Capítulo 15
— Então, se eu disser isso para o rei, estarei sendo desrespeitosa? — Hadiya perguntou para Jae In.
Os dois estavam sentados a uma mesa em uma sala cheia de estantes de livros que parecia não ser visitada com frequência, ou os dois já teriam sido interrompidos. Havia alguns livros sobre a mesa, entre eles, apesar de Hadiya ter deixado claro que preferia aprender a falar e entender sem ter que aprender aqueles desenhos estranhos que os byeol colocavam no papel.
Em Omlai, a comunicação era sempre falada e a guerreira achava que nunca conseguiria aprender aqueles desenhos.
Do outro lado da mesa, Jae In fez um gesto afirmativo com a cabeça em resposta à pergunta dela. Ele achava interessante observar enquanto ela assimilava as palavras e a forma de usá-las e estava particularmente fascinado desde que tinha começado a falar sobre formalidades e como elas podiam ser percebidas na fala.
Os olhos pretos de um formato entre o amendoado e o redondo focavam e desfocavam enquanto ela tentava assimilar e comandar o próprio cérebro a se lembrar sempre daquelas regras. Os olhos não focavam exatamente nele, era verdade, mas isso não importava. Eles focavam em um ponto perto o suficiente de seu rosto para que ele observasse cada pequena mudança e, quando desfocavam, Jae In sentia queimar dentro de si uma inusitada vontade de dar à mulher algo que tomasse a atenção dela completamente.
— Não pelas palavras, mas pela falta de... honoríficos — Hadiya continuou falando, mostrando que havia entendido a lição que o aprendiz tentava lhe ensinar, mas obviamente pensando no quanto seria difícil colocá-la em prática.
— Sim — respondeu Jae In, levemente distraído pela forma como os lábios dela franziam em preocupação, apesar de a guerreira não ter feito outra pergunta.
— Talvez eu não deva usar o idioma byeol perto do rei e da rainha por um tempo.
— Mas e se Sua Majestade quiser saber como andam seus estudos? — perguntou Jae In enquanto se levantava para andar um pouco pela sala da biblioteca real. Era inusitadamente inquietante vê-la tão preocupada e ter que se segurar para não tocá-la em uma tentativa de conforto. — Já faz algum tempo que começamos as aulas. O rei e a rainha podem querer saber de seu progresso e...
— E se eu errar? E se me esquecer de usar os honoríficos e for informal e desrespeitosa com eles?
Havia uma nota de desespero alterando a voz dela e Jae In franziu o cenho. Já vira pessoas com medo de desrespeitar a realeza antes, mas nunca alguém como Hadiya Obasanjo. Estava cristalino como a água de uma nascente que a jovem guerreira não tinha medo do que a rainha ou mesmo o rei pudessem fazer com ela, apesar de que ela nunca usaria suas belas adagas contra eles. Ela estava, na verdade, apavorada pela possibilidade de não os honrar com suas palavras. Isso possivelmente faria a guerreira querer tirar a própria vida com as adagas que carregava o tempo todo, mais do que qualquer outra coisa seria capaz.
— Se você errar, o rei vai entender que ainda está aprendendo e não a culpará. E eu duvido que a rainha Malaika seria capaz de puni-la por qualquer coisa, ainda mais algo assim — respondeu Jae In, confiante.
Não era mentira. Malaika olhava para todas as suas guerreiras com admiração, mas olhava para Nia Okonjo e Hadiya Obasanjo com algo mais nos olhos. Algo parecido com a lealdade que as próprias guerreiras demonstravam a ela a cada segundo. Assim como as adagas de Hadiya e o arco de Nia, Malaika usaria a política ou o que estivesse ao seu alcance para proteger as duas melhores amigas se fosse necessário. Jae In sabia que a jovem à sua frente não precisava se preocupar com isso.
Quanto ao rei...
— Acha mesmo que o rei seria tão compreensivo? — Hadiya perguntou, cortando os pensamentos dele.
— Eu sei que ele é.
Jae In tentava não se vangloriar dizendo por aí que era amigo do rei, mas era assim que se sentia. Ainda mais depois da tragédia que assolou os pais de Taeyang e obrigou Jae In a carregar apenas a notícia devastadora de volta ao palácio.
