Capítulo II - O Aprendiz de Mago
Sigan abriu os olhos novamente em uma cama dentro de uma tenda, com pessoas feridas sendo tratadas ao seu redor. A primeira coisa de que se lembrou foi a última coisa que vira, a mulher brilhante de cabelos azuis, e se perguntou onde ela estaria. Mas logo as lembranças dos outros acontecimentos da noite anterior inundaram sua cabeça. Seu pai e sua mãe, mortos, massacrados diante dele. O Chacinador. Aquele olhar. Aquele sorriso. Uma dor de cabeça forte atingiu Sigan, fazendo com que ele se dobrasse na cama, com as mãos sobre a cabeça.
Um freira, que cuidava dos enfermos, percebeu a movimentação de Sigan e se direcionou a ele:
- Se já acordou, libere espaço, garoto. - Falou, secamente. - Você não está com nenhum ferimento grave, e há outros precisando de leito.
Sigan a ignorou, e permaneceu olhando para o vazio.
- Você me ouviu, garoto?! - Insistiu a mulher. - Francamente... Falei com aquela mulher de cabelo azul que não havia nada de errado com você, mas ela insistiu que você tivesse uma cama... Saia logo, ou então irei chamar alguém para tirá-lo à força.
Sigan levantou-se, inexpressivo, e caminhou em direção à saída da tenda. Ele não ligava para as reclamações, nem de estar sendo expulso. Nada daquilo tinha significado para ele. Então, subitamente, ele parou na entrada da tenda.
- Você disse mulher de cabelo azul? - Perguntou à freira.
A freira suspirou.
- Sim. A maga aventureira. Se o seu desejo é vê-la, ela estava lá fora ajudando a cuidar dos feridos, mas pode ser que já tenha ido embora. Agora vá, garoto, e deixe-me concentrar no meu trabalho.
Do lado de fora, era um dia limpo, sem muitas nuvens, bonito demais para um dia que sucedia uma noite de massacre. Haviam mais duas tendas como aquela em que Sigan estivera sendo tratado, montadas sobre uma colina, e mesmo de fora das tendas haviam pessoas feridas, deitadas em panos ou na grama. Não havia sinal da mulher de cabelo azul que salvara Sigan. "Realmente, ela já deve ter ido embora", o garoto pensou sem muita emoção.
Abaixo, Sigan podia ver a sua vila. O lugar estava irreconhecível, ainda com fumaça subindo das casas arruinadas pelas chamas. Ele podia ver a sua casa, não muito longe. Se perguntou o que faria a partir dali. "Voltar para casa? Para onde mais eu poderia ir?". Mas o pensamento de voltar para aquele lugar o fez sentir-se enjoado. "Será que eles ainda estão lá?". As imagens dos corpos de seus pais dilacerados vieram em sua mente. "Eu nunca mais vou vê-los, não é?", ele pensou. Levou a mão à bochecha, e percebeu que lágrimas escorriam. De repente, o garoto foi tomado por uma vontade enorme de chorar. Mas procurou conter o sentimento, limpando o rosto, quando subitamente ouviu uma voz atrás dele:
- Você acordou. Que bom.
Ele se virou para trás. Era a mulher do cabelo azul. Olhando agora de perto, ela era de baixa estatura, apenas um pouco maior que Sigan, e parecia realmente ser bem jovem, uns 17 anos, se Sigan fosse chutar. Ela vestia um comprido manto cinza-escuro sobre uma camiseta de cor azul. Seus olhos eram de um tom púrpura.
Sigan desviou o olhar, tentando não mostrar as lágrimas. Se a mulher percebeu, ela não demonstrou. Ao invés disso, perguntou:
- Posso saber o seu nome?
Sigan demorou alguns segundos, mas então respondeu:
- Sigan.
Ela sorriu, e se aproximou dele, estendendo a mão.
- Me chamo Violet.
