Hipernova - Parte I
ATO I (Réslar)
Lésnar, com uma expressão preocupada, amarra seus longos cabelos ruivos, evitando que caíssem sobre o rosto e atrapalhassem sua visão. Ela vasculha rapidamente as pequenas bolsas em sua cintura, verificando se suas armas estavam prontas para uso imediato. - Cuidado, Réslar, eles podem te ver - sua voz é um sussurro urgente.
Ignorando o alerta, foco minha atenção na conversa distante. Meu coração bate rápido, a adrenalina aguçando meus sentidos. Escondida entre as pedras de areia de Primárium, luto para entender as palavras arrastadas de Máterum, que o vento teima em levar. Suas instruções soam como um enigma, quase inaudíveis. - Vai a Arcríris... obtenha o máximo de... filhos... - a voz de Máterum flutua até mim, fragmentada e incerta.
- Réslar... - Lésnar chama, mas a interrompo.
- Shiu! - repreendo-a em um sussurro. - Estou tentando ouvir o que eles estão dizendo - esclareço, focada nas vozes.
- Sim, Máterum! - responde uma voz desconhecida, firme e obediente.
A próxima ordem de Máterum chega até mim, mais clara, embora ainda envolta em mistério. - Não deixes esta espada cair nas mãos de ninguém, ela possui muito valor para mim. Por favor, protege-a! - Sua voz em um tom de seriedade que não deixa espaço para dúvidas sobre a importância daquela espada.
O vento sibila ao meu redor, uma sinfonia incessante que leva as palavras de Máterum para longe. A curiosidade pulsa forte, entrelaçando-se com um medo crescente. Apesar disso, a necessidade de compreender os planos de Máterum se torna mais urgente a cada momento. Sei que preciso me aproximar, mesmo que isso signifique enfrentar o perigo.
Meu corpo se move quase por instinto, navegando silenciosamente entre as pedras de areia de Primárium. Cada passo evitando qualquer ruído que possa delatar minha presença. A areia sob meus pés parece conspirar a meu favor, amortecendo meus movimentos.
- O que você está planejando? - a voz de Lésnar emerge baixa e tensa, quebrando o silêncio momentâneo.
- Vou chegar mais perto! - respondo, minha voz tão suave quanto um sussurro, mal ousando respirar alto. - Daqui só consigo ouvi-los.
Percebo a hesitação em Lésnar. Seu corpo se tensiona, uma clara demonstração de preocupação. - É muito arriscado! - ela adverte, mas há uma aceitação em seus olhos, sabendo que não pode me impedir.
Com cuidado, escalo a grande pedra de areia, os movimentos precisos para não chamar atenção. Ao atingir o topo me deito de bruços observando cautelosamente o cenário abaixo.
A visão que se desdobra diante de mim faz meu coração saltar. Duas estranhas criaturas estão em pé próximas a Máterum. São figuras imponentes, cuja aparência é ao mesmo tempo familiar e totalmente ímpar.
- O que são essas criaturas? - questiono a mim mesma, a voz sumindo em minha garganta. Meus olhos se arregalando enquanto tento absorver cada detalhe de suas formas exóticas.
Assemelham-se aos deuses em sua fisionomia, as criaturas exibem uma pele bastante chamativa. A primeira, de estatura mais baixa, tem uma pele esverdeada bem escura e um corpo compacto com rígidos trapézios. A segunda com traços femininos, ainda que quase imperceptíveis, contém um corpo ainda mais robusto que o esverdeado, com uma pele de um branco puro. Ela é alta em comparação a mim, com coxas e costas excessivamente trincadas e uma saliente barriga, mas ainda definida.
Apresentando as duas criaturas relevantes semelhanças, como suas variadas cicatrizes, em sua maioria compridas e grossas; a falta de pelos no corpo e cabeça e; os esbranquiçados olhos.
O vento sopra mais uma vez, trazendo fragmentos da conversa de Máterum. Minha mente trabalha freneticamente para juntar as peças, enquanto me mantenho oculta observando tudo.