Taeyang tinha feito questão de não enviá-lo de volta para a estrada rumo a Omlai, onde Jae In não apenas poderia ter reencontrado os assassinos do rei anterior, mas teria lembranças ainda mais vívidas do acontecido. O rei perguntou por Jae In e o convocou à sala do trono ou para passeios com frequência depois disso e até a chegada da comitiva real de Omlai, mantendo-se atento às reações do aprendiz e encontrando formas de distraí-lo. Em seguida, tinha dado mais tarefas para o aprendiz desde que a rainha e as guerreiras chegaram, deixando-o ocupado e dando-lhe a oportunidade de aprender um novo ofício e almejar uma nova posição.
Sim, Jae In tinha certeza de sua amizade com o rei, ainda que muitos a considerassem inadequada, e podia testemunhar em primeira mão o quanto o monarca era compreensivo.
— O rei Taeyang herdou o senso de justiça de seu pai, o falecido rei Ha Jun, mas consegue ser ainda mais gentil — explicou Jae In, sentando-se ao lado da guerreira quase distraidamente, quando pensou que o silêncio se prolongava demais enquanto pensava nas atitudes do rei com Hadiya encarando-o.
— Você parece gostar muito dele — comentou Hadiya com os olhos grudados nos de Jae In enquanto pensava que ele parecia sério e compenetrado pela primeira vez desde que o conhecera. — Como se fosse tão próximo dele quanto eu sou da rainha.
— Bem... — Jae In baixou a cabeça e olhou para as próprias mãos unindo-se no colo, envergonhado. — Ele pode não parecer um rei em alguns momentos. Gosto de pensar que temos um tipo de amizade, como você e a rainha Malaika.
Então Hadiya sorriu, não tanto pela vergonha que o aprendiz demonstrava, mas porque sabia o quanto admirava Malaika e agradecia por sua amizade com ela e esperava que Jae in pudesse dizer o mesmo sobre a relação dele com Taeyang.
— O rei parece mesmo o tipo de pessoa que teria uma amizade verdadeira com um guarda — comentou ela, ainda sorrindo enquanto fitava os olhos castanho-escuros do aprendiz, que agora estava à sua frente, já que ela tinha se virado para ele quando este se sentou ao seu lado.
— E amizades devem ser apreciadas...
A voz de Jae In de repente pareceu mais baixa e densa enquanto ele se inclinava inconscientemente para a frente, puxando os lábios em um início de sorriso que roubou toda a atenção de Hadiya e fez o sorriso dela desaparecer.
A guerreira respirou fundo como se de repente lhe faltasse ar, seus olhos voltando-se para a boca bem desenhava do homem à sua frente como um ímã. Em seus ouvidos, todos os outros sons desapareceram, ficando apenas um eco sussurrado da voz dele repedindo a palavra apreciadas, tornando inevitável para ela perceber o quanto queria apreciar os lábios rosados que voltavam a cobrir os dentes brancos e perfeitamente alinhados à sua frente.
— Hadiya... — Jae In pronunciou o nome dela como uma pergunta misturada com pedido. Ele não sabia se queria que ela lhe desse permissão para se aproximar mais ou se pretendia apenas avisá-la de que se aproximaria. Tudo o que sabia era que definitivamente mataria qualquer um que ousasse interromper aquele momento, mesmo que tivesse que aprender a arremessar adagas de uma hora para outra.
Mas Jae In nem mesmo perceberia se alguém entrasse na biblioteca real naquele momento, porque seus olhos estavam grudados nos de Hadiya, que, por sua vez, estavam grudados em seus lábios.
O aprendiz, porém, não deixou de perceber quando a guerreira passou a língua pelos lábios em antecipação, fazendo algo atingir a região abaixo de seu abdômen e incitá-lo ainda mais.
Ao mesmo tempo, uma das mãos de Hadiya encontrou a dele sobre a mesa, tocando de leve os dedos tensos do aprendiz, que, por algum motivo inexplicável para os dois, ainda tentava se conter. Jae In olhos para as mãos unidas, ainda tímidas, e voltou a olhar para Hadiya no instante em que os olhos dela deixaram os lábios dele para fitá-lo.