Sigan apertou sua mão, hesitante. Violet continuou sorrindo para ele, e ele continuou a afastar o olhar.
- Bem... - Disse Sigan, olhando para baixo. - Obrigado por... Ter me salvado.
Ela gesticulou negativamente com a cabeça, e sua expressão tornou-se infeliz.
- Eu lhe devo desculpas. - A voz dela ficou mais fraca. - Por não ter chegado antes...
Sigan agarrou o próprio braço.
- Não foi culpa sua. - Respondeu. - E se não fosse por você... Bem, você realmente me salvou.
Ela sorriu diante daquilo. Não era um sorriso de pena.
- Você tem alguém com quem possa ficar? - Perguntou ela, após um tempo.
Sigan pensou por um instante. Supondo que estivessem vivas, haviam certas pessoas: amigos de seus pais, vizinhos, primos, parentes distantes; mas ninguém mais próximo.
- Talvez... - Respondeu, incerto.
Violet pareceu perceber a insegurança em sua voz.
- Você quer ficar aqui? - Questionou ela, olhando seriamente nos olhos de Sigan. "Onde mais poderia ficar?", pensou Sigan, mas alguma coisa naqueles olhos fez com que ele cogitasse outra possibilidade, apesar de que era absurda.
- Não sei... - Respondeu por fim, olhando para cima. Sentiu a brisa tocar seus cabelos. - Acho que não. - Disse por fim.
Fez-se silêncio por um tempo na colina. Apenas o vento sibilava entre os dois. Até que o próprio Sigan o cortou:
- Você... É uma maga, não é? - Perguntou, de repente.
- Sou. - Respondeu Violet. - Faço parte de um grupo de aventureiros.
- Quando eu era menor eu queria me tornar um mago. Todos da vila achavam que eu me tornaria um.
- Você tem o dom natural. - Disse ela. - Assim como eu. - Ela encostou no próprio cabelo, e Sigan entendeu que ela se referia à cor incomum do cabelo dos dois. - Se quiser seguir esse caminho, com certeza vai conseguir se tornar um grande mago um dia.
Sigan acenou com a cabeça, concordando, e olhou para baixo em silêncio. "Por que eu fui falar disso de repente?". De alguma forma, ele se sentia desapontado com a resposta. Então Violet voltou a falar:
- É por isso que eu queria te fazer um convite. Quer ser o meu aprendiz?
Uma rajada de ar fresco soprou naquele momento, fazendo os cabelos de Violet balançarem. Sigan foi pego de surpresa, e se manteve em contato visual com aqueles olhos escarlates, em silêncio, sem saber o que pensar. A resposta veio sem nenhuma consideração ou análise profunda, simplesmente saiu de sua boca:
- Eu... Eu quero.
E assim Sigan foi acolhido como aprendiz. Ele, que acabara de perder tudo, havia ganhado de repente um novo lugar no mundo. E ele não sabia se esse lugar seria bom ou ruim. Mas sabia que Violet estaria lá, e só isso já bastava. Sigan tinha dúvidas sobre o porquê de ela ter decidido dar uma chance dessas a um estranho, um simples orfão como ele, mas por hora deixou as dúvidas de lado e agarrou aquela oportunidade.
Violet primeiro o levou para conhecer o restante do grupo de aventureiros do qual agora ele faria parte.
- Ali estão dois. - Disse ela. Sigan acompanhou o seu olhar e o que viu foram dois homens que carregavam uma pessoa ferida em uma liteira de madeira, subindo a colina. Um deles era enorme. - Venha, vamos conhecê-los. - Ela sorriu e puxou Sigan, que não teve muita escolha a não ser ir junto.
O homem enorme era, de perto, ainda maior. Devia ultrapassar os 2 metros de altura. Possuía uma pele escura, e o cabelo preto e curto amarrado atrás, em um rabo de cavalo. Tinha feições brutas, enormes músculos e mãos gigantescas, e para completar a figura ameaçadora, carregava um grande machado nas costas. No mais, ele vestia roupas de couro e usava um estranho pingente circular que parecia um sol branco, radiante, preso a um colar de prata em seu pescoço.