- Assim que Moam retornar de Arcríris, os deuses que eu escolher atacarão Zaranler comigo! - Máterum proclama com autoridade, sua voz ressoando com um timbre de comando que ecoa até minha posição oculta. Ele se dirige a uma deusa desconhecida e às duas criaturas ao seu lado. - No momento em que os deuses renegados estiverem distraídos, usarei minha última criação para neutralizá-los um por um.
O peso das palavras de Máterum atinge-me com um ar gélido que percorre minha espinha, e em resposta, aperto os punhos. O plano de Máterum parece ser devastador, e a urgência de agir torna-se mais evidente a cada segundo.
- O que está vendo? - Lésnar pergunta, sua voz baixa. Ela ainda está abaixada entre as pedras, tentando se manter oculta.
Meu olhar permanece fixo no grupo à distância. - Consigo ver apenas Máterum, uma deusa e seres bem... estranhos - respondo, minha voz trêmula revelando a intensidade do que testemunho. - Eles têm um corpo bem parecido com o nosso, mas...
- Mas o quê? - Lésnar interrompe, a impaciência evidente em sua voz. Ela começa a caminhar silenciosamente em direção à grande pedra de areia, seu movimento quase imperceptível.
Fecho os olhos por um segundo, tentando encontrar as palavras certas. - Possuem um tom de pele... - começo, ainda processando a estranheza daquelas figuras.
- De pele? Continua! - Lésnar insiste, saltando com cuidado sobre a pedra e começando a escalar.
- É difícil de descrever - admito, minha voz um sussurro. - Eles são diferentes de tudo que já vimos antes.
Enquanto tento descrever as criaturas para Lésnar, minhas palavras saem tropeçadas e confusas, pontuadas por pausas hesitantes. Meu olhar fixo nas figuras estranhas. Tento articular seus traços incomuns, mas as palavras parecem inadequadas para capturar sua essência.
- Gêmea? - Lésnar questiona, sua voz um pouco distante. Ela escorrega, agarrando-se a um pequeno pedaço de pedra com um movimento rápido, evitando uma queda.
- Não, não é isso - corrijo rapidamente. - É uma fêmea! Ela tem um par de seios firmes e... - faço uma pausa, frustrada por não conseguir transmitir a estranheza do que vejo. - Venha aqui e veja por si mesma! - Digo, estendo minha mão para ajudá-la.
Lésnar segura minha mão com firmeza e, assim, puxo-a para o topo. Seus olhos se arregalando ao avistar as criaturas, e uma expressão de surpresa e perplexidade se desenha em seu rosto. Ela se abaixa rapidamente, tentando se manter fora da vista, enquanto absorve as informações.
- Minha nossa! - ela exclama, sua boca semiaberta. - O que será que eles são?
- Não tenho certeza - respondo, ainda observando as figuras. - Mas acho que... - de repente sou interrompida por uma memória súbita. - Alguns minutos atrás, Máterum mencionou o nome 'Moam'. - lembro, ligando os pontos.
- Conheço esse nome - Lésnar interrompe, sua voz urgente em reconhecimento.
Não só Lésnar, mas todos os deuses renegados conhecem esse nome. Moam, um dos oito planetas criados após o nascimento dos deuses originais.
- Então, esses dois seres só podem ser Toihid e Térax, os planetas desaparecidos - Lésnar supõe.
- Talvez - concordo, ainda tentando processar essa possibilidade. - Só sei que precisamos avisar Theos e os outros o mais rápido possível sobre isso...
De repente, um silêncio pesado cai sobre nós. Máterum se cala e, lentamente, vira seu rosto em nossa direção. Meu coração salta, e o medo percorre meu corpo.
Estamos expostas.
A virada de Máterum pesa sobre mim como uma sombra opressiva. Meu coração sentindo o perigo iminente. - Essa missão está se tornando cada vez mais perigosa, - penso, meu cérebro trabalhando febrilmente para manter a calma. - Mas não posso recuar agora. - Sinto a presença penetrante de Máterum sobre nós, uma sensação de estar sendo observada. - Preciso me manter escondida e obter o máximo de informações possível. Se ele executar esse plano, Zaranler enfrentará um perigo sem precedentes.
De repente, a voz de Máterum corta o silêncio. - Parai de esconder-vos, Réslar e Lésnar! - Ele ordena, com um tom que não deixa margem para desobediência.
