Pluma
Lyan
"Seu humor está péssimo!" Kaydes aparece do nada e puxa a cadeira onde meus pés estavam apoiados, aos quais caem feito pedra do chão. Meu calcanhar lateja de dor. Maldito! Lanço um olhar nas outras cadeiras vazias em torno da mesa e acabo desistindo de fazer qualquer comentário. Pego minha caneca com bebida e tomo mais um gole. "Céus!" Ele me olha preocupado. "Acho que está pior do que imaginei." Murmurou para si mesmo em um tom suficientemente alto para que eu ouvisse.
Continuo em silêncio focando em minha bebida, que já estava no fim.
"Vai me deixar conversando sozinho desgraçado?" Diz Kaydes já querendo se irritar. Odiava ser ignorado.
"O que desejas?" Falo erguendo os olhos sobre a caneca.
"Enfia essa hostilidade no seu traseiro!" Grunhiu Kaydes. Respiro fundo e solto uma bufada, estava cansado.
"Não estou sendo hostil, e você sabe disso."
"Ahh se sei! Posso não conhecer você a tanto tempo quanto sua irmã e o babaca do Arti, mas conheço o suficiente para saber que você NÃO está no seu normal. E este ser na minha frente." Ele aponta com um dedo acusador "Me irrita!"
"Tudo te irrita Kaydes."
"Ahh vá a merda Lyan! Calculista frio desgraçado" Solto um riso ao vê-lo me xingar com tanto vigor. "Você está rindo de mim?" Ele me olha com os olhos já em fúria.
"Claro que não." Minto "Apesar que, se soubesse que se irritava tão fácil por eu não estar fazendo piadas, teria adotado essa tática a muitos ciclos atrás."
Kaydes me olha e faz um gesto ofensivo em minha direção. Rio de novo e depois volto a beber o último gole da bebida. Olho em volta e peço mais dois para a mulher que servia as mesas.
Tínhamos chegado aquela vila um pouco antes da escuridão. O trajeto tinha sido tranquilo e silencioso, não que eu achasse que seria diferente depois de tudo que aconteceu. Mas de uma coisa era certa, minha cabeça não parou de doer em nenhum momento do percurso, por mais que todas as vozes irritantes - e as não tão irritantes assim - estivesse mudas.
A mulher de cabelos pretos e olhos acinzentados chega e coloca as canecas sobre minha mesa. Aceno com a cabeça enquanto encaro seu rosto, ela sorri de lado e pisca um dos olhos para mim, retribuo com um sorriso de canto malicioso. Pego a caneca e tomo o líquido observando ela ir rebolando até outra mesa.
"Você é tão previsível!" Kaydes diz tranquilamente enquanto toma sua própria bebida.
"Não estava tentando ser discreto, caso você não tenha reparado."
"Não estou falando do seu flerte." Kaydes revira os olhos.
"É mesmo? Do quê esta falando então?" Ironizo.
"De tudo! Ah faça-me o favor Lyan, ao menos tenha a coragem de assumir para si mesmo que você errou, talvez assim você deixe essa atitude irritante de lado. Já faz três ciclos cara, já chega!"
"Errei? Em quê? Terá de ser um pouco mais especifico meu caro, já que nós dois sabemos que faço isto com mais frequência que a maioria das pessoas." Ignoro o restante de sua fala.
"Você sabe do que estou falando, para de tentar de se fazer de idiota, sabe muito bem que é péssimo nisso."
Reviro os olhos e tento ignorar Kaydes, sabendo que isto não funcionaria.
"Olha quer saber.."
"Estou morrendo de curiosidade.." O interrompo num murmúrio de cinismo. Ele percebe e me olha com ódio, quase sinto o soco que ele estava pensando em me dar.
"Vá se fuder!"
"É o que estava pretendendo fazer a alguns raios atrás, caso não tenha reparado." Digo numa calma que o irrita ainda mais, claro que não era novidade. Kaydes sempre foi estourado. Ele me olha e por fim joga as mãos para o alto irritado.
"Fodas para seu humor, fique com ele já que o quer tanto. Vou procurar algo mais útil para fazer."
