece dissipar parte da tensão no ar. Ela me encara com um olhar que parece perfurar minhas defesas, e não posso evitar admirar seu rosto, marcado por uma constelação de pequenas manchas amarronzadas. Elas se destacam em sua pele branca como uma chuva de asteroides em um céu desprovido de luz.
Recompondo-me, eu tento desviar o assunto. — Estava procurando algumas armas para treinar com Korla após o amanhecer. E não queria que Báron soubesse. Ele acharia que estamos nos desviando das nossas verdadeiras missões — digo, a mentira escorregando suavemente pela minha língua, mas meus olhos não conseguem encontrar os dela, revelando minha incerteza.
Wara parece ponderar minhas palavras, seu olhar se tornando introspectivo. Ela suspira levemente, uma expressão de compreensão, talvez até de empatia, passando brevemente por seu rosto. — Realmente — ela concorda, sua voz baixa e pensativa. — Báron é muito ríspido.
— E você? — indago. — Não me recordo de você. Na verdade, nunca ouvi ninguém falar sobre você — comento, revelando a curiosidade que sinto à cima dela.
— Sou uma deusa recém-nascida. Máterum me encontrou há alguns meses desmaiada pelo deserto de Primárium e me trouxe para cá.
— Máterum como sempre generoso — comento, um tanto cético com todas minhas descobertas. Desvio o olhar para o anel em minha mão, a peça brilhando suavemente à luz fraca, uma lembrança da sensação calorosa que senti perto de Máterum. — Tenho que ir. Korla está me esperando.
Ela me observa com um olhar avaliativo. — Não tem como sair daqui agora. Báron ainda está perambulando pelo corredor, — ela adverte, sua voz baixa e séria.
Uma onda de frustração me atinge, e eu balanço a cabeça levemente em concordância. — Tem razão. Preciso arrumar uma maneira de sair daqui, — admito, meus olhos vagueando até a janela. Observo Wara seguir meu olhar, uma expressão de anseio suavizando suas feições.
— Wara, ouvi que deseja muito ver o nascer do sol, — comento, minha voz assumindo um tom mais suave.
Seus olhos negros brilham de emoção. — Sim! Máterum não me deixa sair do quarto, e as janelas deste e do meu quarto são minúsculas, — ela responde, seu desejo palpável na voz.
— Posso te ajudar com isso, — digo, um plano se formando em minha mente. — Se distrair Báron para que eu saia daqui em segurança, irei te mostrar o nascer do Sol.
Wara se aproxima rapidamente, a surpresa e a excitação iluminando seu rosto. — Sério? Você faria isso por mim? — pergunta, sua voz trêmula de esperança. Ela segura minhas mãos com firmeza. Sua proximidade é tão íntima que posso sentir o calor de sua pele e o suave aroma que dela emana. — Então vamos fazer isso — ela determina. — Assim que eu sair do quarto, espera dois minutos e saia — olhando-me com gratidão e expectativa, e então sai do quarto.
Espero, contando cada segundo, os dois minutos indicados por Wara. Assim que o tempo se esgota, saio do quarto com cautela, meus passos rápidos e silenciosos.
No caminho do calabouço, deparo-me com Korla, e rapidamente, escondo as armas nos montes de areia, que os deuses usam na criação de Malbork.
— Onde você estava? — Korla me questiona, seu tom mais curioso do que impaciente.
— Descansando em... — começo a responder, mas sou interrompida por sua impaciência.
— Tá. Não importa. Só se prepara logo, Máterum voltará a qualquer momento com os outros, — ela diz, seus cabelos sujos de areia denotando o trabalho árduo.
— Não se preocupe. Só vou conferir os prisioneiros uma última vez.
— Só não demore muito! — ela alerta.
— Não demorarei — respondo, já me virando para seguir meu caminho. — Faltam poucos minutos para o amanhecer, tenho que soltar Kinkara e os outros logo e recuperar as armas — penso comigo mesmo, enquanto desço as escadas íngremes do calabouço. — Mesmo com as inúmeras visitas nos últimos dias, nunca me acostumo com esse odor podre — reclamo com o cheiro fétido da umidade misturada com o odor de suor e sangue velho invadindo minha narina. — Libertarei Kinkara primeiro — murmuro para mim mesmo, tentando ignorar o cheiro e a sensação de claustrofobia que cresce dentro de mim.
A desconfiança em relação aos outros deuses aprisionados pesa em minha consciência, mas sei que não tenho escolha a não ser libertá-los também. — Preciso de uma distração perfeita para escapar de Malbork com Kinkara — pondero enquanto me aproximo de sua cela.
Chamo por ele, mas não há resposta. Olho através da escuridão e vejo seu corpo inerte, desacordado. — Melhor soltá-lo de uma vez, — concluo, removendo suas correntes.
As correntes caem com um clangor surdo no chão de pedra. Sua respiração se torna mais áspera e pesada, como se ele estivesse lutando para voltar à consciência. — Não faça barulho, estou quase te soltando, — sussurro, tirando a última corrente.
No momento em que a corrente se solta, Kinkara abre os olhos subitamente. Seu olhar é vazio, sem reconhecimento. Antes que eu possa reagir, uma pontada de agonia me assola.
Incapaz de respirar, falar, ou compreender a realidade diante de mim, olho para baixo, horrorizado, ao ver a garra negra e afiada de Kinkara perfurando meu peito. — Não pode ser... — penso, incrédulo.
A dor me paralisa, e o sangue quente e pegajoso escorre pelo meu peito, formando uma poça sombria no chão frio. Minhas mãos tremem enquanto tento inutilmente remover a garra, mas é como tentar mover uma montanha.
Ergo os olhos, encontrando o rosto do meu algoz, Kinkara, procurando alguma explicação em seus olhos, mas tudo que encontro é uma maldade que congela meu sangue.
— Eu confiei em você — minha mente grita, mas as palavras se afogam no sangue que começa a se acumular em minha boca, sufocando qualquer tentativa de expressar o tormento interno com palavras, transformando cada respiração em um gorgolejar afogado.
— Devia ter confiado em Báron — Kinkara sussurra, sua voz um sibilo frio que ressoa com crueldade, consumindo qualquer resquício de luz do ambiente.
Com um movimento brusco, ele arranca a garra do meu peito. O som da carne rasgando é terror em meus ouvidos. O puxão violento me faz cambalear para trás, meus joelhos batem no chão duro.
Olho para baixo e vejo o buraco sangrento em meu peito, a realidade da minha morte iminente se impondo cruelmente. Minha visão começa a escurecer, enquanto o som do meu próprio coração batendo desesperadamente aumenta em meus ouvidos.
Sentindo um vazio no meu peito, uma sensação de injusto fim. Desejo questionar o porquê.
Lutando contra a vertigem que ameaça me engolir, sinto uma sensação de final injusto e prematuro em meu peito aberto.
Flashes de Máterum atravessam minha mente turva, e a dor da culpa é insuportável. A ideia de Máterum encontrando meu corpo abandonado na escuridão úmida dessa cela, enche meu ser de tormento. — Me perdoa por não ter confiado em você — lamento internamente, uma súplica silenciosa de remorso que nunca alcançará seus ouvidos.
Com olhos injetados de sangue e um sorriso torcido, Kinkara se inclina sobre mim, sua boca se abrindo em um círculo grotesco repleto de dentes afiados. Sua mandíbula se fecha sobre meu pescoço, os dentes rasgando a pele e músculos com uma violência selvagem. Sinto o quente e fétido hálito dele contra minha pele enquanto meu sangue escorre.
Um grito gutural e sufocado escapa dos meus lábios, um som de pura agonia que ecoa pelos corredores do calabouço, carregando consigo a essência do meu sofrimento. A dor é indescritível, uma mistura de queimação aguda e pressão esmagadora que parece querer arrancar minha alma do corpo.