Um arrepio percorre todo o meu corpo, e o medo, como uma entidade viva, começa a se enroscar em minha mente. - Ele nos encontrou - penso, um lampejo de pânico cruzando minha mente. Agindo por instinto, seguro firmemente o braço de Lésnar e a puxo rapidamente para debaixo da pedra, buscando um refúgio mesmo que inutilmente. Meu coração acelera, e a ameaça de ser dominada pelo pânico cresce dentro de mim.
- Lute contra isso, Réslar - sussurro para mim mesma, buscando um fragmento de calma em meio ao caos, uma tentativa desesperada de acalmar o pânico interno. A presença de Lésnar, ao meu lado, visivelmente tensa, seu corpo rígido de medo, é uma constante lembrança de que não posso ceder ao pânico. - Preciso ser fria, pensar em uma rota de fuga - meu cérebro trabalha a todo vapor, mas o medo é como uma névoa, obscurecendo meu raciocínio. - Correr é inútil, - concluo, enquanto analiso freneticamente nossas opções limitadas. - Ele nos alcançaria facilmente. - Sinto o desespero se insinuar em meu coração, mas luto para mantê-lo sob controle.
Lésnar olha para mim, seus olhos buscando orientação. Sua respiração é rápida, refletindo a intensidade do momento. - Não podemos ser capturadas, - sussurro para mim mesma. - Temos que encontrar uma saída. Mas como?
Juntas, sob a pedra, Lésnar olha para mim, e em seus olhos vejo o reflexo de meu próprio medo. - Não seremos capturadas - digo, tentando transmitir uma confiança que mal sinto. Minha voz é um fio tênue de determinação, brigando para ser ouvida acima do rugido do medo.
- Temos que correr! - Lésnar sussurra, sua voz tremendo tanto quanto suas mãos. Ela remexe freneticamente nas bolsas, buscando por uma arma que poderia nos oferecer uma fagulha de esperança, mas seus dedos trêmulos falham em agarrar qualquer coisa útil. O desespero emana dela como uma força tangível, sua respiração rápida sinalizando o pânico que ameaça consumi-la.
- Não - respondo firmemente, tentando manter a voz estável apesar do medo que me assola. Lanço um olhar cauteloso em direção a Máterum e seus acompanhantes. Eles permanecem imóveis, mas suas presenças são como sombras opressivas que pesam sobre nós. - Ele nos alcançaria facilmente. - Minhas palavras saem com uma fatalidade que tento afastar, mas que se aloja em meu coração. - Ele nos aprisionará novamente em Salacrum! A fuga é impossível! - Minha voz se eleva ligeiramente. Sinto o peso do nosso destino pendurado sobre nós como uma guilhotina, pronta para cair a qualquer momento.
Estamos condenadas.
Lésnar olha para mim, seus olhos enegrecidos amplos com o terror da compreensão. Ela engole em seco, sua luta interna visível em seu rosto pálido. O breve contato visual que compartilhamos está tomado por uma tristeza inominável e uma compreensão mútua da gravidade da nossa situação. Nenhuma de nós quer verbalizar o medo que nos une, mas ele se encontra ali, entre nós, um inimigo tão perigoso quanto o próprio Universo.
Lésnar me aperta fortemente, suas mãos tremendo contra a minha pele. Seu toque me arranca dos meus pensamentos turbulentos, me puxando de volta à realidade assustadora que nos cerca. Seus olhos, grandes e expressivos, refletem um medo palpável e uma urgência que ressoa em sua voz. - Réslar! - ela chama, seu sussurro de desespero.
Nosso olhar se encontra, e no fundo dos olhos negros de Lésnar, vejo minha uma clareza se forma em minha mente: - Não posso me perder em nervosismo agora, - penso. - Lésnar depende de mim. Eu tenho que salvá-la. - Nesse momento, uma ideia se forma em minha mente, clara como cristal arcririsiano. Uma solução possível para o nosso dilema. - Existe um jeito... - começo a dizer, mas sou interrompida abruptamente.