Kaydes levanta abruptamente da cadeira quase jogando-a no chão e vira de costas saindo tempestuoso. Agradeço mentalmente por isto, Kaydes sempre foi como um irmão para mim, e eu para ele, mas ele tinha a irritante ideia de que deveria cuidar de mim como um irmão mais novo. Kaydes era míseros 5 ciclos mais velho do que eu.
Eu não estava em meu habitual humor, havia três ciclos inteiros que não conversa nada além do necessário com ninguém. E talvez, Kaydes já estivesse farto disto, mas no momento eu não me importava nem um pouco.
Tomo mais um gole da bebida e depois ergo o olhar para a mulher de cabelos negros e quase deixo o copo cair quando vejo KAYDES conversando com ela, jogando seu charme barato na mulher. FILHO DA.... respiro fundo, não iria xingar missa Clanryn - mãe de Kaydes - por culpa do filho idiota!
Kaydes como se sentisse que eu estava olhando, vira para mim e sorri de lado e depois me lança o mesmo gesto ofensivo feito mais cedo. Maldito, desgraçado! Tomo o último gole a tempo de ver a mulher conversando com um homem mais velho, e depois guiando Kaydes para o andar de cima.
"Um ciclo ainda mato esse miserável." Falo comigo mesmo. Caminho em direção ao balcão e deixo as pins que pagavam as bebidas. Saio da taberna para não subir até o andar de cima e espancar Kaydes por roubar minha distração.
Um vento frio me atingi. Edyn estava finalmente voltando ao seu clima normal, respiro fundo e praguejo baixo mais um vez por Kaydes agir feito um imbecil. Apesar que, dado aos fatos, acho que fiz isto primeiro. Dou de ombro deixando o assunto de lado e sento do lado de fora da taberna, com uma perna esticada e a outra dobrada como apoio para meu braço. Respiro fundo e recosto minha cabeça na construção que apoiava minhas costas.
Fico assim por vários raios, tentando pensar em tudo menos o que de fato me incomodava, e gosto de pensar que teria êxito se... meu próprio incomodo não tivesse se materializado em minha frente. Literalmente. Elyssa apareceu da parte de trás da taberna, encontrando-se assim a minha direita.
"Saudações." Disse ela. Respondo com um acenar de cabeça. Levando em consideração que a culpa da minha mudança de humor era dela, a maior vítima de meu silêncio também era ela. Para minha total surpresa Elyssa se senta na extremidade oposta a minha e fica em silêncio por alguns instantes, mas não demora muito para o interromper.
"Suponho que seja minha vez."
"Como?" Respondo sem pensar. Merda! Lá se vai meus planos de ignorá-la por completo, ou pelo menos o necessário. Ela se vira para mim e não consigo ver muito além disso, já que a lua não estava completa.
"Acho a tradição... interessante." Ela me ignora, mas percebo que respondeu a pergunta, já que agora entendia do que se tratava. "As tradições de Nouri, não são tão graciosas quanto de Edyn, acredito que não haja nada tão gracioso quanto Edyn na verdade, sempre tive um apreço gigantesco por este reino gelado."
Confesso que não consegui evitar de mergulhar na voz suave que ela tinha, repeti para mim mesmo que não tinha problema algum em fazer isto, afinal cortá-la ou ignorar sua fala não me traria beneficio algum, apenas tornaria nossa relação e nossa jornada ainda mais desconfortável. E também não estava quebrando o meu protocolo de não falar com ela, afinal quem falava era ela.
"Nouri sem dúvidas é o reino mais bárbaro dos três, não possuímos tantas tradições quanto este, acho que se trata mais de regras do que qualquer outra coisa." Ela fez uma pausa e depois continuou "Mas tem uma que acredito nunca ter visto sendo realmente executada, se trata da tradição da pluma. É uma planta um tanto quanto difícil de ser encontrada. Ela tem um cabo fino e verde, o centro da mesma é rodeado por finas plumas, dá uma sensação de nuvem, ou de algo bem macio. Elas são tão leves que um simples vento ou sopro pode desfazer toda sua beleza e a pluma é jogada ao ar de uma forma tão fácil que me pergunto como é possível algo se desprender tão facilmente."