Como se aquele olhar fosse tudo de que precisasse, Jae In puxou Hadiya mais para perto usando a mão sobre a mesa e a amparou pela cintura com a outra mão, ambos ainda sentados no banco longo enquanto os lábios finalmente se encontravam em uma carícia lenta e doce, testando, provando... até que Jae In deixou escapar um suspiro e seu hálito quente fez Hadiya abrir a boca apenas meio centímetro, apenas o suficiente para que a língua dele entrasse e começasse a explorá-la.
A mão livre de Hadiya agarrou um pedaço do uniforme dele, inconscientemente puxando-o para mais perto de si enquanto a mão de Jae In em sua cintura a apertava suavemente, ainda que se mantivesse firme.
Quando Hadiya se atreveu a mordiscar o lábio inferior de Jae In ao mesmo tempo em que gemia, deixando-o ainda mais rosado, incitou uma reação no homem, que apertou sua cintura de forma menos suave e chupou o lábio superior dela logo antes de interromper o beijo.
— Acho... — começou ele com a voz baixa e rouca, obrigando-a a fechar os olhos em uma tentativa de evitar gemer outra vez — que, se não pararmos agora, não vamos mais conseguir parar.
Então os olhos de Hadiya encontraram os dele e nenhum dos dois parecia arrependido. Suas testas se encontraram em um gesto íntimo emquanto sorriam abertamente e entrelaçavam os dedos.
Talvez eu deva conversar com o rei sobre isso, pensou Jae In durante o tempo em que esperava sua respiração voltar ao normal, sem querer se afastar de Hadiya.
Talvez eu deva perguntar a Malaika o que ela acha, pensou Hadiya com o peito ainda subindo e descendo com a respiração ofegante, sentindo que a sensação de seus dedos entrelaçados aos do aprendiz parecia ainda melhor que quando ela lançava suas adagas.
Nenhum dos dois podia imaginar que seus pensamentos eram tão semelhantes naquele momento, mas algo lhes dizia que suas vontades eram. Não era novidade que qualquer guerreira ou guarda precisava da permissão da realeza para ter um relacionamento, já que a possibilidade de tal guerreira ou guarda desviar a atenção da proteção de um monarca para a sua própria família era sempre constante, mas tanto Jae In quanto Hadiya eram dedicados o suficiente a seus soberanos para sequer pensar em deixá-los de lado para proteger um ao outro.
Nia ultrapassou os portões do palácio com calma e discrição. Agora que os guardas conheciam Ji Hye, a presença dela era anunciada imediatamente e a kisaeng não precisava esperar à vista de todos.
Nia a encontrou em uma rua estreita e pouco movimentada na lateral do palácio vestida com cores neutras para não chamar a atenção para si e o capuz tradicional que faria a maior parte das pessoas confundirem-na com uma nobre. Ji Hye cumprimentou a guerreira com um gesto rápido da cabeça, uma pequena reverência, enquanto olhava para os lados, verificando se sua contratante tinha sido seguida até ali.
A comandante deixou o ar sair pesadamente de seus pulmões e descontraiu o corpo normalmente rígido enquanto esperava a kisaeng relaxar. Ela sabia que não estava sendo seguida. Até Jae In tinha parado de segui-la a partir do momento em que se tornara aprendiz dela, e não mais do capitão.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Nia quando a dona do estabelecimento de kisaengs finalmente pareceu se acalmar.
— Sim. Bem... pode não ser nada importante, mas eu duvido. — A voz rouca de Ji Hye tinha um quê tenebroso, o que fez Nia levantar uma sobrancelha, curiosa.
— Confio que você não viria até aqui se não achasse que pode ser importante — declarou a comandante. — Combinamos que qualquer informação, desde que verdadeira, é valiosa.
Ji hye deu de ombros, como se as palavras da negra alta e imponente fossem tudo o que ela precisava ouvir para continuar:
— Achei que você gostaria de saber que a senhorita Lee Mi Suk foi vista comprando mantimentos no mercado ontem.
— A filha do ministro de pessoal? — Nia franziu o cenho, tentando buscar em sua memória alguma informação que se conectasse com aquela e fizesse algum sentido útil.
