As Arahs
Prendi o cavalo no celeiro e peguei os sacos que continham o resultado da caça, a qual considerei ser bem satisfatório. Deixei três deles no canto e peguei os outros dois que restavam e os levei taberna a dentro. Clint foi o primeiro a me ver.
"Saudações Ely!" ele olhou de mim para o saco "isso é sangue?"
"Não de preocupe, já está seco."
"Tenho que limpar e congelar a carne, antes que fique ruim." disse ele já vindo em minha direção para pegar os sacos.
"Posso lhe ajudar a limpar. São muitas afinal. Só tenho que ir ao mercado primeiro."
"Tem mais ?" perguntou ele curioso.
"Mais três desses" disse enquanto olhava para os dois grandes sacos que agora estavam no chão.
"Incrível. Nunca vi alguém conseguir tantos desses."
"O tempo ajuda. O clima ameno é tão agradável aos animais quanto para nós."
"O cavalo aguentou ? Com certeza estava pesado."
"Não cacei em apenas um ponto, mas chegou um momento onde tive de ceder o meu peso do cavalo e vir andando. Vou levar os outros três sacos a casa de carnes e volto para lhe auxiliar."
"Vou aceitar sua generosa oferta."
" Volto em alguns raios." saio pela mesma porta que entrei.
Coloquei os sacos de volta no cavalo, pensando que poderia ter passado na casa de carnes primeiro, mas automaticamente acabei vindo aqui antes. Fui andando e puxando o cavalo pelas rédeas.
Avistei a missa da casa de carnes de longe limpando alguns peixes, me aproximei dela com o cavalo logo atrás.
"Saudações missa."
Ela olhou de mim para o cavalo e depois para o saco, sem nenhum resquício de nojo pelo sangue. O que era de se esperar, já que era o seu trabalho lidar com coisas assim.
"Para ti também."
"Trouxe o combinado e um pouco mais. Acertamos daqui duas alvoradas como combinado."
"Coloque os sacos lá dentro." apontou ela com a faca para parte de trás do estabelecimento.
Peguei as rédeas do cavalo e as prendi em um tronco. Peguei um saco de cada vez e os depositei onde ela havia falando.
"Pronto. Bom passar na escuridão."
"O mesmo para você." disse ela sem levantar os olhos do peixe.
Voltei pelo caminho mais longo, ainda puxando o cavalo enquanto andava, agora visando o ferreiro. Passei por duas casa de flores e uma de pão que não havia visto antes. A vila era maior do que aparentava ser. Suas ruas pareciam labirintos que escondiam segredos, um estabelecimento escondido em uma esquina ou em um beco sem saída, tudo isto me passara despercebido na primeira vez que andei por aquelas mesmas ruas. Passei reparando melhor cada ponto da vila. Conhecer o lugar onde se pretendia ficar sempre podia se mostrar como uma vantagem em algum momento.
Avistei a rua que daria ao ferreiro e virei na mesma. Frevvy estava de costas para mim, ele vertia um líquido avermelhado em um recipiente preto que eu acreditava ser o seu moldador. Esperei ele terminar de verter e cheguei mais perto.
"Meus cumprimentos Frevvy."
Ele se virou e abriu um largo sorriso.
"Elly! Por onde andou?"
"Estava no lago nas proximidades."
"Claro!! Ouvi dizer que aquela região está extremamente favorável para caça. Quer dizer então, que temos carne fresca no mercado?!" ele soltou o molde e pegou minhas mãos juntando-as com as suas em forma de concha.
"Sim, nós temos." dei um leve sorriso de lado e recolhi minha mão discretamente para não parecer grosseira.
"Maravilhosa notícia. Irei passar lá no caminho de casa!" ele olhou para trás e deu um salto voltando para o seu trabalho "Oti! Me empolguei demais. Então o que você precisa? Sei que não veio até aqui apenas pra me avisar sobre a carne."
"Tens razão." peguei Arthas e coloquei sobre sua bancada "Está desequilibrada. O peso não está certo já faz uns bons ciclos de sol, mas não tinha encontrado alguém com habilidades confiáveis para equilibra-la. Será que você pode dar uma olhada?"