Lésnar segura meu braço com uma força surpreendente, balançando a cabeça em uma negação veemente. - Sei o que você quer fazer, e não aceito. - ela insiste, sua voz tremendo, mas firme. - Vamos embora daqui juntas! Se ficar, será aprisionada... - Sua determinação em me proteger é tão forte quanto o medo que a domina.
De repente, um som nos faz congelar. O som de passos pesados se aproximando, inconfundivelmente os de Máterum. - Desejo apenas conversar - anuncia ele, sua voz ressoando com uma calma que contrasta com a tensão em nossos corações. Seus passos são medidos, cada um ecoando com uma autoridade que parece sacudir o próprio solo sob nossos pés.
Eu e Lésnar nos entreolhamos, a realidade de nossa situação se tornando mais clara a cada passo que Máterum dá em nossa direção. Seus passos são como o tique-taque de um relógio, marcando o tempo que nos resta. Lésnar me aperta ainda mais, e em seus olhos, vejo um pedido silencioso de coragem.
- Para de ser ingênua! - exclamo, minha voz permeada de uma urgência que se impõe sobre a hesitação de Lésnar. Vejo a luta interna em seus olhos, o medo e a incerteza se chocando com a realidade das minhas palavras. - Não importa se ficarmos ou fugirmos; de um jeito ou de outro, seremos capturadas - continuo, cada palavra soando como um soco em seu coração. - Mas se uma de nós ficar, os deuses terão uma chance de descobrir os planos de Máterum. Por favor, vá e avise aos outros.
Lésnar me encara, um pressentimento sombrio, de que algo terrível vai acontecer, tomando conta de seus pensamentos. Ela está dividida entre a vontade de ficar ao meu lado e a compreensão de que nossa separação seja a única chance de salvação. Mesmo com medo, a determinação começa a brilhar em seu olhar, um reconhecimento da dura verdade que eu lhe apresento.
Eu, por outro lado, me mantenho firme, ancorada pela resolução de proteger o que sabemos. - Os deuses nunca saberão dos planos de Máterum a menos que uma de nós permaneça - reitero, minha voz firme, embora meu coração se aperte com a ideia de enfrentar Máterum sozinha.
Lentamente, tiro a mão de Lésnar do meu braço, uma ação que carrega o peso de uma despedida. Meus olhos lutam para conter as lágrimas, pois me recuso a permitir que elas caiam. Preciso ser a força que Lésnar precisa ver agora. - Vá - sussurro, um comando silencioso que carrega a nossa esperança e nosso medo.
Lésnar me olha com sua expressão de tristeza. Ela entende o que deve fazer, embora cada fibra do seu ser relute em me deixar.
Ao compreender que nada pode alterar minha decisão irrevogável, Lésnar finalmente aceita meu ato de coragem com um peso profundo em seu coração. Lágrimas se acumulam em seus olhos, mas ela as enxuga rapidamente, tentando se manter forte diante da realidade esmagadora. Seus dedos tremem ligeiramente ao pegar uma das pequenas bolsas, um gesto simples que carrega uma emoção inexprimível. - Fica com isto - diz ela, sua voz embargada pelo esforço de conter o choro.
Eu olho para a bolsa em minhas mãos, sentindo o peso simbólico do objeto. É mais do que um item; é uma lembrança da nossa ligação, uma conexão que agora estará distante. Meus próprios sentimentos ameaçam transbordar, mas os engulo, mantendo uma fachada de determinação por ela.
Antes de partir, Lésnar dá um último olhar para mim, revelando uma camada de dor, orgulho e um adeus não dito. Com uma respiração profunda, ela se volta e salta da grande pedra de areia, iniciando uma corrida apressada entre as pedras. A cada passo que ela dá para longe, sinto uma parte de mim sendo deixada para trás. Observo-a se afastar, desaparecendo entre as pedras, cada movimento dela mais distante e mais doloroso
Ao observar Lésnar desaparecer entre as pedras, meu coração se contrai com uma dor aguda, livre para expor as emoções que lutava para manter sob controle. Uma onda de medo do abandono me inunda, aterradora e avassaladora. A consciência de que poderia ser aprisionada novamente em Salacrum lançando sombras sobre meu espírito, e a possibilidade de nunca mais ver minha irmã, ao menos até que a longa e desgastante guerra terminasse, é quase insuportável.
