Mudança - Parte I
ATO I (Zilevo)
“Do mar viera a vida. À terra fora a morte.”
— De onde você veio? — questiono, deixando escapar um pouco do meu fascínio em meu tom. Meus olhos fixos no deus de aspecto marítimo. Seus cabelos azul-marinho, úmidos banhados pelas próprias ondas do oceano, escorrem suavemente sobre seus ombros.
— Eu vim do oceano — ele responde. Sua resposta, simples mas reverbera no espaço confinado.
Enquanto meus olhos o estudam, percebo uma conexão entre ele e o deus ao seu lado. Uma semelhança intrínseca, embora matizada por diferenças sutis que despertam ainda mais minha curiosidade.
— Qual nome de vocês? — pergunto, batucando os dedos vagarosamente na mesa de madeira entre nós.
— Me chamo Lesus — ele se apresenta, e ao passar suas mãos molhadas pelas pernas, pequenas gotas de água saltam, como minúsculas pérolas brilhando brevemente antes de desaparecerem no tecido de suas vestes. Seu olhar desvia-se, encontrando o do deus ao seu lado, e um sorriso cúmplice e leve surge em seus lábios. — E este é Pólimos — conclui, indicando o deus que até então permanece em um silêncio contemplativo.
O sorriso de Lesus, repleto de nuances insondáveis, diverge da seriedade de Pólimos, cujos olhos carmesins emanam uma intensidade oculta.
Olho nos olhos de Lesus e imediatamente percebo a distinção física. Sua pele pálida realça seus profundos olhos azul escuro, seu cabelo azul marinho, escuro como uma noite sem estrelas, cai liso e brilhante, enquadrando um rosto de linhas duras e majestosas.
Sobrancelhas grossas e ligeiramente arqueadas adicionam uma intensidade ao seu olhar. Seu nariz é reto e bem definido, logo abaixo, seus lábios são uma nota de suavidade em meio à severidade, finamente desenhados e pálidos, fechados em uma linha séria, destoante de seu jeito despojado.
A estrutura óssea de seu pescoço é elegante, transição perfeita para os ombros amplos que sugerem uma constituição robusta, mesmo que oculta sob as camadas de vestes que o cobre.
— Eu sou Zilevo — declaro.
A cena, aparentemente trivial, evoca em mim um momento de introspecção profunda. Não posso deixar de comparar a eloquência e a facilidade com que Lesus se expressa com a experiência de Bucu, que enfrentou desafios significativos para articular suas primeiras palavras nos dias que se seguiram ao seu nascimento. A habilidade inata de Lesus para se comunicar com tamanha fluidez, apesar de sua recente entrada no mundo, me intriga. Sua capacidade parece desafiar as normas naturais de aprendizado e desenvolvimento que observei em Bucu. Este pensamento me envolve, levando-me a ponderar sobre as inúmeras possibilidades e mistérios que se ocultam por trás da essência dos deuses bastardos.
Passo os olhos para Pólimos. Ele é a encarnação visual de um espírito belicoso. Seu rosto é severo, marcado por linhas duras e um olhar que é um desafio em si mesmo. Seus olhos carmesim são como duas brasas, capazes de lançar um olhar que é tanto penetrante quanto perturbador. As sobrancelhas escuras e retas parecem permanentemente franzidas em um semblante de desafio ou concentração.
Seu cabelo é negro e cortado de forma simples, caindo em linhas retas que contornam seu rosto angular. A pele pálida contrasta fortemente com a escuridão de seus cabelos e a vivacidade de seus olhos, dando-lhe uma aura sombria. Um nariz reto e firme jaz no centro de sua face, abaixo do qual um par de lábios finos permanece muitas vezes em uma linha apertada. Sua mandíbula é como o corte de uma espada, definida e imponente.
Pólimos, apesar do rosto de guerreiro nato impregnado em sua fisionomia facial, possuí um porte franzino, cujo não é tão ameaçador quanto seu olhar. Seus ombros, embora bem estruturados, não são imponentes.
Movido pela curiosidade, inclino-me ligeiramente para frente, diminuindo a distância entre nós. — Como é nascer? — questiono Lesus, minha voz impregnada de um anseio por compreender a origem de um deus bastardo. Meus olhos, fixos nos dele, tentam capturar cada nuance de sua expressão enquanto faço a pergunta.
Enquanto aguardo sua resposta, percebo um gesto sutil de Pólimos. Ele, com uma leveza quase imperceptível, toca na mão de Lesus, um gesto que parece ser um lembrete silencioso ou talvez uma comunicação não-verbal entre eles. Lesus, momentaneamente distraído, sacode sua mão, enviando pequenas gotas de água em direção a Pólimos. Esta ação faz Pólimos recuar ligeiramente, seu rosto assumindo uma expressão mais séria, como se ele estivesse reavaliando a situação ou ponderando sobre algo não dito.
Lesus, por sua vez, olha para mim, um leve franzir de sobrancelhas adornando seu rosto. — Não entendi muito bem a pergunta? — Ele revela.
— Quero dizer... como é a experiência de nascer?
Lesus pausa, seus olhos vagando distantes como se tentassem capturar a essência de uma memória fugidia. — Repentino — responde finalmente, sua voz soando distante e reflexiva.
— Repentino? — repito, franzindo a testa em confusão. A palavra parece deslizar por mim, sem se fixar.
Lesus assente devagar, como se estivesse tentando se apegar à substância de sua própria existência. — Sim, acho que não há como descrever. Apenas... nasci. Assim como você e qualquer outro deus — explica com uma tranquilidade que contrasta com a complexidade da ideia.
— Não, não como eu e meus irmãos. — corrijo. — Fomos criados da essência do próprio Universo. Nosso nome foi ele quem escolheu. Nasci dos seus sentimentos. Não grande e nem forte como vocês...
Enquanto falo, uma onda de introspecção me invade. Sinto o peso da minha origem e da essência da minha existência divina pressionando meu peito. Desvio o olhar, incapaz de sustentar a visão dos deuses na cabana, sentindo-me subitamente diminuído, pequeno em comparação com sua grandiosidade e força inatas.
Lesus me observa em silêncio, aguardando minha resposta. Eu, entretanto, me perco em pensamentos, sussurrando “forte” para mim mesmo. A palavra sai como um suspiro, uma tentativa de compreender e aceitar minha própria essência. Esse simples murmúrio desencadeia uma cascata de lembranças, arrastando-me para uma época distante, para momentos que moldaram quem eu sou.
ATO II
— Pai, o que é isso? — pergunto, com os olhos arregalados de admiração diante do objeto colossal pendurado na parede. Parecia um fragmento de sonho, uma peça de fantasia tornada realidade. A luz refletia em sua superfície, criando um brilho que lembrava um sol miniaturizado. O objeto tinha uma forma peculiar, como um “T” estilizado, com extremidades afiadas que brilhavam com um dourado intenso. A parte mais brilhante, formando a essência da peça, emanava um encanto quase hipnótico.
Máterum, com um sorriso carinhoso, estende a mão e toca suavemente a peça. — Esta é minha mais nova criação, coração — diz ele, sua voz vibrando com orgulho. Ele levanta o objeto com facilidade, segurando-o com uma mão e o girando para que eu possa apreciar melhor seu design. — Que nome achas que eu poderia dar a esta magnífica obra, coração? — pergunta.
Boquiaberto, contemplando a obra, penso. — Que tal... hum... “espada”? — sugiro.
— De onde veio essa ideia? — Máterum pergunta, curioso, ainda segurando a peça.
— Bem, eu juntei as palavras “estrela” e “dourada”. O brilho me faz pensar em estrelas, e dourada pela cor — explico.
— Mas e o “pa”? — ele indaga com um sorriso maroto.
— Pa de pai — respondo, retribuindo o sorriso, sentindo o calor agradável de orgulho de Máterum por minha criatividade.
Ele solta uma risada genuína, uma risada que preenche a sala com uma sensação de amor e alegria. — Espada — ele repete, testando o nome, ainda sorrindo. — Um nome excelente, coração.
Máterum, percebendo meu fascínio, se ajoelha diante de mim, reduzindo sua estatura imponente ao meu nível. Ele gira a espada suavemente, permitindo que a luz dançasse sobre sua superfície dourada, ampliando sua beleza magnética.
— Posso tocar? — pergunto, meus olhos fixos na espada, meu coração batendo com expectativa.
Máterum hesita por um momento, seus olhos avaliando a intensidade do meu desejo. — Não, coração. Sinto muito. É perigoso demais para alguém frágil como tu. Talvez, daqui a alguns anos te permita manejá-la — diz ele, sua voz gentil, mas firme.
Essas palavras acendem uma fagulha de frustração em mim. — Eu não sou frágil! — exclamo, cerrando os punhos com força. Uma onda de emoção me envolve, lembrando-me de minha pequenez diante do poder e da grandiosidade de Máterum.
Máterum me observa com olhos compreensivos, sabendo das tempestades que assolam o coração dos jovens deuses. — Tem razão, coração. Sei que não és. És tão grande e poderoso quanto teus irmãos, talvez até mais. Não te esqueças disso. Sinto muito por ter subestimar — diz ele, colocando uma mão reconfortante em meu ombro. Seu toque é leve, mas repleto de um calor paternal e encorajador. — Sempre que alguém te chamar de fraco, prova-o do contrário. Nem que esse alguém seja eu.
Ele se levanta, estendendo a espada para mim, segurando-a pela ponta com uma facilidade que desafia sua aparência letal. — Vamos lá. Prova-me que não és frágil — desafia ele, com brilho de expectativa em seus olhos.
Com as mãos trêmulas de expectativa, posiciono-as firmemente sobre o cabo escuro e imenso da espada. Meu coração acelera com a possibilidade de provar meu valor. — Vou provar, pai! — exclamo, minha voz tremendo com uma mistura de nervosismo e determinação.
Máterum solta a espada com uma confiança inabalável, mas quando o peso total do objeto colossal recai sobre meus braços, sinto-me esmagado por sua criação. A ponta da espada crava no chão, enviando um som metálico pelo ar, ecoando minha aparente falha. Meu rosto se contorce em um esforço desmedido, meus músculos queimando sob o esforço.
Observo Máterum se afastar, uma expressão de expectativa cravada em seu rosto. — Levanta-a! Sei que é capaz. Prova-me que és primordial.
Luto com todas minhas forças para erguer a espada, sinto o peso do objeto colossal pressionando meus braços. Meus braços tremem, meu rosto está banhado em suor, e preste a desistir quando, de repente, uma sensação estranha me envolve. Uma leve brisa acaricia meu corpo, infundindo-me com uma força que parece vir de outra fonte.
— Estou... conseguindo! — Exclamo, com os olhos arregalados, refletindo a alegria que me inunda. Levanto a espada acima da cabeça, meu rosto iluminado por um sorriso radiante. — Consegui! Consegui! — Brado, minha voz ecoando com a força da vitória.
Máterum observa de longe, com um sorriso sutil traçando seus lábios, enquanto Zilevo se maravilhava com a conquista.[CG1] — Sabia que conseguiria — ele proclama.
— Pai, eu te amo! — Afirmo, soltando a espada e o abraçando.
“Época na qual o pai amava o filho e o filho amava o pai.”
ATO III
Com um leve sacudir de cabeça, afasto as memórias que turvam minha mente e redireciono meu foco para os deuses à minha frente.
— Por que vocês têm esses nomes? — indago.
Lesus responde com um tom de aceitação — Não escolhemos. Simplesmente temos esses nomes, como se alguém os tivesse dado a nós.
Enquanto Lesus fala, algo incomum chama minha atenção. Observo com interesse as espadas em seu colo. — E essas espadas? — pergunto, incapaz de ocultar minha curiosidade.
Segurando as espadas, feitas de uma água sólida e esbranquiçada, com um toque quase paternal, Lesus responde com uma voz suave. — Elas nasceram comigo.
— Nasceram com você? — minha voz se eleva, traída pela surpresa. — Como se elas fossem parte de você?
— Sim, elas são parte de mim e também possuem consciência — Lesus explica, estendendo a mão esquerda com uma das espadas. — Veja! Peguei ela!
Intrigado, estendo a mão e seguro a espada. No início, não percebo nada de anormal, mas logo uma sensação estranha toma conta da minha mão. Sinto uma cãibra intensa, como se minha mão estivesse sendo lentamente congelada de dentro para fora.
Com um grito abafado de dor, deixo a espada cair no chão. A frieza súbita e penetrante se dissipa tão rápido quanto surgiu, deixando apenas um leve formigamento.
— O que foi isso? — exclamo, a surpresa ainda evidente em minha voz e nos meus olhos arregalados.
— Como eu disse, as Gêmines possuem consciência — afirma Lesus, sorrindo de forma enigmática e olhando para a espada agora repousando no chão.
— Gêmines? — questiono.
— Esse é o nome delas — responde Lesus, estendendo sua mão.
Então, surpreendentemente, a espada, como se possuísse vontade própria, começa a levitar delicadamente do chão, erguendo-se e flutuando no ar, trilhando um caminho sereno em direção às mãos de Lesus, que a aguarda.
— Como? — A pergunta surge de mim, enquanto meu queixo cai levemente, a expressão de assombro evidente em meu rosto. — Como um recém-nascido já possui poderes telecinéticos?
— Eu não possuo — Lesus responde calmamente. — Como eu disse...
— “Elas possuem consciência” — interrompo, impaciente, mas também com um encanto inegável.
Apesar da calmaria, um pensamento receoso surge em minha mente ao direcionar meus olhos para Pólimos. Observo-o discretamente, tentando decifrar sua postura vigilante. A cada palavra que eles pronunciam, cada gesto que fazem, minha desconfiança se aprofunda. Duvidando mais de que sejam realmente recém-nascidos. — Podem ser espiões de Máterum — penso. Mas algo está errado. Lesus veio do mar, a última criação. Não havia como Máterum saber onde lançá-lo. Porém, nunca é sábio subestimar o que o Universo pode ou não fazer.
— Talvez, não Lesus — penso, meus olhos se estreitando enquanto estudo Pólimos. Sua postura séria me intriga, e uma pergunta se forma em meus lábios: — Pólimos, se vocês ‘nasceram’ recentemente, como explicam saber tantas coisas?
Pólimos, com os braços cruzados, me encara diretamente, seu olhar carmesim transbordando confiança. — Quando o oceano foi criado e a guerra começou, nossa existência foi moldada. Mas nossa consciência ainda não pertencia a Marum — ele explica.
— Como assim não pertencia a Marum? — pergunto, desviando brevemente o olhar para contemplar as palmas das minhas mãos, marcadas pelas memórias de treinamentos extenuantes com Zulfiqar.
Lesus, ajustando as Gêmines em seu colo, se junta à conversa. — Em nosso local de origem (Vermo), o tempo flui diferente. Para mim, nas profundezas do oceano, foram apenas horas, enquanto para vocês, em Marum, meses, talvez até anos, se passaram.
Pólimos, agora mais relaxado, retoma seu lugar ao lado de Lesus, observando que seu cabelo parou de pingar no banco. — Neste intervalo temporal distinto, observamos tudo em Marum — ele adiciona.
— Nesse local específico de cada deus, nós observamos tudo o que acontecia em Marum.
— Havia mais alguém com vocês nesse lugar?
Lesus parece buscar a resposta em sua memória. — Sim e não. Não consigo lembrar claramente. Estávamos juntos, mas há uma sensação de que havia algo mais... algo que não consigo recordar.
Minha testa se franze com a palavra escolhida por Lesus. — Algo? Por que não alguém? — Reflito, enquanto uma dúvida me assola: se Lesus e Pólimos realmente nasceram juntos, não teria como apenas um deles ser um espião?
— Então, vocês sabem praticamente de tudo? — questiono.
Pólimos, desfazendo lentamente o cruzamento dos braços, oferece uma postura mais aberta, sinalizando disposição para dialogar. — Não de tudo, apenas de algumas coisas — ele esclarece, a sinceridade evidente em sua voz.
— Como o quê?
— Sabemos que alguns planetas agora são seres vivos. Sabemos que um de seus irmãos está em Arcríris e...
Mas antes que ele termine, sou impelido por uma urgência que não consigo conter. — Sabe como criar zérum? — pergunto, inclinando-me abruptamente para frente, as mãos pressionadas contra a mesa, os olhos cravados nos dele esperando uma resposta.
— Não — Pólimos responde secamente, sua única palavra é o suficiente para extinguir meu entusiasmo.
Observo um lampejo de compaixão nos olhos de Lesus enquanto ele participa. — Mas sabemos que Máterum está construindo uma gigantesca fortaleza. — Minha expressão de decepção parece motivá-lo a compartilhar mais. — Se me recordo bem, ele a chama de Malbork.
— Malbork — repito lentamente, cada sílaba soando como um gongo em minha consciência, afundando-me no passado, perdido em pensamentos sobre a primeira vez que ouvi essa palavra.
Gêmine – arma divina de Lesus. Espada grande com estética glacial. O cabo é envolto por uma corda com fina camada de gelo, culminando em um pomo distinto que se alarga e se divide, assemelhando-se a uma forma estilizada de cristal. A guarda é intrincada, com projeções que se assemelham a asas. A lâmina é o elemento mais notável, coberta por uma camada fina de geada. Ela é translúcida, com tonalidades que vão do branco puro a um azul gelado, e contém inúmeras linhas finas que imitam as rachaduras e veios de um bloco de gelo. Forjada simultaneamente à existência de Lesus, é a materialização física de sua essência e possui uma consciência própria. Esta espada singular outorga a Lesus o domínio sobre a criocinese, permitindo-lhe manipular o frio e o gelo a seu bel-prazer. Em um cenário onde a Espada Gêmine é destruída, apenas Lesus possui a habilidade e o conhecimento necessários para reconstituí-la, um processo que, embora possível, demanda um período significativo de tempo. Um detalhe crucial sobre esta arma mística é seu efeito gradual e implacável sobre aqueles que a empunham, sem serem Lesus: ela induz uma lenta congelação do corpo, insinuando um vínculo exclusivo e intransigente com seu legítimo mestre. A singularidade da espada Gêmine reside também em sua habilidade de se dividir em duas espadas medianas de lâmina única, cada uma mantendo o design característico e a elegância da Gêmine original, denominadas Gêmines. Essa transformação não apenas duplica a capacidade ofensiva de Lesus, mas também permite uma versatilidade tática em combate, com ambas as espadas medianas refletindo a estética e o poder intrínsecos da Gêmine.
ATO IV
Máterum, com um brilho paternal nos olhos, inclina-se para mim na areia, a ternura transbordando em sua voz. — Gostaste, coração? — Pergunta, segurando um caderno repleto de esboços, cada página revelando vislumbres de um futuro cheio de maravilhas.
Com os olhos arregalados de admiração, respondo entusiasticamente. — Sim, Pai! — A cada página que ele vira, meu fascínio cresce. Diante de mim, o esboço de Malbork, uma estrutura colossal, se revela em detalhes meticulosos. A fortaleza, desenhada com uma precisão impressionante, parece atravessar os céus de Primárium, dominando o horizonte com muros que parecem tocar as estrelas.
Máterum, com um sorriso orgulhoso, ajoelha-se ao meu lado, aproximando-se para compartilhar cada detalhe. — Será nossa casa daqui a alguns séculos, coração! — ele declara, apontando para outros desenhos enquanto os raios de sol banham a areia dourada e uma brisa suave sopra do horizonte. — Isto será nosso jardim e isto nossos...
Absorto na leitura dos nomes das futuras criações, me perco em pensamentos, mal ouvindo as palavras de Máterum. — Miramer. Animais... — leio em voz baixa.
— Bonitas criações, pai — parabeniza Tanri, interrompendo minha leitura. Seu elogio é sereno, mas a tensão em sua voz não passa despercebida, evidenciada por seu sorriso que esforçadamente tenta mascarar seu rancor. Seus olhos, embora brilhem com um lampejo de admiração pelas criações de Máterum, também carregam um visível ressentimento.
Com um ar de desafio velado, Tanri questiona Máterum. — Quando confiará em nós para te ajudar na criação delas? — Sua postura, embora respeitosa, revela uma impaciência latente, um desejo de ser mais do que apenas um espectador nas façanhas do Universo.
Máterum, percebendo a complexidade dos sentimentos de Tanri, responde com autoridade, mas com um toque de carinho paternal. — Quando o dia chegar, avisar-vos-ei — Ele recolhe os papéis das minhas mãos, deixando apenas o desenho de Malbork comigo.
Tanri, em pé ali, destaca-se não apenas por seu domínio precoce da telecinese, mas também por sua presença física. Apesar de sua aparência frágil, semelhante à dos irmãos, há algo nele que irradia uma força inerente, um potencial bruto e poderoso de poder extincional. Ele é um prodígio entre os deuses.
Internamente, Tanri luta contra seus pensamentos. Ele se vê capaz de realizar feitos grandiosos, mas se sente subestimado e confinado às margens das criações de Máterum. Esse sentimento de estar à sombra de seu pai, apesar de seu talento e potencial, o enche de frustração.
— Pelo menos nos ensina a criar. Dessa forma, não terá que remodelar novamente nossas falhas criações, assim como fez com as anteriores — diz Tanri, sua voz tingida com um rancor que até então jazia adormecido.
Máterum, erguendo-se com uma serenidade que contrasta com a tensão de Tanri, responde com uma voz paciente. — Tuas criações não são falhas, filho. Elas abrangiam uma beleza singular — diz ele, tentando infundir confiança em Tanri, cujos olhos brilham com ceticismo.
— Palavras bonitas, apenas para não chamá-las de defeituosas — reitera, enchendo as mãos de areia. — Isto é o que criamos! — jogando punhados de areia ao chão em um gesto dramático. — Não há como comparar isto com isso! — Exclama, apontando para a areia espalhada, depois para o papel em minhas mãos, em um esforço para destacar a disparidade entre as suas criações e as de Máterum.
— Tens razão, meu filho. Minha criação é muito inferior à tua e de teus irmãos — Máterum responde, com uma expressão suave e compreensiva, aproximando-se de Tanri, que recua ligeiramente, ainda imerso em suas inseguranças.
— Não zombe de mim, Pai! Estou falando sério!
— Também estou, filho — confessa Máterum, levitando alguns grãos de areia com sua telecinese. — Sim, tua criação superficialmente aparenta ser algo pequeno e insignificante. — Levitando mais e mais grãos de areia a cada segundo. — Entretanto, filho, ela é o antônimo disso. Tua criação é magnífica e excepcionalmente poderosa. É algo que eu nunca pensaria em criar.
Formando com os grãos de areia uma estrutura cúbica assustadoramente espaçosa, dominando todo o céu de Primárium e tapando o Sol.
— Compreendeste, filho? — Ele indaga. — Essa é a essência da criação. Não é o tamanho ou o esplendor aparente, mas a habilidade de transformar o insignificante em algo magnífico. Tua criação é impressionante, conquanto a contemplas de maneira banal. Assim, não importa o que tu criarás, se não a analisares perfeitamente como ela é, eternamente criarás coisas lindas, porém julgadas como vil por ti. — explodindo a descomunal estrutura cúbica no ar e fazendo chover grãos de areia por praticamente todo o céu de Primárium, obscurecendo a visão do sol e criando um espetáculo de luz e sombra. Mostrando a mim e a Tanri que nossa pequena e simples criação, quando utilizada acertadamente, é capaz de coisas inimagináveis.
ATO V
Com um esforço deliberado, arranco-me do passado, arrastado de volta à realidade presente pelas palavras inesperadas de Lesus, que sobrepujam qualquer memória.
— O quê você acabou de dizer? — Exclamo, erguendo-me tão rapidamente que a cadeira range sob o movimento súbito, minhas mãos ainda pressionando a mesa, como se buscando apoio. Lesus, surpreso com a urgência em meu tom, arregala os olhos, uma expressão de perplexidade se desenhando em seu rosto, enquanto tenta entender a causa de minha reação alarmada.
— Eu mencionei que uma deusa de cabelos ruivos foi capturada por Máterum e...
Minhas entranhas se retorcem de angústia e minha mente dispara com um pensamento. — Lésnar!
Uma onda de inquietação me invade, fazendo com que eu retire minhas mãos da mesa num movimento brusco, cada músculo do meu corpo vibrando com uma urgência incontrolável. Cada segundo é precioso.
— Permaneçam aqui — ordeno. Saindo apressadamente da grande barraca, determinado a encontrar e resgatar Lésnar antes que seja tarde demais.
Lesus
Pólimos
Zilevo criança
Zilevo jovem
Tanri jovem
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