Ele olhou para mim surpreso. Com os olhos cheios de orgulho. Nada melhor para um ferreiro que receber a confiança de alguém ao lhe entregar uma espada. Ele voltou o olhar para a espada e a tirou da bainha. Ele arregalou os olhos.
"Pérola? Onde conseguiu metal branco menina?" perguntou ele em um tom sério que eu ainda não conhecia.
"É algo que me deram em um passado mais do que distante. Mas é por isso que confio ela a você. Não é uma espada qualquer. Posso ou não deixar aos seus cuidados?" perguntei em um tom que não deixava brecha para mais perguntas.
Ele avaliou a espada em todos os ângulos possíveis e a brandiu duas vezes. E voltou a analisá-la meticulosamente. Soltou um suspiro e a colocou de volta na bainha.
"Não poderia me chamar de ferreiro se não aceitasse. Não é todo dia que posso lidar com uma espadas assim. Mas não posso lhe dar um aviso prévio de quando estará pronta."
"Tudo bem, só me avise quando estiver. Agora tenho que ir." segurei as rédeas do cavalo e o fiz dar meia volta. "Te vejo em uma próxima e incerta alvorada."
"Nos veremos com certeza." disse ele enquanto voltava seus olhos para Arthas.
Fui caminhando com o mesmo olhar observador sobre a vila, gravando cada detalhe e cada rua. A ideia de que eu já conseguiria mapeá-la era plausível. Talvez começasse isto ainda nesta escuridão.
Ao chegar no "solnascente"coloquei o cavalo no estábulo e o prendi, pensando que teria que limpá-lo na primeira oportunidade que tivesse, ele estava bem mais sujo do que eu. Lavei minhas mãos na pia que ficava do lado de fora da taberna e entrei logo em seguida. Clint já estava limpando o cervo.
"Qual deles você quer que eu limpe?" perguntei a Clint.
"Pode escolher qualquer um do saco. As facas estão no armário a sua direita."
"Certo."
Fui em direção ao armário e peguei a uma faca de tamanho médio, muito parecida com a que Clint usava. Peguei o saco e tirei de lá três coelhos. Estes tinham sido pegos pelas armadilhas que montei antes de ir. Quando voltava do lago, tirei os animais predados e montei as armadilhas novamente.
Coloquei os coelhos na superfície plana ao lado de Clint e comecei a limpá-los.
"Possuíste habilidade com facas e coelhos." disse ele enquanto me observava.
"Quando se vive sozinho tem que se aprender várias coisas."
"Sim! Afinal nessa vida sobrevive quem se adapta. Já conhecia Edyn?"
"Sim. Conheço os três grandes reinos dessa Arah."
O mundo era composto por Arahs, e dentro dessas continham os grandes e pequenos reinos. Suas fronteiras eram separadas pelos grandes oceanos. Para chegar em outra Arah era apenas por meio de grandes embarcações e as viagens eram longas e imprevisíveis. Tudo era muito isolado, as viagens entre uma Arah e outra eram reservados apenas para tratados da realeza. As vezes algumas pessoas conseguiam atravessar tal fronteira, mas sua volta nunca era esperada.
"Você sabe quantas são?" perguntou Clint interrompendo meus pensamentos "..as Arahs."
"Não tenho certeza. Mas já ouvi rumores de são mais do que podemos contar. Que até mesmo existem algumas que ainda são inabitadas. Mas é difícil saber diferenciar o que é lenda e o que é realidade."
"É uma pena. Gostaria de conhecer todas elas. Mas me contentarei de conhecer nossos reinos primeiro. Tem simpatia por algum em especial?"
"Não sei se saberia responder isto com exatidão. Tenma, foi o mais próximo que tive de chamar de casa mas, Edyn sempre me cativou quanto ao clima e arquitetura."
"Há algo ainda mais cativante em Edyn para mim do que sua arquitetura." respondeu ele com um olhar desfocado.
A primeira coisa que veio em minha mente foi Amber, mas contive minha língua. Clint era extremamente cortês e reservado, nenhuma de suas perguntas continham um sentido profundo em me conhecer. Ele apenas fluía com o assunto com facilidade deixando a situação mais agradável.
