Intuição
A taberna já havia se acalmado, não pensei que teria de usar uma venda para ganhar daquele hivess. Quando o esquadrinhei estava certa de que ele não era um arqueiro, mas acredito que me enganei. Ele nem sequer se concentrava para arremessar as adagas e todas elas cravavam no centro do alvo, sua mira era muito boa. Mas uma dúvida ainda circundava minha mente, Tray realmente o havia enganado?
"Foram as pins mais fáceis que consegui em todos meus ciclos de vida". Tray interrompe meus pensamentos.
"Tú queres dizer eu, correto?" Estendi a mão para que ele me entregasse as pins que havia me prometido. Ele pegou sua trouxa de couro e colocou a maioria das pins em minhas mãos.
"Trato é trato. Aí tem pins suficientes para pagar as refeiçoes que você me deu mais o valor combinado." Peguei as moedas e as guardei. "Agora posso comer sem me preocupar com você pagando refeições para mim. Quem diria que aquele Hiv. Convencido teria tantas pins." Eu diria, mas guardei meus pensamentos para mim mesma.
"Vejo que fizeste bons negócios Tray." Amber chega com uma bandeja com quatro tigelas. Ela começa a colocá-las sobre a mesa, duas para mim e duas para Tray.
"Hiv. Convencido se tornou mais pobre nesta escuridão." Ele sacode sua trouxinha.
"Hiv. Convencido?" Amber questiona.
"Sim, Hiv. é abreviação de hivess, muito grande. E convencido é só por que ele é convencido mesmo."
"Ele não me parecia convencido. Me parecia até simpático, além de ser uma beldade." Vejo Tray revirar os olhos com o comentário de Amber.
"Uma beldade burra." Diz Tray.
"O diálogo está excelente, mas tenho de voltar ao trabalho antes que Nyla me veja. Uma ótima refeição a vocês dois."
"Beldade! Ele nem é tão bonito assim." Resmunga Tray.
Ignoro seu comentário e começo a comer. O som do violino preenche o estabelecimento, o hivess que tocava parecia possuir poucos ciclos a mais que Tray. O som era nítido e animado, algumas pessoas começaram a cantar as cantigas animadamente e em questão de raios a mesas já estavam afastadas e um círculo se formou ao centro da taberna, as pessoas começaram a dançar alguma dança que eu desconhecia, ao ouvir os barulhos dos sapatos batendo no piso de madeira, Tray desvia a atenção de sua tigela e se volta para o círculo formado.
"Que tipo de dança é esta?" Ele questiona.
"Não sei."
Continuo a observar os passos. Mais pessoas se juntavam ao círculo, a dança era realizada em pares, mas as vezes todos se juntavam e dançavam formando um círculo. Vejo a missa da mesa do Hiv. Convecido se levantar com um outro hivess que também estava sentado junto a eles. Chego a conclusão que Tray não é apegado a nomes.
"Qual seria teu problema com nomes?"Pergunto. Ele me olha confuso.
"Quê?" Questiona ele com a boca cheia.
"Desde que lhe conheci não o vi chamar ninguém pelo nome."
"Na minha aldeia nos ensinam que chamar alguém pelo nome faz com que você se apegue a ela, e isto pode te atrapalhar em momentos decisivos. Eles dizem que quanto mais você se apega, mais difícil é para você trair esta pessoa e rapinantes são feitos para trair e roubar. Acho que me acostumei a isso, então para mim o comum é não dizer nomes." Tray dá de ombros e volta a comer.
"Então tú não chamaste ninguém pelo nome?" Pergunto querendo conhecer um pouco mais da cultura dos ladrões.
"Claro que chamo, na aldeia todos nos chamamos pelo nome, um lembrete que não podemos trair os nossos. Quanto aos de fora, apenas chamo pelo nome aqueles que confio."
"Dissestes que chama todos na vila pelo nome, mas não fora você que roubara algo?"
"Sou um ladrões, roubo o que acho que me convém. Não há lei na terra de rapinantes, apenas lembretes que suas ações tem um preço, fugi porque não tô disposto a pagar o meu. E você tiha de qual preço está fugindo?"