Apesar da impressão, o rosto dele parecia amigável. E agora ele olhava com uma expressão de empatia a pessoa ferida que acabara de encostar no chão.
- Violet, vamos precisar de uma mãozinha. - Disse, ao ver a maga se aproximar. - Ele se queimou seriamente.
Sigan se aproximou atrás de Violet. Para sua surpresa, ele conhecia a pessoa que grunhia de dor na liteira: era Rodrik, um homem que costumava beber junto de seu pai na taverna. Metade de seu rosto estava agora desfigurada por queimaduras, que se alastravam por todo o lado direito de seu corpo até a perna, que parecia estar quebrada.
- Ele ficou preso debaixo dos escombros. - Explicou o grandalhão.
- Pode deixar comigo. - Disse Violet, se ajoelhando ao lado do homem. Ela estendeu as duas mãos sobre o homem, com as palmas viradas para baixo, os olhos fechados, e começou a murmurar algumas palavras em uma língua que Sigan não reconheceu. De repente, uma luz esverdeada surgiu ao redor de suas mãos, e então envolveu todo o seu corpo, lembrando a Sigan de quando a vira pela primeira vez, cercada por aquele brilho azul. A mesma luz envolveu o corpo de Rodrik, parecendo estar mais concentrada nos locais onde havia alguma queimadura ou ferimento.
Sigan observou com espanto enquanto a pele nas queimaduras de Rodrik, antes em carne viva, gradualmente se regenerava e voltava ao normal. A expressão do homem suavizou-se, com a angústia dando lugar ao alívio, e ele pareceu adormecer.
Os dois homens do grupo da maga também observavam com igual reverência, mesmo que aquela não devesse ser a primeira vez que a viam em ação. De repente, o outro homem, um pouco mais baixo que seu enorme companheiro, percebeu a presença de Sigan.
- Ei, Violet. Quem é o moleque?! - Perguntou, encarando Sigan com um olhar que parecia um misto de ameaça e desprezo. O homem parecia ser mais velho, e aparentava ser do tipo durão, com um cabelo loiro curto cortado rente, um pouco espetado na frente, e uma cicatriz na bochecha esquerda. Seus olhos eram astutos e desconfiados. Ele tinha o físico de um guerreiro, e vestia um colete de couro sem mangas, expondo os braços musculosos, cruzados, marcados por diversas cicatrizes de cortes que eram prova de que ele havia estado em muitos combates. Para completar, sua espada estava na bainha, presa na cintura. Sigan não sentia naquele homem o menor traço de simpatia, tal qual sentira no outro.
Violet não respondeu imediatamente à pergunta, pois ainda estava concentrada no processo de cura, de olhos fechados. Após alguns segundos, ela pareceu finalizar e abriu os olhos.
- Prontinho. - Ela disse, repousando a mão ternamente sobre a testa de Rodrik, que dormia com uma expressão leve. Então ela levantou-se e encostou as mãos nos ombros de Sigan, por trás.
- Este grandão aqui se chama Hrovir. Ele é um paladino. - Disse ela ao garoto, estendendo a mão para indicar o gigante.
- Hum. - Respondeu Hrovir, assentindo, com um olhar curioso para o garoto.
- E este com cara de poucos-amigos - Disse ela com uma voz suave, a mão movendo-se em direção ao homem de aspecto durão, cuja cara piorou após a fala. - É Fenrir, um guerreiro.
Fenrir não disse nada, apenas limitou-se a lançar um olhar irritado a Sigan. Então Violet voltou-se aos dois companheiros:
- Este é Sigan. Ele é daqui, e perdeu os pais no ataque. A partir de hoje ele é o meu novo aprendiz.