"Mas ainda tenho de ir a capital." continuou ele voltando sua concentração para o cervo "..dizem que não há arquitetura nessa Arah que se compare a dela."
"Já ouvi as mesmas palavras. Mas também desconheço. Amber também disse que quer muito ir até lá."
"Sim. Mas ela pensa nas botas que eles vendem, não na arquitetura." disse ele rindo.
Era um belo de um sorriso, pensei comigo mesma. Ouvi um barulho vindo do salão da taberna, tirei meus olhos de Clint e olhei para a porta que ligava a cozinha ao salão e Nyla apareceu por meio da mesma com os cabelos presos, mangas arregaçadas e com um pano sujo pendurado nos ombros.
"Isso é sangue?" disse ela com olhar acusador para os sacos.
"Seco." apressou-se Clint para responder.
"Ah! Limpei esse lugar faz poucos raios. Vocês teriam de limpar com as próprias roupas se sujassem meu chão." ela olhou para mim "apesar de que suas vestimentas não estão lá tão diferente dos meus panos sujos. Me dê essa faca e vá se limpar. Depois você retorna a seu posto."
Olhei para minha roupa. Não estava tão suja, tinha levado duas mudas de roupas e esta era a que havia lavado no rio. Mas acatei seu pedido.
"Não demoro." Coloquei a faca em sua mão e sai para pegar água no poço.
Carreguei os baldes d'água até o andar superior e enchi a banheira. Peguei minhas roupas e os panos que estavam dentro da mochila e coloquei dentro do balde, logo depois de lavá-las as pendurei na janela. Entrei na banheira e me limpei esfregando o bolo de fios duros no corpo, que agora eu sabia que se tratava de alguns fios de palha que eram cultivados na região. Não me demorei muito, logo depois de lavar meus cabelos sai da banheira e me arrumei para descer novamente, enrolei meus cabelos extremamente úmidos no pano e sai dos meus aposentos.
Quando cheguei na cozinha Amber agora estava sentada em uma bancada que dava de frente para Clint, ela ria e balançava as pernas no ar.
"Amber eu vou educadamente te chutar para fora desta cozinha se você não descer da minha bancada!" disse Clint.
"Teoricamente falando são as bancadas de Nyla" respondeu ela em triunfo e mordeu um pedaço da maçã que estava em sua mão.
"Justamente, o meu chute será um favor, Nyla provavelmente te mataria! Aceite o chute e você viverá."
"Vou correr o risco. Saudações Ely "disse ela ao me ver.
"A ti também."
"Clint te falou? Teremos cervo hoje. Nem me lembro a última vez que comi cervo, Nyla foi comprar os acompanhamentos no mercado e pediu para mim colocar o cardápio na porta da taberna. Acredito que será uma longa escuridão, com certeza teremos vários clientes."
"Exatamente, por isso você deveria me ajudar e limpar as carnes." Clint estendeu a faca para ela.
"Não obrigada, não sou boa com facas."
"Mentirosa! Você tem duas adagas junto ao seu corpo e tem a audácia de dizer que não é boa com facas?"
"São para minha proteção e não são para mutilar animais" ela encarou os animais com nojo "Eca!"
Clint riu da cara de Amber e depositou a faca na bancada novamente. Eles viviam em um mundo só deles, Amber era sempre a mesma, falava uma palavra atrás da outra sem nem mesmo respirar, mas Clint era reservado, com exceção de momentos como este, onde ele se tornava um menino que entrava nas brincadeiras da garota que gostava. Amber parecia não perceber os sentimentos de Clint, mas ele também não parecia se importar com as atitudes dela em relação a ele, me perguntava o por... balancei a cabeça e me repreendi no mesmo instante. Uma coisa era observá-los outra era querer saber o "por quê", eu não devia me importar ou criar vínculos, pois isto me traria custos que eu não estava disposta a pagar.
Fui até Clint e peguei a faca que ele havia depositado na bancada. E voltei a limpar os coelhos.