"O que o faz pensar que estou a fugir de algo?"
"Nada, não tenho ideia de como uma pessoa como você veio parar em um lugar como esse. Então fugir de algo pode ser um palpite como qualquer outro."
"Não estou a fugir." Minto.
"É.. se eu fosse tão forte quanto você também não fugiria." Tray volta sua atenção para refeição.
Volto a atenção para as pessoas no centro da taberna. A missa e o hivess de cabelos negros se destacavam em meio a multidão, não por suas características mas sim pela forma que dançavam. É como se ambos conhecessem cada passo tão bem quanto uma marca de nascença no próprio corpo. Não havia resquícios de dúvida que eram moradores de Edyn. Acabo minha refeição e me levanto em direção a Nyla que servia as bebidas no balcão, em escuridões que havia muitos clientes ela servia as bebidas a parte, se assim desejassem, me sento em um dos vários bancos disponíveis.
"Saudações cara Nyla."
"Saudações Ely, o que deseja?"
"Kumis." Digo e ela se vira para o tambor de madeira de carvalho, onde se armazena as bebidas alcoólicas com o objetivo de conservar o sabor.
"Vejo que tiveres uma boa escuridão." Diz ela quando retiro as pins para pagar a bebida. Dou de ombros e pego a caneca. "Tenho que dizer que aquele grupo é bem interessante." Sigo o olhar de Nyla e vejo que este encontrava fixado no casal de cabelos negros, estes já estavam caminhando para a mesa onde se encontrava o Hiv. Convencido.
Permaneço no balcão por vários raios. Algumas pessoas aparecem para pedir uma bebida mas logo depois se retiram. Quando minha bebida está prestes a acabar percebo uma pessoa se aproximando e esta se senta a duas cadeiras de distância.
"Minhas saudações a ti. Eis que me disseram que és a dona da taberna." Olho para o lado e vejo que quem fala é o hivess de cabelos negros que estava a dançar a alguns raios atrás.
"Saudações a ti também hivess. Estás correto, o que desejas?" Responde Nyla com um sorriso no rosto.
"Me informaram que possuíste quartos disponíveis para viajantes. Gostaria de saber se estaria disposta a alugá-los apenas por esta escuridão."
"Temo dizer que não terei o suficiente para todos vocês." Nyla sorri e olha em direção a mesa que estavam sentados.
"E quantos teria disponíveis?"
"Terei três, caro hivess. Mas acredito que existem outras estalagens na vila que possam abrigar todos vocês em quartos individuais." O hivess pensa na proposta e direciona seu olhar em direção a mesa, mas não o sigo.
"Uma de minhas companheiras já se encontra exausta, temo que teremos que nos virar com os três quartos." Diz o hivess também já demonstrando cansaço.
"Compreendo." Concorda Nyla "Serão 30 ciclos de bronze por escuridão, hivess..?"
"Arti, peço perdão pela indelicadeza." Disse ele enquanto pegava as pins no bolso.
"Não há com o que se desculpar. Apenas gosto de saber o nome dos meus hóspedes, sou Nyla."
"Leve meu voto de apreciação a seu cozinheiro, o cervo estava excelente."
"Levarei." Responde Nyla "Amber, a missa que serviste sua mesa lhes mostrará os quartos disponíveis."
Ele abaixa a cabeça em sinal de agradecimento e se retira, mas não sem antes direcionar um olhar curioso para mim, ao qual durou pouquíssimos raios, se eu não o estivesse observando provavelmente não perceberia.
"Algo me diz que estes irão causar algum tipo de tumulto." Diz Nyla com a testa franzida.
"Não há com o que se preocupar, de acordo com o hivess eles irão partir na próxima alvorada." Digo sem interesse.
"Não sou de apostar, então apenas direi. Eles não irão embora na próxima alvorada." Volto meu olhar para Nyla sem me importar em encará-la, afinal ela já sabia de meus olhos.
"Como tú sabes?" Nyla olha para mim e depois para a mesa.
"A missa sentada junto a eles está doente, não irão partir com ela neste estado." Desvio o olhar para a mesa e vejo a missa de cabelos negros com olhos cansados, mas eu diria apenas isto.
"Para mim ela parece cansada, assim como hivess sugeriu."
"Veremos." Nyla sorri e se volta para me servir outra caneca de Kumis.
____***____
A escuridão ainda dominava o céu, mas o sol não estava longe de aparecer ao horizonte. Respirei fundo e apoiei a flecha nos lábios, eu havia diminuído o diâmetro do meu alvo, e isto requeria um pouco mais de minha atenção. Soltei a flecha e esta cravou dentro do círculo desenhado na árvore. Quando pego outra flecha da aljava e preparo para lançar, ouço um barulho na floresta e me viro na direção do mesmo. Tray saí por entre as árvores e da um pulo para trás ao me ver.
"Maldita!" Diz ele com a mão no peito. "Você me assustou, sua coruja estranha. O que tá fazendo aqui? Ainda tá escuro, vai dormir."
"O que você está fazendo aqui?" Questiono. Tray desvia o olhar para o chão. Antes que o fizesse eu o vi direcionar o olhos para dentro da floresta, mas foi extremamente rápido, vasculho entre as árvores e não muito longe de onde estávamos havia um pano estendido ao chão com um mochila ao lado. Então era ali que ele dormia. Voltei a olhar de longe para Tray.
"Não te interessa, só vim tomar um pouco de água na bica." Tray aponta para uma torneira, em Nouri, chamávamos de bica.
"Certo."
Volto minha atenção para o alvo e continuo me concentrando em acertá-lo. Tray toma um pouco de água como havia dito e depois volta de onde tinha saído, não olho para ele. Alguns raios depois ele volta e se senta em uma das pedras e começa a me observar.
"Fala aí tiha, quando vai me ensinar a usar o arco?" O ignoro. Ele continua "Sério, você tem que arrumar alguma coisa para fazer com sua vida, afinal se você morrer do jeito que tá agora ninguém vai se lembrar de você, maaaas.. se me ensinar vou poder passar seu legado para frente e você não será esquecida." Respiro e lanço outra flecha. "Já consigo até me imaginar contanto para meus filhos ou então para meus alunos". Tray para e imita uma voz que acredito que seja feita para ser semelhante a de uma pessoa com vários ciclos de vida. "Meus pininhos, minha mestra era uma pessoa com cara de coruja e nada a tirava de seu mundinho monótono, mas ela tinha um ótima mira. Teve uma vez que a gente estava em uma taberna e encontramos um cara convencido no caminho, foi moleza tirar pins daquele idiota, ele caiu feito um patinho..."
"Quem é o idiota aqui?" Olho para trás e vejo o hivess da taberna levantando Tray pela parte de trás da gola apenas com uma das mãos. Não o ouvi chegar, a quanto tempo ele estava ali?
"Hiv. Convencido, como vais?" Tray sorri travesso "Idiota? Não sei do que está falando. Poderia me colocar no chão? Acho mais confortável." O hivess coloca Tray no chão, a diferença de altura era notória, Tray era alto para seus ciclos, ele batia nos meus ombros. Agora que estava ao lado do hivess mostrava que Tray era baixo ou o homem era extremamente alto, ele não chegava nem na altura de seu peito.
"Ah desculpe-me, acho que preciso limpar meus ouvidos, jurava ter ouvido um garotinho me chamar de idiota."
"Impressão sua." Tray ri se afastando do hivess, o pininho pelo menos sabia que não poderia competir nem com a altura nem a força do homem a sua frente.
"Para de assustar o garoto Lyan." O hivess da floresta aparece abrindo a boca, passando as mãos no cabelo despreocupadamente. "Além de que ele não está errado, você é mesmo um idiota." O hivess direciona seu olhar para mim "Nos encontramos de novo missa." Ele se aproxima de mim "Sou Kaydes, aquele cara emburrada ali é o Lyan, imaginei que voltaria a encontrá-la."
"Saudações Kaydes." Abaixo o arco e aceno com a cabeça o cumprimentando.
"Você não é de falar muito, correto?" Kaydes diz, e em alguns raios Tray já estava ao meu lado, o hivess chamado Lyan não saiu do lugar.
"Já conhecia a tiha?" Perguntou Tray.
"Sim, a conheci na floresta na alvorada passada."
"Ahh... aposto que quase perdeu sua mão no processo." Tray cativa a atenção do hivess Kaydes que o olha com curiosidade. O outro hivess se aproxima ao ouvir a insinuação de Tray.
"Como sabe? Ela te contou?" Pergunta. Tray cai na gargalhada.
"Qual é seu problema com mãos tiha?" Me recordo de lhe fazer quase o mesmo questionamento quanto a nome, Tray estende a mão enfaixada e continua. "Olhando para sua mão vejo que se saiu melhor do que eu." Ambos os hivess encaram a mão de Tray boquiabertos.
"Apunhalou uma criança?" Pergunta o que supostamente chamava Lyan, falando comigo pela primeira vez. Dou de ombros e ele me olha um pouco surpreso, mas nada além disso.
"Não sou uma criança." Se irrita Tray, como toda vez que se referem a ele como uma criança. "Mas sim, a adaga da tiha atravessou minha mão" Kaydes olhava da mão de Tray para mim com um certo tipo de espanto. Lyan já não tinha expressão, eu não sabia o que ele estava pensando, na escuridão anterior eu conseguia ver suas provocações e seu ar despreocupado, mas agora, não fazia ideia do que se passava pela sua mente. Estranho ele. Kaydes pareceu pensar um pouco e se voltou para Tray.
"Eu tentei roubar a caça dela, o que você fez?"
"Eu tentei roubar o cavalo." Tray dá de ombros, os dois encaram o garoto sabendo que ele diria mais alguma coisa, ".. enquanto ela dormia." Kaydes começa a rir.
"Acho que você atrai roubos e mãos como alvos"
"A diferença é que alguns sabem desviar."Respondo olhando para Tray, ao qual retribui o olhar mostrando a língua.
"Qual seu nome?" Pergunta Kaydes para mim. Avalio se devo ou não responder, mas não queria criar uma situação desconfortável, se Nyla estivesse certa teria de lidar com eles por mais alguns ciclos.
"Ely."
Lyan olha nos meus olhos e desvio sem pestanejar, algo me dizia que devia ser cuidadosa com este ali, meus instintos não costumavam me enganar. Lyan já me mostrara duas personalidades em dois ciclos, seu sarcasmo não estava presente, envés disto agora eu me deparava com um homem sério e calculista, pessoas que controlavam suas emoções tão bem eram dignos de receber meus cuidados. Era isto, ou ele estava apenas irritado por perder para mim, mas algo me dizia que este não era o caso, apesar de ser a opção mais provável. Todavia eu o vira quase entrar na briga com um de seus companheiros, enquanto o outro estava prestes a explodir de raiva, Lyan continha uma calma assustadora para situação. Pela minha experiência eu preferia enfrentar a fúria do que a aparente calma. Então, de relance vejo seus olhos se movendo pela floresta, percebo que ele estava avaliando meus alvos. Acredito que ele já estivesse fazendo isto a mais tempo, Kaydes também, mas tentaram me despistar com a conversa. Repasso todas a cenas e nossos diálogos na mente. Não eram os alvos, eles estavam a me avaliar, eu só desconhecia o motivo. Quando estava prestes a confrontá-los o outro hivess que ainda não havia conhecido chega correndo.
"Lyan, tem algo de errado com a Sely." Antes que terminasse a frase Lyan já havia saído correndo para dentro da taberna. Kaydes se despediu com um leve acenar de cabeça e seguiu seus passos. Então Nyla estava certa.
Notas: Oláa!
Tudo bem?!
Lyan tem várias faces né?! Confesso que a sarcástica costuma ser minha favorita! Apesar de que até eu tenho vontade de bater nele as vezes kkkk'
Espero que estejam gostando.
Abraços!!
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