Selyna
O sol já estava se escondendo por detrás das árvores quando ouço alguém dizendo que deveríamos encontrar um bom lugar para passar a escuridão. Não nos demoramos para achar uma região mais espaçada para montarmos acampamento.
"Meus cumprimentos novamente, Ely!" Me viro já sabendo a quem pertencia a voz. Era a primeira vez que observava Sely direito, seus cabelos eram negros, sua pele branca e apesar da pouca luz que o sol ainda emitia, ainda era capaz de perceber o forte azul de seus olhos, seu corpo era magro e seu rosto continha traços delicados. Suas roupas apesar de simples não ofuscavam a elegância que ela continha em si, o que a tornava bem diferente de mim.
"Meus comprimentos missa."
"Peço perdão pelo incômodo, mas se não for um ultraje de minha parte, poderia me ajudar a montar minha tenda?" Ela aponta para uma lona jogada ao chão, que estava esparramada. Olho na outra direção e encontro Lyan com os olhos cravados em nós, logo atrás dele vejo Arti me encarando com uma raiva evidente. ".. Além de que.. há alguns pontos que não consigo alcançar devido minha estatura." Sely era um pouco mais baixa do que eu, mas percebo que este não é o ponto. Ela estava tentando ser amigável.
"Não vejo problemas em ajudar." Ela sorri abertamente expressando felicidade, a etiqueta encrustada nela era notável.
"Não tenho palavras para lhe agradecer! Vamos?" Ela me chama com a mão animadamente e eu coloco meu arco encostado em uma das árvores, assim como a aljava e vou em direção a sua tenda.
"Então Ely, de onde tú vens?" Sely pegunta enquanto vasculha a tenda. Ela estava completamente confusa, ouso dizer que não fazia ideia do que fazer.
"De vários lugares para lhe dizer a verdade." Identifico as pontas e indico para ela procurar as outras. Um pequeno silêncio se aloja entre nós, sendo interrompido as vezes por instruções minhas dadas a ela para que a tenda fosse erguida.
"És muito boa nisto. Já fizeste isto antes?"
"Sim. Fui ensinada ainda nova."
"Entendo. Devo confessar está é a primeira vez que estou tentando" Ela sorri envergonhada, mas não era nenhuma novidade para mim, era perceptível sua falta de conhecimento.
"Estás indo bem."
"Bondade sua! Mas, agradeço. Tenho muitas regalias na capital, como tú com certeza já percebeu vivi meus ciclos sem muitas dificuldades financeiras. Minha família tem grande influência na capital, então coisas como estas não foram introduzidas as minhas variadas lições, está é a primeira vez que possuo uma oportunidade de aprender." Involuntariamente desvio meu olha para Lyan, a diferença entre os dois era discrepante. "Deves estar se questionando como dois irmãos se desenvolvem de forma tão distinta." Sely acerta em cheio meus pensamentos, ela direciona seu olhar para o irmão "Lyan partiu aos 20 ciclos de vida, foi morar nos arredores da capital e cortou todos os laços com nossa família, principalmente se tratando de laços financeiros. Claro que nossa diferença não se deve apenas a isso, eu e Lyan sempre tivemos personalidades bem distintas, mas acredito que se intensificaram depois que nos separamos, além da personalidade nossas experiências tornaram-se totalmente diferentes." Sely estava séria, mas a ternura ao olhar para Lyan era visível. O que eles compartilhavam era totalmente desconhecido para mim, afinal.. os olhares de meu irmão direcionados a mim se limitavam a inveja e ódio. "Acredito que falei por demais, peço perdão! Lyan costuma dizer que as vezes esqueço das outras pessoa e me perco em meu próprio monólogo."
"Não se preocupe, não me importo em ouvir."
"Em um certo ciclo muito distante, acredito que ainda era uma criança quando isto veio a acontecer. Meu mestre de línguas locais me disse que a sabedoria de alguém é muitas vezes medida pela importância com que damos atenção ao que os outros falam, já que conhecimento pode ser passado por qualquer um, independente de quem seja. Sua frase de todos os ciclos era - Ninguém sabe tão pouco que não possa ensinar e ninguém sabe tanto que não possa aprender."
"Devo dizer que concordo plenamente com seu mestre."