"E acredito que seja por isso que ela foi escolhida para tal tradição. Como somos um reino nada sútil e sem pudor nenhum com palavras e isto não é novidade para ninguém, é comum que muitas pessoas se ofendam no decorrer dos ciclos, mas a mais pura verdade é que ninguém liga. Ou quase ninguém." Completou ela pensativa antes de continuar. "Então se criou a tradição da pluma, que se trata de um ato de perdão. Quando se encontra uma pluma a pessoa que a encontrou tem que pegá-la e soprá-la para perdoar alguém ou algum ato que fora cometido contra ela." Elyssa faz mais uma pausa, ela apenas encarava o céu "Demorei tantos ciclos para entender a razão estranha que continha nessa tradição. Afinal não deveria ser o ofensor a pedir perdão? Quando uma pluma fosse encontrada, a pessoa deveria pedir perdão a alguém que feriu, mas ao invés disto ela deveria perdoar alguma ofensa? Parecia loucura aos meus ouvidos." Mais uma pausa e por algum motivo meus ouvidos estavam atentos até mesmo em sua respiração, que agora parecia tão cansada quanto a minha. "O ofensor nunca se lembra de ferir a vítima, mas a vítima se lembra perfeitamente das ações feitas a ela. Vanther me disse isto uma vez, e foi naquele instante que tudo nesta tradição fez sentido para mim. Não se trata do perdão ao ofensor, mas sim da carga carregada pela vítima. A tradição não é para o ofensor, mas sim pra quem se magoou no processo. Acredito que o perdão é mais para si mesmo do que para o outro. Então fez ainda mais sentido a pluma ser utilizada, já que um simples sopro pode desprender algo tão.. insignificante, e deixar ali no ar, tornando-se invisível aos olhos de qualquer um. Perdão se trata de aliviar sua alma, não a do outro." Pressiono os dois maxilares ao ouvir tal coisa. Isto era raiva? Não.. era outra coisa, mas fui interrompido de meus pensamento quando ela voltou a falar. "Vanther me disse que uma vez foi até o monte só para procurar uma muda. Andou por mais ciclos que podia contar, até achar uma e plantar em seu próprio terreno, dizendo que em sua casa todos seriam obrigados a perdoarem uns aos outros, pois teria um jardim inteiro de plumas obrigando a sua família a não guardar rancor. Não me lembro de ter presenciado um gesto mais amoroso do que este em todos meus ciclos." Elyssa parecia divagar em suas próprias palavras.
"Pensei que Vanther era de Tenma." Digo com a voz calma, o que me surpreende, já que meu mal humor era responsabilidade justamente daquela mulher. Além de que agora, estava falando com ela. Qual era meu problema? Muitos, com certeza.
"Ele mora em Tenma. Mas suas origens são de Nouri, então conhece as tradições."
"Nunca vi uma planta assim." Digo já jogando meus inúteis protocolos de lado, agora já era.
"Só a vi em Nouri, e no terreno de Vanther. Acho que ela não é comum, principalmente em terrenos frios." Ela olha em voltar se referindo obviamente a Edyn. Olho na mesma direção que ela, não conseguindo evitar de pensar na tradição. Entendo o sentido, mas não quer dizer que fosse fácil praticar. Ódio, rancor e vingança, isto sempre foi combustível para muitas pessoas durante mais ciclos de vida que eu poderia contar, e o que são essas coisas além de ofensas não perdoadas? Pesos insignificantes? Uma coisa é certa, não são tão leves quanto uma pluma e não são soltas com um sopro. "Eu sei o que estas pensando." Ela me interrompe e olho em sua direção surpreso. "Acredito que seja inevitável não pensar, ao menos fora para mim e talvez ainda seja. Já perdoou alguém?" Suas palavras pareciam tão soltas ao vento que estava ficando difícil acompanhar. Não respondo, não por ser grosso, mas me parecia uma pergunta retórica. "Quando se perdoa alguém, ou até a si mesmo, seu corpo parece mais leve, sua mente mais sã e suas palavras mais fluídas e acho que é inevitável não pensar: Por que guardei isto por tanto tempo? Por que não me desprendi desse peso antes? E então tudo aquilo parece... tolo e insignificante. Não a ofensa, mas sim o fato de ter se martirizado tanto tempo por causa dela." Abro a boca para contestar, mas as palavras se perdem no ar. Contra fatos não há argumentos. Ela estava certa sobre aquilo, por mais que eu não conseguisse colocar em prática. Então entendo o sentimento que senti, não era raiva, era frustração. Eu não conseguia me perdoar e nem aquele homem e não acho que poderia existir um ciclo em que eu fosse capaz de deixar isto para trás, ou de soprar uma pluma.
Me sinto mais calmo, o que me surpreende instantaneamente. Não entendia o motivo, mas sabia que era graças a ela. Viro meu rosto de leve para seu lado e a observo. Seus cabelos estavam presos novamente e seu olhar estava direciomado ao céu noturno, pensativo. E com uma voz cansada, e sem pensar muito, acabo continuando a conversa.
"Por que veio até aqui?" Ela se vira para mim a luz vindo de dentro da taberna iluminava seu rosto. Maldito olhos verdes. Desvio o olhar.
"Eu lhe devia." Ela responde após alguns raios. A encaro mesmo tentado a desviar o olhar, não sabia o motivo mas não me sentia confortável encarando-a. Ela continua "Naquela escuridão, tú me disse que quando não quisesses falar ou conversar, era a minha vez de lhe contar algo que não sabia. Foi nosso acordo e não sou o tipo de pessoa que quebraria algo assim. Então.. eu lhe devia." Queixo caído, nunca tinha entendido essa expressão até estar aqui na frente dessa mulher, no mínimo suportável, com meu queixo quase chegando até o piso de madeira. Mas ali, naquele instante, entendi do que realmente se tratava aquela frase. Ela não falava apenas do acordo feito naquela árvore. Ela falava de uma forma bem explicita: Não sou o tipo de pessoa que quebraria um acordo. Seja ele qual for.
"Minha vez." Diz ela interrompendo meus pensamentos "Por quê tantas personalidades irritantes?" Mais uma vez, estava eu colocando em prática a tão desconhecida - agora mais que familiar - expressão queixo caído. Não sei se foi pela pergunta, ou pelo tom da voz dela ou simplesmente por causa da palavra irritante. Eu agora gargalhava ali bem na frente dela, sem escrúpulos nenhum e em um piscar de olhos, toda minha raiva se foi.
"Sério isso?" Ela dá de ombros. O que era surpresa a um total de: ZERO PESSOAS "Aiai... isso foi realmente engraçado." Ela me encara.. me.. censurando? Difícil dizer. Mas resolvo me desculpar mesmo assim. "Perdão." Seguro um último riso antes de me recompor. " São tão irritantes assim?" Recebo de resposta o quê? O seu nada comum dar de ombros. "Bom, pode se dizer que fui ensinado a ter várias delas. Mas estou consciente de todas e na grande maioria da vezes estão sobre o meu controle."
"E qual seria a verdadeira dentre elas?"
"Acho que vai ter que descobrir sozinha." Minha vez de dar de ombros. Tudo que vai... Volta!
"Bom passar na escuridão, Lyan." Ela se despede levantando e já estava pronta para entrar na taberna.
"Desejaria o mesmo, mas acho que seus pensamentos vão estar ocupados demais pensando em minhas personalidades." Falo voltando ao meu eu despreocupado e irritante, como ela mesma sugeriu.
Vejo ela relaxar os ombros no mesmo instante, fico sem entender o motivo mas ela se vira e diz com muita calma.
"Ohh Lyan, tenho pena de homens como tú, que não sabem que ilusão é algo presente apenas na sua mente."
Não consigo evitar de rir e antes que ela entrasse pela taberna vejo um sorriso discreto se formando em seu rosto.
Oláaaaa!!
Tudooo booom?!
Peço desculpa pela demora desse capítulo!! Foi difícil desenvolver uma personalidade séria para Lyan e passar isso para vocês e depois mudá-la de forma natural para aquela que já conhecemos muito bem. Lyan é um personagem desafiador, devo confessar, por que quero muito que vocês o compreendam e SINTAM a mudança de humor dele da mesma forma como eu vejo. Espero mesmo ter conseguido passar para você a essência desse personagem que tanto amo.
Ahh não posso deixar de ressaltar as audácias de Ely que vem se revelado aos poucos um pouco mais falante. Mas claro, apenas quando convém a ela kkkk' Amo o auto controle dessa mulher. Manipularia qualquer um se assim desejasse kkk. Pelo menos eu acho kkk e vocês?
Ahhh SOMOS 2K!! Obrigada a todos que tem acompanhando esse pequeno mundo em minha mente!
Abraços!!
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