À medida que a força de Kinkara aumenta, sinto o som de algo se rasgando, uma sensação de que estou sendo literalmente arrancado da existência. — Isso é o que recebo por minha traição? Essa é a justiça final? — reflito. Cada gota de sangue que é sugada destrói qualquer vestígio de esperança ou redenção que eu poderia ter tido. — Talvez eu mereça isso. Talvez essa seja a minha punição — penso na ironia cruel do destino, na forma como minhas escolhas me levaram até esse momento de agonia desesperada. — Mas... — lamurio com lágrimas quentes sussurra, — eu não quero morrer.
As lágrimas brotam dos meus olhos, misturando-se à poça de sangue que se forma sob meu corpo. — Há tanto que eu ainda preciso fazer, tanto que eu preciso corrigir. — O arrependimento é veneno que queima minhas veias, agonia que vai além da carne.
Contudo a escuridão é inegociável e se fecha ao meu redor, meu último pensamento é de arrependimento e súplica muda para um fim rápido.
Com a crueldade de um predador que terminou seu banquete, Kinkara me observa, seus olhos reluzindo um prazer mórbido. — Adeus, meu amigo! — ele zomba, a ironia em sua voz gotejando veneno. Ele passa a língua pelos lábios com uma satisfação nauseante, saboreando o gosto do meu sangue, limpando os vestígios do ato hediondo. Seu olhar sobre mim é de desprezo absoluto, como se eu fosse um inseto insignificante que ele acabou de esmagar sob o calcanhar.
Incapaz de responder ou mesmo de sustentar seu olhar, sinto minha vida se esvaindo, a escuridão se fechando ao meu redor como véu. A dor excruciante se transforma em um entorpecimento distante.
Kinkara se afasta, seus passos soando com indiferença no corredor de pedra. Sua figura desaparece na penumbra do calabouço, deixando para trás nada além de frieza e a memória de sua traição.
Deixado na solidão da cela, meu corpo jaz em uma poça do meu próprio sangue, que se espalha lentamente pelo chão frio e úmido. A vida escapa de mim em ondas lentas, cada momento se alongando em um eterno adeus. O frio da morte se entrelaça com o calor do sangue derramado, num contraste que marca o fim de uma luta desesperada.
Na escuridão que agora me envolve, o mundo se torna um sussurro distante. Sons, luzes e pensamentos se desvanecem, deixando apenas um vazio silencioso e implacável. É neste vazio que me encontro, perdido entre o que fui e o que nunca serei, enquanto a vida se despede de mim em um sopro final, frio e esquecido.
ATO IV
Jazendo no chão frio e sujo da cela, Void se contorce em espasmos descontrolados, seu corpo não mais obedecendo aos comandos de sua mente. Cada movimento é um reflexo involuntário, um protesto inútil de um corpo que se recusa a aceitar seu fim iminente.
A dor é insuportável, engolfando cada fibra do seu ser, que sente como se mil agulhas estivessem perfurando sua carne, enquanto um calor abrasador emana das profundezas de suas feridas. Seus olhos, embaçados pela agonia, lutam para permanecer abertos, mas a escuridão se infiltra nas bordas de sua visão, prometendo um fim para o sofrimento insuportável.
Em sua mente atormentada, Void luta para compreender o que aconteceu, para encontrar algum sentido na traição cruel que desencadeou seu destino fatídico. — O que eu fiz? — ele se pergunta, mas não há respostas, apenas o eco de suas próprias dúvidas em um vazio que se aprofunda.
Gradualmente, seus movimentos se tornam mais fracos, cada contração muscular menos intensa do que a anterior, até que finalmente cessam. Seus olhos, agora pesados, se fecham lentamente, cedendo à escuridão que o envolve. Traído, sozinho e sem esperança, Void se rende ao inevitável, entregando-se ao silêncio de um fim sem sentido, numa cela que agora se torna seu túmulo.
O último pensamento que atravessa sua consciência em declínio é o sussurro de desespero e incompreensão, uma pergunta sem resposta que se perde na imensidão do vazio. E então, tudo se torna silêncio, um silêncio profundo e definitivo, que engole suas últimas centelhas de vida.
O vazio traído pelo sofrimento. Gritos silenciosos da alma cortada. O sangue que esvaíra, dará vida no momento de morte; a qual o responderá com pesar, enxergando sua putrefação, bilhões de anos antes da encarnação.
Wara
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