Ji Hye confirmou com a cabeça, mas, quando alguns segundos se passaram sem que a guerreira dissesse qualquer coisa, a kisaeng resolveu dar-lhe algo em que pensar, a dúvida que tinha levado a cortesã até ali.
— Por que a filha de um ministro compraria mantimentos pela primeira vez na vida pouco depois de ser convidada pelo rei a fazer companhia à nova rainha? — Ji Hye viu os olhos escuros de Nia se arregalarem por um único instante ao perceber o que aquelas palavras significavam, logo antes de semicerrarem-se.
A cortesã sorriu com a certeza de que agora Nia estava tão desconfiada quanto ela e decidiu continuar:
— Imagino que se eu disser os ingredientes que ela comprou, não fará grande diferença para uma guerreira de Omlai como você. — Desta vez, Nia piscou, os olhos desanuviados e atentos olhando-a de lado, como se tentasse decidir se aquilo era um insulto ou não. — Mas uma coisa eu posso dizer com certeza. Não conheço nenhuma, nem mesmo uma, comida byeol que seja preparada com aqueles ingredientes.
Nia encarou Ji Hye com o olhar mais penetrante que conseguia. A pergunta estava em seus olhos, assim como o medo do que a resposta poderia significar, acompanhado da certeza da sentença que viria se esse medo se provasse verdadeiro.
Por outro lado, os olhos firmes da kisaeng demonstravam a malícia que ela mesma sentia por ter desconfiado de um ato aparentemente tão inocente e a maldade que via escondida nas intenções da jovem nobre que parecia dissimulada, acompanhadas da sua indignação pelo que acreditava que as ações da filha do ministro de pessoal significavam.
Várias emoções passaram pelos olhos de Nia enquanto assimilava o que a byeol à sua frente não se atrevia a colocar em palavras sem provas. Saber que alguém tinha comprado ingredientes estranhos no mercado não necessariamente implicava que a pessoa os usaria para o único propósito que ela conhecia, mas sua missão ali era deixar a guerreira tão inquieta quanto ela e atenta. Pronta para impedir que algo impensável fosse feito.
Nia assentiu depois de alguns instantes, permitindo que Ji Hye finalmente relaxasse. A jovem cortesã baixou a cabeça em respeito ao perceber que seu trabalho estava realizado e podia voltar para seu próprio estabelecimento. Nia não parecia o tipo de pessoa que deixaria uma suspeita como aquela passar sem o devido crédito.
Na volta para o palácio, após se despedir de Ji Hye, Nia encontrou Imani Akunuili parada ao lado do portão com os braços cruzados e os olhos acompanhando seus passos, como se a esperasse. A comandante da guarda da rainha franziu o cenho e olhou para sua antiga mestra de lado, mas não parou, passando por ela em um ritmo constante e firme que não demonstrava nem relaxamento nem preocupação.
Seguindo-a com a mesma dissimulação, Imani deixou os próprios braços caírem ao lado do corpo.
— Parece que você tem alguém para vigiar de perto — comentou a líder da guarda do príncipe herdeiro de Omlai.
— Você ouviu. — Não era uma pergunta. Imani não comentaria se não soubesse exatamente do que estava falando.
— Só uma parte. Eu estava confirmando os preparativos para a viagem e passei por perto de vocês. — O semblante da guerreira mais velha demonstrava sua admiração pela engenhosidade da mais nova em criar sua própria rede de contatos em tão pouco tempo no país estrangeiro, apesar de suas palavras serem claramente um alerta. — Não se preocupe, ninguém mais ouviu.
Mesmo assim, Nia fez uma anotação mental para tomar mais cuidado da próxima vez. Mesmo que a segurança do rei e da rainha devesse ser prioridade dos guardas, que seriam os mais prováveis a ouvir qualquer conversa dela com Ji Hye, ela faria bem em manter seus assuntos em segredo, já que obviamente outras pessoas estavam fazendo o mesmo. Afinal, ela não tinha se esquecido da informação que a cortesã trouxera na última vez e suas desconfianças só aumentavam a cada visita da mulher.