Com um grito silencioso de desespero, imploro. - Por favor... não vá! - Minhas mãos, trêmulas, vão até minha boca, abafando qualquer som que possa revelar minha angústia crescente. Não quero que ela me escute chorar, não quero que ela sinta o peso do meu desespero.
De repente, sinto a presença imponente de Máterum atrás de mim. O calor de sua respiração pesada, e sua mão pousa sobre meu ombro. Meu corpo treme sob o toque dele, o medo me tomando por completo.
Máterum, em sua voz baixa e controlada, comanda. - Não chores, pequena! - Sua fala, embora calma, ressoa com um poder que me lembra de sua autoridade indiscutível.
Enquanto permaneço sob o olhar de Máterum, uma luta interna se desenrola dentro de mim. Por um lado, há uma deusa renegada, determinada a resistir e sobreviver, mesmo diante do poder esmagador do Primordial; por outro, um mais oculto, uma filha que anseia pelo amor e proteção de seu pai.
ATO II
Máterum, o ser que outrora conheci como pai, agora se revela diante de mim, transformado pelo peso das décadas. Sua há bastante anos barba amarronzada agora é um mosaico grisalho, com fios prateados se misturando aos poucos vestígios de sua cor original. Essas mechas prateadas não apenas adornando seu rosto, mas também fluindo em seu cabelo. Sua estatura ainda maior, um reflexo de sua presença ainda mais dominante.
Ele veste-se com simplicidade, uma túnica bege que se agita ao vento, não necessitando de ornamentos para afirmar sua grandiosidade. Sua postura é a de um monarca sem coroa, cuja a verdadeira realeza reside em sua presença, não em símbolos materiais. Máterum é a encarnação do todo; poderoso, indomável e eterno.
- Como você nos encontrou? - Questiono, com minha voz trêmula traída pelo medo crescente. Recuo, tropeçando nas pedras irregulares, enquanto tento manter a distância de Máterum.
Máterum, imponente e tranquilo, desce a pedra arenosa com lentidão. Ele ignora minha pergunta, sua expressão inescrutável como se estivesse além de meras preocupações terrenas, enquanto se aproxima de mim.
- Onde está tua irmã? - Ele pergunta, sua voz tranquila como uma brisa suave, mas com uma autoridade que não admite desobediência.
Eu o encaro, meu coração acelera. O medo por Lésnar, a preocupação com sua segurança, a frustração por não ter uma resposta satisfatória para ele. Sinto-me como uma presa acuada, cada opção se desvanecendo diante do olhar penetrante de Máterum.
Suas palavras, embora suaves, ressoam com um peso que me prende no lugar. Sinto um impulso de proteger minha irmã, de desviar a atenção de Máterum dela, mas ao mesmo tempo, sou consumida pela incerteza e pelo temor do que ele pode fazer. Minha respiração se torna irregular, e um nó se forma em minha garganta.
Máterum espera paciente a resposta que ele sabe que virá. Seu olhar não se desvia do meu, e cada segundo sob seu escrutínio parece uma eternidade.
Sob o olhar de Máterum, repleto de uma seriedade imponente, percebo um vislumbre de algo mais profundo, algo que ele tenta esconder. Seus olhos cinzentos, testemunhas de inúmeras eras, brilham com reflexos de lembranças antigas. Uma melancolia sutil se destaca em seu olhar, um indício de emoções que ele luta para manter ocultas.
Enquanto encaro esses olhos, uma chuva de sentimentos me assola. Amor e ódio se entrelaçam em meu coração, um conflito interno refletido no meu olhar.
- Ela está segura, longe daqui! Longe de você! - Afirmo com uma voz firme, mas internamente vacilo, ciente da minha dualidade presente naquele momento.
Máterum parece ignorar a dureza nas minhas palavras. Ele estende a mão em minha direção, os dedos quase tocando meus cabelos. Nesse gesto, vejo um vislumbre do pai amoroso que ele costumava ser, uma ternura que há muito não vejo.
Eu encaro a mão dele, lutando com os sentimentos conflitantes que agitam meu coração. Uma parte de mim anseia por ceder àquela ternura paternal, deseja sentir o amor e a proteção que apenas Máterum poderia oferecer. No entanto, o rancor e a mágoa que carrego formam uma barreira invisível que me mantêm alerta, relembrando as feridas que ele causou ao longo dos anos.