Os dois homens não esconderam a surpresa. Fenrir grunhiu, e Sigan temeu que ele fosse batê-lo. Hrovir estava atônito, mas então ele fechou os olhos por um instante, como se percebesse algo, e sua expressão deu lugar a um pequeno sorriso de aceitação.
- Entendi. - Disse ele, sereno.
Agora foi a vez de Fenrir o encarar com perplexidade.
- Entendi?! Vamos sair adotando orfãos agora?! Vocês tão de sacanagem!
Ele se virou para Violet, em um apelo.
- Porque você não deixa as pessoas da vila cuidarem dele? É uma vila pequena, todos devem conhecer uns aos outros. Deve ter alguém disposto a abrigar o moleque.
- Perguntei a Sigan quanto a isso. Ele me disse que não quer ficar aqui. - Respondeu Violet calmamente.
- E o que interessa o que ele quer?! Isso não faz com que seja problema nosso! O moleque vai ser um fardo. Não precisa puxar isso pra você.
De repente, Sigan viu algo que não esperava ver: Violet assumiu uma expressão claramente irritada diante da fala do companheiro.
- Acho que você não entendeu muito bem, Fenrir. - Disse ela, a voz ainda calma, mas agora com um quê de assustadora. - Não é apenas desejo de Sigan se tornar meu aprendiz. É também meu desejo fazer dele aprendiz. Então a menos que você se sinta no direito de interferir na liberdade de um mago em escolher seu discípulo, eu sugiro que se mantenha fora desse assunto.
Fenrir recuou, assustado diante da reação. Hrovir repousou uma mão em seu ombro, como quem sugere calma, enquanto sorria discretamente.
- Está decidido. - Disse o gigante, e então se voltou a Sigan, com um sorriso. - Bem-vindo a bordo, jovem Sigan.
Fenrir estava com o rosto ligeiramente vermelho, parecendo ao mesmo tempo envergonhado e irritado. Ele colocou a mão atrás da cabeça, disfarçando o desconforto, e suspirou, derrotado.
- Vocês são malucos... Que seja então.
- Ele lançou a Sigan um olhar duro. - Apenas tente não nos atrapalhar, entendeu, moleque?
- Si... Sim. - Respondeu Sigan, nervoso.
- Hmpf... - Grunhiu Fenrir, dando as costas ao garoto. - Achei que não sabia falar. Venha, Hrovir, vamos acabar de levar esse sujeito até a tenda. - E então ele se agachou para levantar a liteira de Rodrik. O grandão foi prontamente ajudá-lo.
Violet e Sigan ficaram observando os dois continuarem a subir a colina. Violet soltou um risinho.
- Simpático, não é? - Disse, referindo-se a Fenrir.
- Bem... - Respondeu Sigan, incerto. Violet riu da hesitação.
- Eu sei. Ele tem um jeito complicado. Mas é uma boa pessoa. Hrovir também. Os dois estão desde cedo procurando por feridos nos escombros, carregando os incapacitados, ajudando como podem.
Sigan assentiu silenciosamente. Realmente, a julgar pelas ações, Fenrir não parecia ser alguém ruim. Mas ele claramente não ia com a sua cara.
- Se der um tempo, ele vai se acostumar a você. - Disse Violet, olhando para Sigan pelo canto do olho. - Talvez depois de um tempo até comece a te tratar de forma amigável. - Completou em tom de brincadeira.
- Espero que sim... - Respondeu Sigan, esboçando um sorriso.
- Agora, eu também preciso ir ajudá-los. - Disse Violet, e então se virou de frente para Sigan, segurando as mãos dele nas suas. - Novamente, seja bem-vindo ao nosso grupo. De agora em diante, como sua mestre e companheira de grupo, espero poder transmitir a você todos os meus conhecimentos e me tornar uma força nos momentos difíceis.
Sigan retribuiu com um sorriso.
- Sim. - Disse.
Violet sorriu de volta.
- Então, eu vou indo.
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