"Ely" chamou Amber voltando-se para mim empolgada "Clint me falou que vocês estavam conversando sobre Arahs, já que você viajou muito não teria algumas histórias pra me contar? Eu vivo aqui desde sempre, não me faria mal nenhum ouvir um pouco mais."
"Bom, na verdade as Arahs não são muito faladas, nem mesmo nos outros reinos. Mas existem rumores e histórias que circundam por todos os cantos. A mais comum é a que fala sobre a travessia das terras. Dizem que em uma época bem distante não havia problemas em se atravessar os oceanos para se conhecer outras terras, mas que era extremamente difícil devido a falta de conhecimentos dos monstros que viviam nas profundezas das águas. A alguns ciclos atrás, uma princesa curiosa de Nouri, queria fazer uma aliança que beneficiasse a troca de matéria prima entre as terras, pois aparentemente o clima e fertilidade dos campos eram muito diferentes do reino desta princesa. Então como se quisesse dar o primeiro passo, ela construiu uma enorme embarcação que levaria ela e muitas pessoas do seu reino para conhecer esta Arah tão rica, com o consentimento da mesma, é claro. Todos estavam extremamente empolgados com o grande passo da princesa e a apoiaram de todo coração. Mais de cem pessoas foram conhecer a nova terra, que fora tão almejada pelo povo. Mas a embarcação nunca voltou, e também nunca foi encontrada. Aparentemente eles tinham alguma confirmação que relatava a chegada da embarcação no porto da outra Arah, mas ninguém pôde provar. O rei ficou tão nervoso que disseminou isso para todos os reinos e também para todas Arahs que ele tinha contato. Alegando que se qualquer reino de outras terras entrassem em sua Arah, ele retalharia essas pessoas da mesma forma que sua filha e seu povo foram, ele também disse que não conseguiria provar o que foi feito, mas que qualquer um que entrasse em suas terras, fosse no seu reino ou não, seria considerado um ato de guerra e ele não demonstraria piedade."
"Mas que tristeza para o rei." disse Amber que esteve prestando atenção em cada detalhe da história.
"Qual nome desta princesa?" perguntou Clint.
"Não sei, na verdade não se sabe nem mesmo se é uma lenda. O conhecimento de coisas como estas já foi tirado de nós. Até mesmo as lendas que eram contadas antigamente já não fazem mais parte da cultura dos reinos."
"Alguma história sobre o por quê foi tirado?" perguntou Amber.
"Não que eu conheça." respondi.
"Sei que foram decretadas como extintas em algum período de guerra. Não sei nada além disso." disse Clint enquanto cortava a carne do cervo, agora limpo.
"Já ouvi isso também." eu disse.
"Bom não me importo. Gosto de histórias, mas não me preocupo com o passado. Se tivessem algo que falasse sobre o futuro.... isso sim me interessaria."
"Coisas do passado podem ser interessantes Amber, as vezes para evitar erros que já foram cometidos."
"Gosto de cometer meus próprio erros Clint, não preciso que me digam o que vai acontecer, prefiro me arrepender ao me perguntar o que podia ser."
Amber estava com um tom de voz sério, o que me fez levantar a cabeça para ver do que se tratava. Ela encarava firmemente Clint com um olhar que o desafiava contestar suas palavras. O que ele não fez, sustentou o olhar dela por alguns raios e depois abaixou a cabeça voltando sua atenção ao cervo. Amber soltou um suspiro e desceu da bancada, aparentemente irritada. Algo oculto tinha naquela frase dita por Amber, mas isso era entre os dois e meu interesse por isto era zero. Voltei minha atenção para a carne e cortei o pedaço ao meio em apenas uma facada.
A escuridão chegou rapidamente. Eu e Clint já havíamos limpado metade das carnes quando Nyla chegou apressando-o a começar a preparar o cervo para a refeição que estava por vir. Clint era habilidoso e preciso quando se tratava da cozinha, antes que eu me desse conta já estava tudo praticamente pronto. Acabei com a carne que estava limpando e ouvi Nyla dizendo.
"Cara Ely, agradeço sua ajuda, mas eu posso assumir agora. Clint irá te dar algo para comer, deve estar faminta."
"Não posso negar. Agradeço, vou me sentar no salão da taberna."
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