- Korla! Toihid! Térax! Ide atrás dela! - A ordem de Máterum quebra a dualidade, despertando-me para a assustadora realidade: minha irmã está em perigo. A urgência da situação me empurra para a ação. Rapidamente, afasto-me dele, minhas mãos mergulhando na bolsa em busca de armamento, encontrando as estacas afiadas de madeira, e com um movimento fluido e rápido, lanço-as em direção aos meus adversários.
As estacas cortam o ar com uma velocidade feroz, cada uma zumbindo em direção ao seu alvo. Uma delas encontra seu alvo na coxa de Korla que emite um grito agudo de dor seguido pelo sangue escuro jorrando do ferimento. Os outros, Toihid e Térax com reflexos anormais interceptam as estacas com facilidade assustadora, lançando-as de volta para mim.
Reajo instantaneamente, meu corpo girando no ar, dançando com a brisa, desviando das estacas que passam raspando, uma delas cortando um fio de cabelo enquanto sinto o vento de sua passagem.
Ao pousar, meus olhos encontram o rosto de Máterum. Um sorriso pequeno e satisfeito enfeita seus lábios, como se ele admirasse minha habilidade no combate, uma distorção crua de orgulho paternal.
Em um instante, o combate se intensifica. Korla com a coxa sangrando e rosto torcido de dor e raiva avança. Toihid e Térax como sombras sinistras se movimentam atrás dela, circundando-me e saltando sobre ela contra mim.
Com a adrenalina pulsando em minhas veias, agarro mais estacas e as lanço em Toihid e Térax em pleno ar, mas eles se desviam empurrando um ao outro para fora do caminho das estacas.
Korla, apesar de ferida, é perigosa. Com um bastão na mão, ela desfere uma explosão de golpes, o ar vibrando com a intensidade de seus movimentos. Um golpe horizontal mira minhas canelas, mas com um reflexo rápido, canalizo minha força em um dos meus pés e salto sobre o bastão com um giro lateral. Sem pausa, Korla redireciona seu ataque para meu torso, mas esquivo com um movimento veloz de espacate, abrindo minhas pernas na areia e, com um rodopio fluído, invisto um chute em sua perna ferida. Ela se ajoelha, a dor se refletindo em seus olhos, mas antes que eu possa acertar com outro rodopio, ela se afasta.
Toihid e Térax se juntam à luta. Toihid, apesar de sua alta estatura, é tão rápida quanto Korla, ela lança uma série de socos rápidos em minha direção, mas esquivo todos com minhas mãos, contra-atacando com um gancho de direita visando seu queixo. O impacto do meu punho contra sua mandíbula ressoa com violência, mas Toihid não mostra sinal de dor. Em um movimento ágil, lanço outro soco direto em suas costelas. O som do impacto é surdo, mas Toihid permanece imóvel.
A sensação é como se socasse uma parede de pedra. Os olhos de Toihid, vazios e frios, me encaram com um desdém silencioso, como se desafiassem a minha capacidade de causar-lhe qualquer dano real.
Sem tempo, nem de me assombrar com Toihid, Térax avança em uma velocidade que sou incapaz de antecipar, seus golpes tão rápidos e mortais me acertam em cheio. Primeiro, um soco estrondoso em meu peito que rouba o ar dos meus pulmões, seguido por um chute feroz na lateral da minha costela, o som de ossos rachando se mesclando com o meu grito abafado de dor, em seguida, um soco giratório atinge meu rosto, uma explosão de dor que faz minha cabeça girar e o mundo escurecer, finalizando com um puxão brutal, sua mão calejada envolvendo meu pescoço com uma força esmagadora. Sinto a pressão em minha traqueia, o desespero de lutar por cada respiração. O sangue quente escorre dos meus lábios rachados, salpicando a areia, manchando o campo de batalha com o vermelho escuro da violência.
Encaro a criatura esverdeada com uma faísca de raiva nos olhos. Térax com um sorriso desdenhoso ergue o punho para me golpear novamente, mas de repente, seu movimento é interrompido, como se uma mão invisível o segurasse no ar.