"Tú serias uma aprendiz melhor que eu e Lyan. Vivíamos discordando dele, eu na maioria das vezes por brincadeira. Lyan por querer irritá-lo, mas na maioria das vezes ele gostava de questioná-lo para aprender mais."
"Vejo que as características irritantes de seu irmão persistiram apesar das mudanças." Sely não segura a risada e a solta sem delongas, mas sem perder a postura. Percebo pela minha visão periférica que todos nos olhavam.
"Acredito que algumas características nunca somem, só se intensificam!" Sely tenta parar de rir, mas falha. Por fim sua risada diminui e ela coloca as costas da mão da boca e ouço as pequenas risadas se dissiparem aos poucos. "Mas Lyan é um bom homem, não se deixe enganar por esta aparência despreocupada." Aceno com a cabeça em afirmação, não que eu me importasse com tal informação. " E tú!? Algum irmão importuno e irritante como o meu?" Quase rio da comparação entre meu irmão e o dela.
"Tenho um."
"Qual é o nome do hivess?"
"Kazin."
"Lindo o nome! És a que possui mais ciclos?"
"Não. Kazin tem 30 ciclos e eu 22."
"A diferença é grande. A minha diferença e de Lyan é apenas de 4 ciclos, então crescemos praticamente juntos e acompanhávamos tudo que o outro fazia. És próxima de seu irmão?"
"Não. Nunca formos, tínhamos pensamentos muito diferentes em relação a muitas coisas."
"Entendo. Acredito que isto ocorreu devido a diferença de ciclos entre vós, até mesmo a criação deve ter sido distinta." Ela não fazia ideia da veracidade que continha em suas palavras, a diferença de nossa criação chegava a ser um abismo. Enquanto Kazin era um prêmio a ser exibido eu era o lixo a ser escondido. "Mas não se engane" Sely continua .." eu e Lyan sempre brigamos! Não existe um ciclo em que não discutimos pelo menos uma vez."
"Acredite, nisto não tem como eu me enganar." Murmuro para mim mesma me lembrando das frequentes brincadeiras de Lyan.
"Perdão, o que disse?"
"Nada." Me levanto e bato as mãos uma na outra para retirar a poeira. "Acho que acabamos." Digo ao ver que terminamos de montar a tenda.
"Agradeço imensamente! O que deseja em troca?"
"Troca?" Questiono confusa.
"Sim! Tú me ajudaste mesmo não sendo sua obrigação. Tenho que lhe retribuir de alguma forma."
"Não se perturbe com isto missa. É só uma tenda."
"Certo. Deixe-me pensar" Sely coloca a mão no queixo ignorando completamente meu comentário. "Já sei! Podes dormi comigo!" Ouço uma risada abafada de Lyan de longe, Sely olha com a cara fechada para ele e Lyan se espreita para longe de nós. Então esta fora a intenção de Sely desde o início.
"É muita bondade sua, mas acredito que me sentiria mais a vontade dormindo no chão da floresta. Estou tão acostumada a isto que seria desconfortável para mim dormir em outro local." O semblante de Sely se torna triste e teatral.
"Peço perdão se fui importuna. Pensei que estaria tudo bem, já que somos as duas únicas mulheres no meio de tantos brutamontes."
"Arti não me parece um brutamonte." Desvio totalmente o assunto da conversa com a intenção de fazê-la esquecer de iniciar a tentativa de me convencer a aceitar a dormi na tenda, algo que tenho certeza que ela faria.
"Não, com certeza não é! Arti sempre fora cavalheiro, mas é tão teimoso quanto uma mula. Se ele lhe fizer algo peço que não hesite em me informar, ele pode ser um pouco receoso quando se trata de coisas que ele não aprova."
"Então ele não aprovou minha companhia." Digo sem saber ao certo que palavra utilizar.
"Não é isso..." Diz ela um pouco sem jeito "Ele só é extremamente cuidadoso, principalmente quando o assunto tem alguma ligação comigo. Ele acredita que depois que Lyan foi embora a obrigação de cuidar de mim pertence a ele, mas já tenho ciclos suficientes para fazer isto por mim mesma, então lhe peço que por favor não leve para o lado pessoal."
"Não levarei. Mas se ele não concordou com isto, por que razão estou aqui?"
"Lyan é claro!" Ela responde e logo depois começa a falar mais baixo. Estávamos sentadas no tronco do lado oposto dos outros. "Lyan sabe convencer qualquer um quando ele se decide de algo. Desconheço alguém que consegue contra-argumentar com ele. Então apesar de ser o oposto do que Arti queria, Lyan conseguiu convencê-lo de que a escolha mais prudente e plausível seria tú."
"Entendo." Volto a olhar na direção de Arti, ao qual continuava a exalar desaprovação a minha presença ali e algo me dizia que eu estar conversando com Sely o irritava ainda mais.
"Mas logo ele irá se acostumar e deixará de ser tão inconveniente." Ela dá uma pausa em sua fala e a retoma logo em seguida como se tivesse se lembrado de algo. "Antes que me esqueça. Seu nome é mesmo Ely?"
"Sim."
"Ponderei a ideia de ser uma abreviação, assim como o meu. Meu nome é Selyna, mas podes me chamar de Sely, a maioria das vezes em que utilizam meu nome de nascença é para expressar raiva, então prefiro a abreviação."
"Irei me lembrar disto."
"Vamos nos alimentar? Devo dizer que estou faminta."
"Podes ir, lhe encontro em alguns raios."
"Irei lhe esperar próxima a fogueira." Sely se levanta e arruma seu vestido azul escuro dando umas batidinhas com a mão para tirar um pouco da poeira, o que era uma ação inútil ao meu ver, mas ela tinha costumes muito diferentes dos meus, então quem era eu para julgar costumes de uma vida completamente desconhecida.
Me levanto e vou em direção aos arredores de onde estávamos, isto era corriqueiro para mim. Sempre que me decidia a passar a escuridão na floresta primeiro vasculhava os arredores para conhecer o local e também para montar as minha trilhas. Começo a recolher alguns gravetos e Tray me vem a mente, me lembro de sua admiração quando revelei a ele sobre meus planos de proteção. Apesar que sei que não precisaria disto aqui, afinal só precisava das armadilhas para as ocasiões em que eu dormia sozinha já que não havia ninguém para ficar de guarda e como no momento eu estava em grupo sei que alguém ficaria acordado e revesaríamos no decorrer da escuridão, mas como confiar em pessoas que acabei de conhecer? Não era meu feitio ser tão descuidada. Continuo com a tarefa de recolher os gravetos e quando pego o suficiente começo a fazer algumas trilhas. O espaço que estávamos era mais extenso do que eu estava acostumada, então eu sabia que minha área de cobertura seria menor que a usual. Acredito que quatro trilhas seria uma quantidade razoável.
Quando acabo de montar a terceira trilha ouço alguns passo vindo em minha direção, não desvio a cabeça para ver de quem se tratava já que em pouquíssimos raios a pessoa me alcançar e agacha ao meu lado observando o que eu estava fazendo.
"Intrigante, você está brincando? Acho que te julguei mal." O ignoro e continuo meu trabalho. Ele se levanta e começa a olhar aos arredores. A luz da fogueira chegava até nós, mas acredito que seria difícil ele enxergar algo que eu tivesse feito, se este fosse mesmo seu objetivo. Por fim ele desiste e agacha novamente encarando minhas ações sem dizer nada. Vejo seus olhos dançarem de curiosidade enquanto acompanhava todos meu movimentos. "Você irá fugir durante a escuridão e está tentando nos confundir montando rastros perfeitos? Quer dizer depois de colocar esse galhos ai você poderia pisar nele, né? Não isso seria perda de tempo você poderia ter pisado em outras direções e não organizar galhos, raciocínio idiota, acho que deve estar brincando mesmo!" Lyan se cala e fica assim por alguns raios. Por fim ele se joga no chão frustado como se seus neurônios estivessem explodido de tanto pensar ele bufa alto e volta a olhar na minha direção. "Desisto! O que está fazendo?"
"Por que não perguntou logo quando chegou?"
"Gosto de tentar adivinhar."
"Pensei que fosse um pouco mais esperto, acho que te julguei mal." Lyan estava de frente para mim, então conseguia ver seu rosto perfeitamente já que a luz da fogueira o iluminava. Por isto consegui ver claramente quando seu sorriso tomou conta de seu semblante assim que ele ouviu meu comentário.
"É mesmo? Então me ilumine com sua sabedoria o por que não fui esperto." O encaro pesando na possibilidade de lhe direcionar um não, mas acabo preferindo a opção de lhe dar a explicação.
"Está escuro, mesmo que tentasse não seria capaz de adivinhar já que na visão de qualquer um estou apenas lançando gravetos ao vento. Para concluir o que estou de fato fazendo, teria que ver o padrão, mas está escuro, não é possível ver nada muito longe. Mesmo se conseguisse ver não sei se chegaria a alguma conclusão, afinal não sei se possui inteligência suficiente para isto." Lyan me encara por alguns raios e para minha surpresa ele começa a gargalhar.
"Já fui questionado sobre várias coisas, confesso que está é a primeira vez que questionam minha inteligencia! Você ganhou, talvez tenha mesmo me julgado mal, acho que até mesmo eu fiz isto." Na mesma facilidade com que sua risada veio ela some e Lyan olha para mim com um semblante sério, seus olhos estavam fixos nos meus e não quis desviá-los desta vez. "Eu subestimei você desde a primeira vez que lhe vi. Não irá acontecer novamente." Sua postura e seu tom eram... Intimidantes... e antes que eu pudesse pensar um pouco mais sobre qual máscara ele acabara de colocar desta vez, sua postura muda novamente e ele volta a ser a pessoa irritante, despreocupado e sarcástico de sempre. "Então, se importa de me explicar sua brincadeira?"
"E se eu disser que me importo?"
"Posso simplesmente deixar pra lá ou te importunar até que fale. Qual você acha que é a opção mais provável?" Me seguro para não revirar os olhos, manter a postura perto dele era realmente difícil as vezes. Não precisaria nem estar olhando para ele, para saber que um sorriso acompanhava aquela pergunta. Cínico.
"É uma trilha. Na verdade vão ser quatro." Aponto para os quatro pontos estratégicos.
"Estão cercando o acampamento, é uma armadilha." Diz ele quase em um sussurro, ao olhar para ele percebo que estava falando sozinho, ele não estava querendo aparecer por ter adivinhado, parecia que simplesmente havia pensado em voz alta. Ele percebe que eu parei de falar e se volta para mim. "Foi mal, não quis interromper. Continue." Tento identificar algum tom além de curiosidade, mas não encontro.
"Sim, são armadilhas. Minha audição é boa, então monto algumas trilhas todas as vezes que acampo, elas são bem úteis quando estou sozinha na floresta precisando descansar. Mas elas tem mais de um objetivo. O principal é me avisar se alguém está se aproximando e o outro e me mostrar mais o menos o local que a pessoa está, a sequência de galhos costuma ajudar muito nisto. Em espaços menores as vezes também consigo manipular o trajeto das pessoas caso elas consigam ver os galhos e desviar dos mesmos."
"Interessante.." Ele observa a que estou montando agora. "Mas é impossível cobrir tudo, correto?"
"Sim. É uma floresta com infinitas possibilidades de abordagem."
"Mesmo assim.. pode se mostrar bastante útil." Murmura ele para si mesmo, mas consigo ouvir. "Certo! Poderia me mostrar como se faz?" Olho para ele e Lyan continua "Quero entender o raciocínio para montar as trilhas." Novamente procuro o sarcasmo e não encontro nem resquício dele.
Levo algum tempo para respondê-lo, mas mesmo assim o faço. Explico para ele todas as minhas táticas e todas as maneiras de montá-las, lhe revelo os ângulos que eu durmo e até mesmo faço uma pequena simulação de como seria se estivesse sozinho. Lyan me ouve atentamente durante todo o tempo em que lhe explico, me interrompendo apenas para fazer algumas perguntas. Não parecia a mesma pessoa brincalhona de alguns raios atrás. Meus pensamentos são interrompidos abruptamente quado ouço Kaydes gritando o nome de Lyan dizendo para irmos comer.
"Está pronta para maior tortura de seus ciclos?" Ele olha para mim e retraio minimamente com sua frase. Tenho certeza que ele percebe, mas ele apenas sorri e ignora o ocorrido. "A comida de Kaydes é horrível!" Ele se levanta e eu permaneço agachada e então ele interrompe sua caminhada e se volta para mim. "Vamos? É ainda pior se ficar fria, vá por mim!" Me levanto e vou em direção ao acampamento.
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