— Às vezes, traições só se tornam traições porque não queremos enxergá-las — continuou Imani, não tão enigmática quanto poderia ser. Ela sabia que o cérebro de Nia era prático e sua antiga pupila, direta. — Não deixe que os protocolos da corte a obriguem a deixar Sua Alteza Malaika vulnerável.
Nia encarou a mestra em silêncio, uma pergunta que tinha vergonha de pronunciar escrita em seu rosto tenso. Assentiu, porque pensou não ter nada mais a fazer além de aprender mais uma vez com a mulher mais velha.
— Você faz um ótimo trabalho, Nia. Nenhum outro membro da realeza jamais teve tanta paz ou despreocupação merecida quanto a rainha Malaika — declarou Imani, entendendo a pergunta silenciosa da pupila ao mesmo tempo em que seu tratamento para com Malaika era atualizado de forma natural para indicar a nova posição da jovem. — Mas queremos manter a nova rainha assim, devidamente despreocupada e a salvo. — Imani olhou à sua volta, assimilando as movimentações diárias do palácio byeol. — Em Omlai, sabemos em quem confiar e em quem não podemos. Aqui, talvez a rainha precise de um pouco mais de tempo para fazer amizades.
Nia assentiu outra vez. No fim, sua antiga mestra estava apenas dizendo para que continuasse o que já estava fazendo, talvez com ainda mais afinco. A política era importante e, para isso, as relações entre Malaika e os nobres byeols era necessária, mas o trabalho de Nia era mantê-la segura para poder fazer a política acontecer e, para isso, nenhum esforço poderia ser medido.
— É uma pena que tenha que partir — disse Nia quando se aproximaram dos cavalos e da carruagem, que já estavam prontos para levar a comitiva de Kayin de volta a Omlai.
Imani sorriu. Também ficava triste por ter que se despedir. A guerreira veterana nunca entenderia de verdade as leis e negociações que forjavam casamentos com outros povos e forçavam separações.
— O príncipe herdeiro deve se manter perto do trono e eu devo me manter perto dele — respondeu apenas, vendo o próprio Kayin se aproximar, ao lado da irmã que parecia chorosa enquanto o herdeiro do trono sorria, brincalhão, tentando esconder a própria insatisfação por deixá-la.
Nia moveu a cabeça em concordância. Tentava não pensar em si mesma ou colocar seus sentimentos pessoais em primeiro plano para aceitar que seguiria Malaika Kalejaiye aonde quer que fosse, mas nunca concordaria com o afastamento dos irmãos que obviamente se amavam e apreciavam a companhia um do outro. Guerreiros estavam cientes e faziam uma escolha para doar suas vidas a seus soberanos, mas a realeza não deveria sofrer com a distância.
Então os olhos de Kayin encontraram os dela e a guerreira pensou que talvez a distância não fosse tão ruim assim no que se referia a ela. Os olhos do príncipe herdeiro demonstravam uma desolação atípica a olhares entre membros da realeza e seus guerreiros. Era óbvio que o príncipe a queria, assim como, para ela, era nítido que nunca poderiam ficar juntos de verdade. A distância entre o novo país de Malaika e Omlai era só uma das muitas demonstrações dessa verdade.
Então Gimbya se aproximou, atraindo toda a atenção para si enquanto dava ordens aos criados e guerreiras, gesticulando como se fosse uma artista de rua.
Ao se aproximar de Malaika, segurou o rosto da neta entre as mãos e olhou no fundo de seus olhos.
— Peço aos ancestrais que sua felicidade se mantenha para sempre. — Malaika sorriu às palavras da avó e a abraçou, mas precisou se esforçar para não revirar os olhos quando a anciã falou outra vez. — Não se esqueça de nossa conversa sobre Hadiya.
— Ela já começou a estudar, bibi — disse Malaika, sem conseguir esconder o cansaço na voz. Sua avó podia seu muito enfática quando queria.
Gimbya sorriu, animada. Ninguém ficava tão animada com uma viagem quanto ela, principalmente com uma viagem de volta ao lar.
— Ótimo! Bem, sinto muito por ter que deixá-la, mas felizmente você parece bem adaptada aqui — disse a anciã, piscando um olho maliciosamente e recebendo uma risada calorosa de Malaika, duas sobrancelhas arqueadas de Kayin e um cenho franzido em confusão de Nia.