- Treinaste bastante, pequena - Máterum comenta. Sua mão erguida ordenando que Térax cesse o ataque.
Térax hesita momentaneamente, a relutância visível em seu semblante, antes de obedecer. Com a mão ainda apertando meu pescoço, ele me empurra violentamente, liberando-me com um movimento abrupto. Cambaleio para trás, lutando para recuperar o equilíbrio e a respiração, cada inspiração um tormento, enquanto o sangue continua a manchar a areia.
Máterum surge abruptamente diante de mim. - Não pretendo lutar, pequena. Não me obrigue a isso - suas palavras soam quase suplicantes, enquanto estende a mão, tocando levemente meu cabelo em um gesto de carinho retorcido.
Com um gesto brusco, cuspo na direção de seu rosto. O cuspe flutua no ar por um momento, encapsulando minha recusa, antes de evaporar.
A decepção transparece no rosto de Máterum, e, num movimento súbito, ele estende a mão em minha direção. De repente, sinto a areia sob meus pés começar a levitar, os grãos dançando em um redemoinho frenético, ao mesmo tempo em que uma força invisível me agarra, puxando-me violentamente em direção a ele. Luto com todas as minhas forças, mas a pressão é implacável, arrastando-me impiedosamente em sua direção.
Sob seu aperto o ar me falta, minha visão escurece, porém com um último esforço desesperado, alcanço uma estaca na bolsa e a cravo no ombro de Máterum. Ele solta um gemido abafado de dor, seu aperto afrouxando momentaneamente. Aproveito essa brecha, me libertando e caindo no chão, lutando para recuperar o fôlego.
Máterum, com a mão ainda tingida pelo sangue do ferimento que lhe infligi, estende-a para mim em um gesto de ajuda. Sua voz é calma. - Não persistas nessa luta, pequena. Nunca serás capaz de me vencer.
Com um olhar ardente de desafio, rejeito sua oferta, desferindo um tapa em sua mão ensanguentada, e rapidamente me afasto, retirando outra estaca da bolsa e a arremessando em sua direção. Máterum, no entanto reage com agilidade, inclinando o corpo para o lado, a estaca passando a milímetros de sua pele e se cravando na areia atrás dele.
Máterum, com uma expressão impaciente, percebe seus subordinados parados contemplando a luta. - O que vós estais fazendo ai parados? Ide logo atrás de Lésnar! - Ele repreende, sua voz autoritária incitando Korla, Toihid e Térax a ação.
- Não enquanto eu estiver viva! - brado. Com movimentos rápidos, lanço mais estacas, mirando os três inimigos, mas Térax com uma velocidade incrível bloqueia as estacas, sacrificando seu próprio corpo, permitindo que Toihid e Korla escapem em busca de Lésnar.
- Muito bem, Térax - Diz Máterum ao ser esverdeado.
O ser esverdeado se vira para mim, seus olhos sem cor e alma encarando-me profundamente, não demonstrando dor ao arrancar as estacas cravadas em sua carne. Ele as segura firmemente, o sangue escorrendo entre seus dedos. - Pagará por isso - ele ameaça.
Em resposta, eu me posiciono, minha respiração pesada misturando-se com a poeira e o cheiro de sangue no ar. Térax avança com as estacas em mãos.
Com um giro rápido do corpo desvio de uma estaca que assobia perto da minha orelha. Retorno o ataque com um chute lateral direcionando toda a minha força ao abdômen de Térax, mas ele, com uma agilidade perturbadora, recua em um esquivo fluido, evitando o impacto do chute, retornando com uma agressividade monstruosa, e no momento em que a estaca de Térax ruma em direção ao meu coração, meu instinto de sobrevivência se acende e com um movimento quase instintivo me abaixo em um mergulho.
Aproveitando a fração de segundo que me separa do próximo ataque, me impulsiono para cima, lançando-me contra ele numa tentativa de imobilizá-lo, mas Térax desvia, suas mãos calejadas agarrando minha perna no ar, a força bruta de sua pegada é aterradora e, num movimento cruel, ele me arremessa ao chão. Sinto a areia atingir meu rosto, cada grão um pequeno golpe contra minha pele.