— Bibi, por favor! Eu gostaria que todos se esquecessem desse detalhe, mas a senhora traz tudo à tona de novo em todas as oportunidades! — reclamou Malaika, visivelmente desconfortável.
— Bem, não sou eu que trago à tona. É tão óbvio para qualquer um que os veja juntos!
— Vou me certificar de ser vista com o rei pela senhora o mínimo possível daqui em diante — prometeu a rainha, baixando a cabeça em rendição.
Finalmente entendendo do que as duas mulheres de sua família estavam falando, Kayin riu.
— Talvez a senhora devesse mesmo deixar Malaika em paz, bibi — sugeriu o príncipe em solidariedade à irmã, vitando-se para seu cavalo para esconder o sorriso que ainda não tinha conseguido controlar. Ele seguiria uma parte do caminho a cavalo antes de se enfurnar dentro da carruagem com a avó tagarela outra vez.
— Ora, talvez quando eu puder atacar você com o mesmo assunto — retrucou Gimbya, rindo e afagando o rosto de Malaika antes de ir até a carruagem. — Ou quando eu tiver bisnetos para desviar minha atenção de vocês! — gritou antes de entrar na carruagem.
Kayin olhou para Malaika com súplica nos olhos. Talvez os dois precisassem de filhos para obrigar a avó a deixá-los em paz e Malaika era a única em condições de começar a resolver esse problema, ao menos legitimamente, já que Kayin ainda não era casado.
Rindo em cumplicidade com o irmão, a rainha acenou em despedida enquanto sua família partia.
Seo Yun chegou à cozinha do palácio distraída, mas nada traz à tona a atenção e o foco de uma criada como ver uma pessoa inesperada em um lugar inusitado. Normalmente, isso só geraria fofocas pelo palácio, com as criadas e os eunucos tentando entender as intrigas sociais e pessoas dos nobres, mas algo lhe dizia que havia mais que uma paixão secreta na presença de Lee Mi Suk na cozinha real.
Ora, a jovem não só era nobre, como gostava de deixar isso evidente. Considerava-se delicada e importante demais para qualquer trabalho manual, como seu pai, mas já era a segunda vez que visitava a cozinha real, onde tudo era feito manualmente, desde que passaara a visitar a rainha. Bem, desde que vinha tentando se aproximar da rainha, que a evitava com sutileza e maestria.
É claro que Sua Alteza Malaika não conseguia evitar a filha do ministro de pessoal por completo, isso seria rude e óbvio. Mas Seo Yun precisava admirá-la por conseguir fazê-lo até o limite do aceitável.
Distraída com seus próprios pensamentos, Pak Seo Yun parou onde estava, perto de uma coluna ornamentada, demorando-se aparentemente sem motivo para pegar a bandeja que tinha ido buscar para a rainha enquanto olhava para as próprias mãos unidas à frente do corpo.
Apesar de passar todas as noites desde o casamento nos aposentos do rei e todo o tempo livre passeando com ele pelo palácio, Sua Alteza Malaika ainda mantinha seus aposentos e suas criadas. Os primeiros eram parte da tradição, a rainha não podia simplesmente abandoná-los para viver todo o tempo com o rei sem causar um escândalo, mas os segundos eram por lealdade. A rainha tinha passado a confiar em suas criadas e se apegado a elas e não pretendia trocá-las só porque tinha se casado.
Então a mulher de meia idade que preparava a bandeja para Seo Yun se afastou da bancada, pensativa, provavelmente indo buscar alguma outra coisa de que a rainha gostaria.
Seo Yun levantou os olhos imediatamente, atenta como se soubesse exatamente o que estava fazendo e a distração fosse apenas um fingimento. Bem, no início não era, mas tinha passado a ser assim que avistou Mi Suk esgueirando-se por ali, oferecendo sorrisos gentis para mascarar o fato de que sua mera presença naquele pavilhão era inusitada.
A criada da rainha fez menção de se aproximar da bancada em que a bandeja de sua soberana estava, mas obrigou-se a parar quando viu a nobre se mover com uma agilidade inesperada.