Sem tempo de me lamuriar, rolo na areia aproveitando a distância entre nós para fugir em direção as pedras de areia, mas meu respiro de alívio é efêmero. Máterum manipula a areia ao nosso redor, os grãos de areia das pedras se agitam e explodem, cada partícula se tornando uma lâmina em minha direção, cortando-me violentamente por todo corpo em uma miríade de pequenos, mas dolorosos, cortes.
Em ato continuo, a força invisível de Máterum me arremessa contra uma gigantesca pedra de areia. O impacto é brutal, uma força esmagadora que comprime meu corpo contra a rocha dura. O som do meu corpo colidindo com a pedra ecoa. Sinto os ossos estalarem com o impacto, uma dor lancinante percorrendo todo o meu ser. Por um momento o mundo inteiro parece avermelhado, com o sangue manchando minha visão.
No momento em que meu corpo atingiu a pedra, um silêncio súbito preencheu o ar. Máterum com seus olhos cinzentos observa a cena, e a serenidade em sua expressão dá lugar a um vislumbre de horror. Ele percebe, demasiadamente tarde, que seu poder desenfreado causou danos irreparáveis a sua pequena.
Lá estou eu, caída, meu corpo uma massa disforme de dor e sofrimento. Cada respiração é uma luta, enquanto o sangue se mistura com a areia, formando uma pintura grotesca de vermelho e dourado.
Máterum avança, seu andar antes imponente agora hesitante. Seus olhos, que outrora brilhavam com a força de milênios, agora estão nublados com a dor de um pai que se vê diante das consequências de seus próprios atos.
Ao chegar ao meu lado, Máterum se ajoelha, a armadura do monarca cedendo lugar à vulnerabilidade de um pai. Suas mãos tremem ao se aproximarem de minha figura quebrada. Ele entende neste momento que seu poder ilimitado veio com um preço terrível, um preço que sua própria filha está pagando.
- Pfft! Preciso sair daqui, antes que seja capturada - penso.
Com um esforço torturante, arrasto-me no solo manchado de sangue, ignorando a presença de Máterum. A cada movimento, a dor se intensifica, como agulhas afiadas perfurando cada músculo, cada osso. O sangue, quente e viscoso trilhando caminho na areia.
Em um ato desesperado, levanto-me e corro, caindo no chão após dois míseros passos. A dor intensa percorrendo por todo meu corpo, principalmente nas pernas, não tendo forças nem mais para me manter de pé.
Máterum percebendo minha luta desesperada se aproxima, sua voz em tom de preocupação. - Estás muito machucada, minha pequena. Desiste, antes que acabes morta! - Sua advertência é um sussurro que mal escuto, abafado pelo som da minha respiração ofegante.
A dor em minhas costas é insuportável, sugerindo uma fratura que ameaça me paralisar. Mas o pensamento de Lésnar, a irmã que depende de mim, atiça-me a continuar. - Tenho que me levantar. Não posso ser capturada, Lésnar precisa de mim! Também não posso morrer! Não aqui! Não assim! - A voz em minha mente é um grito de desafio contra o inevitável.
Apesar da persistência, meu corpo falha. Em um gesto final viro-me e encaro Máterum. Suas palavras, um convite para a rendição, soam distantes aos meus ouvidos. - Vem comigo, Réslar! - Ele estende a mão, um gesto de reconciliação e rendição. Mas em seu olhar, vejo o reflexo de um destino que recuso aceitar.
Com uma última reserva de força, mergulho minha mão na bolsa. Como distração, profiro dolorosa resposta ao coração do Universo - Nunca! - e num ato de desespero lanço as estacas restantes em sua direção, mas elas pairam no ar, detidas pela força telecinética do Primordial.
Antes que Máterum as arremessasse de volta à Réslar (algo imaginado por Réslar, uma vez que isso era algo que o Primordial jamais pensaria em fazer), ele é surpreendido por uma estaca vinda por trás, pegando-a facilmente com a telecinese e a arremessando velozmente contra o chão e se virando para Réslar que para sua surpresa já não estava mais caída ao chão.
- Onde ela está? - Escuto, não mais lá.
Korla
Máterum
Térax
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