Seo Yun podia ser vista por Mi Suk e pelas outras funcionárias, mas seu jeito aparentemente distraído enquanto esperava confundia todas, que sequer poderiam imaginar que seus olhos e ouvidos estavam alertas em relação à filha do ministro. Nem mesmo Mi Suk suspeitava, ainda que olhasse para os lados para se certificar de que suas ações não eram vistas.
A jovem nobre despejou algumas gotas – apenas algumas, como tinha sido ensinada – no bule de chá que seria levado para Malaika Kalejaiye e mais uma ou outra nos quitutes arrumados na bandeja. Sabia que precisava agir e que tinha que ser eficaz. Com a raiva da princesa viúva Hee Jin aumentando a cada dia, Mi Suk sabia que poderia se tornar o alvo da mulher mais velha facilmente caso falhasse e, com a proximidade óbvia entre o rei e sua nova rainha, um herdeiro não demoraria a vir, o que obrigava Mi Suk a acelerar suas ações.
Ao menos, talvez com aquelas gotas no chá Malaika fosse incapaz de carregar um herdeiro por algum tempo e se sentisse fraca demais para tentar de novo pelos próximos dias. A criada que lhe ensinou a mistura jurou que isso afastaria o rei e a rainha dos aposentos um do outro por tempo suficiente para que Mi Suk agisse, de preferência tentando o apetite obviamente voraz do rei para toma-la como concubina real e, no futuro, substituir Malaika por ela, como rainha.
Mi Suk se afastou da bancada sem ver os olhos pretos de Seo Yun faiscando em sua direção. Agora a nobre só precisava esperar que as criadas fizessem seu trabalho e ouvir as fofocas depois para saber o resultado. O palácio inteiro comentaria se de repente a rainha não se sentisse bem o suficiente para dormir com o rei e o alarme seria ainda maior quando o médico real negasse a existência de um herdeiro.
Pensando que poderia levantar suspeitas se saísse da cozinha real imediatamente, Mi Suk permaneceu por ali, conversando frivolidades com algumas funcionárias a quem ela nunca se dirigiria em outra ocasião, até ver a criada que preparava a refeição da rainha voltar e pegar a bandeja, indo na direção de Seo Yun, que parecia completamente imóvel em uma tentativa de não demonstrar a rigidez dos músculos tensionados de indignação.
Quando a funcionária da cozinha chamou seu nome, porém, Seo Yun se virou rapidamente, parecendo assustada, e Mi Suk viu o braço branco da criada da rainha esbarrar na bandeja. Seus olhos arregalaram enquanto observava, alarmada, as mãos da funcionária da cozinha tremerem com a tentativa de evitar o impacto, que moveu a bandeja, jogando o bule de chá, as xícaras e os pratos de quitutes para o alto em um arco quase ensaiado que a nobre parecia enxergar em velocidade mais lenta que o normal.
Quando toda a louça caiu no chão e se espatifou, quebrando em centenas de pedaços e desperdiçando o líquido e os alimentos, Mi Suk fechou os olhos enquanto se encolhia. Não teria outra chance como aquela, ao menos não em um momento próximo e sem levantar suspeitas. Suspirou e começou a se afastar para deixar a cozinha real enquanto as duas criadas se abaixavam para recolher a sujeira do chão.
Mas, ao sair, Mi Suk não percebeu o olhar de triunfo de Seo Yun às suas costas, sabendo exatamente o que tinha impedido.
Quando o chão da cozinha real estava livre de comida e chá, Seo Yun se voltou para a funcionária da cozinha que a ajudava:
— Pode preparar outra, por favor? Vou avisar a rainha que demorará mais um pouco por causa de um acidente.
A funcionária apenas assentiu e voltou ao trabalho. No pouco tempo em que servia Malaika, já tinha percebido que a rainha era compreensiva e não se importava de esperar um pouco mais. O trabalho de refazer os quitutes e o chá valia a pena quando era para ela.
Seo Yun se afastou, voltando aos aposentos de Malaika com a desculpa de falar com a rainha e explicar o ocorrido, mas quando chegou, dirigiu-se a Nia e Hadiya primeiro, contando o que vira na cozinha.
4712 palavras
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro