Capítulo 13
Gimbya procurara Malaika nos aposentos da neta para ter notícias do ritual e da noite de núpcias, mas não havia qualquer sinal da nova rainha. Os cochichos das criadas indicavam que Malaika não voltara dos aposentos do rei na noite anterior, então provavelmente dormira com ele, se é que dormira realmente.
Isso levou um sorriso de vanglória e satisfação ao rosto da anciã. Sua neta e o novo marido não tinham sido vistos desde que as festividades do casamento acabaram, pouco depois do meio dia do dia anterior. Se eles haviam passado todo esse tempo juntos nos aposentos do rei... era possível que Hanbyeol logo tivesse um herdeiro e a própria Gimbya tivesse um bisneto para mimar e ensinar.
Ainda sorrindo, mas sem perder a determinação, Gimbya se dirigiu aos famosos aposentos do rei. É claro que era um costume omlai que ela, como anciã do reino e avó da noiva, fosse informada sobre o êxito da noite de núpcias, mas não era por isso que ela se deslocava até lá. Desta vez, os rumores entre as criadas e os eunucos eram o suficiente para acalmar seu coração almejante, por mais que ela se interessasse em saber os detalhes do acontecido. Não, o que levava Gimbya a perturbar a paz do quarto conjugal era um assunto importante para o qual a rainha-mãe não poderia virar as costas.
Tinha descoberto no dia anterior que, em plena nação estrangeira, rodeadas pelas palavras e pela cultura estrangeiras e por perigos que poderiam desconhecer, apenas uma das guerreiras da guarda de Malaika falava o idioma byeol, o que dificultava o processo de acomodação e limitava a proteção da princesa, agora rainha, sem contar outros problemas que pudessem ocorrer porque as mulheres não entendiam o que era dito ao seu redor.
Não, a situação não poderia permanecer daquele jeito.
Talvez em Omlai as guerreiras não tivessem enxergado a necessidade de aprender o novo idioma, mas agora, em Hanbyeol, a falha precisava ser reparada.
Ela chegou aos aposentos do rei, onde guardas risonhos, mas ainda atentos, impediram-na de entrar.
— O rei não está recebendo visitas — declarou um deles, esforçando-se para conter o sorriso.
Gimbya o encarou por alguns segundos, perguntando-se se ele podia ouvir o que estava acontecendo lá dentro ou se apenas especulava, já que não havia qualquer sinal do rei e da rainha pelo palácio desde o dia anterior e aqueles guardas provavelmente sabiam de antemão que nenhum dos dois tinha deixado o quarto do rei.
— Tenho certeza de que ele abriria uma exceção para um novo membro da família — disse Gimbya em tom confiante. Quando nenhum dos guardas respondeu, ela tentou outra tática: — Por favor, diga a minha neta que tenho assuntos importantes a tratar com ela. — Ao receber como resposta um olhar teimoso do homem à sua frente, a rainha-mãe de Omlai bateu o pé direito uma vez e acrescentou: — Sobre suas guerreiras.
Os guardas se entreolharam. A princesa estrangeira... ou melhor, a nova rainha sempre se interessava por assuntos relacionados a suas guerreiras.
Relutante, um dos guardas adentrou o pavilhão dedicado apenas ao rei enquanto Gimbya aguardava com mais um sorriso vitorioso nada sutil. Ele voltou algum tempo depois com a informação de que ela podia entrar.
O rei estava devidamente vestido, já com sua roupa oficial – que ele mesmo tinha aprendido a vestir sozinho com agilidade há anos – mas parecia não conseguir manter as mãos afastadas de Malaika, que usava apenas as roupas íntimas estranhas dos byeol com um manto por cima.
Gimbya encontrou os dois abraçados, os rostos colados como se não conseguissem abrir mão do contato íntimo, mas Taeyang suspirou quando a anciã entrou e se afastou da esposa, cumprimentando a avó dela com uma reverência sutil:
— Alteza.
— Bom dia, Majestade — Gimbya retribuiu e, virando-se pala a neta: — Malaika. Vocês parecem bem.
— Obrigado — Taeyang respondeu com um sorriso infantil para a mulher mais velha, quase travesso.
— Bibi... — A voz de Malaika saiu fraca e rouca de vergonha pela insinuação da avó, mas isso só fez a anciã levantar uma sobrancelha. Todos sabiam o que deveria acontecer – e tinha acontecido – entre aqueles dois nas últimas horas. Não havia qualquer motivo para fingir o contrário.
Então Taeyang se reaproximou da esposa, sua mão encontrando a dela automaticamente, como se sempre soubesse exatamente onde estava cada parte do corpo da amada. Com uma carícia no rosto que em tão pouco tempo tinha se tornado especial para ele, o rei beijou a testa da mulher que tinha ocupado sua cama na noite anterior e vinha ocupando seus sonhos há muito mais tempo que isso.
— Está tudo bem, meu amor. Logo não será novidade para ninguém — comentou ele.
Quando os olhos dela encontraram os dele demonstrando um princípio de desespero combinado com constrangimento, Taeyang não pôde evitar sorrir e abaixou-se para sussurrar ao ouvido dela:
— Não importa o que eles dizem, o que importa é o que fazemos... e como nos sentimos com isso.
Então o rei viu – e sentiu-se pronto para deitar-se com ela outra vez, imediatamente – o rosto acobreado da esposa cobrir-se com um tom rosado. A imagem era tão incrivelmente atraente que ele fez uma anotação mental para lembrar-se de deixá-la assim com frequência.
— Vou deixá-las a sós para conversarem — disse Taeyang em voz alta para que Gimbya pudesse ouvir. — Pedirei que suas criadas tragam suas roupas e a ajudem a se aprontar e que alguém prepare nosso passeio. Estarei esperando.
Resistindo à necessidade de despedir-se com um beijo na frente da avó da esposa, Taeyang apenas apertou a mão dela carinhosamente e saiu do próprio quarto, que ele esperava que se tornasse o quarto de Malaika também, ao menos extraoficialmente, para que pudessem dormir juntos todas as noites.
Gimbya conteve-se até que o rei saísse e depois sorriu abertamente para a neta.
— Bibi... — Desta vez, Malaika não conseguiu evitar uma gargalhada nervosa. — Eu não vou contar nada.
— Isso é cruel — comentou a anciã, finalmente abraçando a neta.
— A senhora sabe o que acontece.
— Sim, mas eu gosto de ouvir.
— Bibi!
Foi a vez de Gimbya gargalhar, mas logo substituiu o riso por um olhar sério.
— Vou deixá-la manter a lembrança para si mesma, querida, mas só porque tenho um assunto importante para tratar. — Isso fez Malaika ficar séria também e preocupada. — É sobre Hadiya...
— Aconteceu alguma coisa com ela?
— Não e esperamos que permaneça assim. Mas, para isso, acredito que ela precisa aprender o idioma estranho que usamos aqui. Não é possível que Nia seja a única guerreira omlai que entende tudo o que se passa. E se, um dia, Nia não estiver por perto?
Malaika suspirou. A avó não estava errada. Por pior que fosse a simples ideia de imaginar um dia sem Nia ao seu lado para defendê-la, devido à natureza do trabalho da comandante, nem sempre ela poderia traduzir as coisas para as outras guerreiras.
— Nós sabíamos que chegaria o dia em que todas as meninas precisariam aprender — continuou Gimbya. — Acho que está na hora de começarmos por Hadiya.
Malaika apenas concordou com a cabeça baixa. Seu pequeno período de descanso em Hanbyeol tinha acabado. Uma rainha não tinha tempo para descansar e ela precisava garantir e manter a própria segurança ou, ao menos, tornar possível que suas guerreiras fizessem isso.
Como Taeyang prometeu, algumas criadas de Malaika levaram roupas omlai dela para os aposentos dele e a ajudaram a se vestir. As roupas, mais parecidas com as das guerreiras que o normal, prenderam os olhos de Taeyang quando a viu sair do pavilhão, encantado com a forma com que as calças envolviam as pernas perfeitamente e o tecido do vestido ondulava em volta delas à medida que Malaika caminhava até ele.
O rei, por sua vez, pela primeira vez não vestia o manto real vermelho, tendo o substituído por uma roupa mais leve para a montaria, também parecida com as de seus guardas, com uma faixa justa na cintura e de cor roxa. Ele parou ao lado de um dos cavalos e ajudou a esposa a montar, montando seu próprio cavalo logo em seguida.
Os dois monarcas incitaram os cavalos a andar e se afastaram do pátio, seguindo em direção à densa floresta que ocupava toda a extensão sul do palácio e alertando as guerreiras omlai que os seguiam teimosamente que queriam privacidade naquele passeio.
Longe dali, Ha Jae In fazia uma ronda costumeira em torno do palácio em mais uma tentativa de conciliar suas tarefas como guarda real e seguidor de Nia Okonjo.
Apesar de se divertir e aprender mais seguindo a comandante estrangeira para todos os lados, o aprendiz de guarda não negaria fazer uma ronda a fim de analisar o terreno e mantê-lo protegido para seu rei e sua nova rainha. O jovem também não se atreveria a admitir que preferia vigiar os passos da agitada comandante omlai a andar de um lado para o outro levando e trazendo informações entre os nobres byeol.
Desta vez, porém, Jae In podia se considerar sortudo, já que tinha um belo e preparado cavalo para ajudá-lo na tarefa, em vez de ter que percorrer todo o terreno externo do palácio a pé.
A floresta densa oferecia um caminho difícil, com uma única trilha que a atravessava desde o palácio e era usava pela família real para pequenos passeios há anos, já que a beleza do local compensava a dificuldade. O próprio Taeyang tinha tornado aquela floresta seu local preferido para cavalgadas, como Jae In tinha sido informado de que o rei faria naquela manhã, na companhia da nova esposa.
Era um bom local para passeios calmos e solitários, assim como, com o grau certo de privacidade, poderia ser o lugar perfeito para o encontro de um casal. Jae In pensou que, tão pouco tempo depois do casamento, poderia ser exatamente essa a intenção do rei ao levar a esposa para lá. Isso, é claro, se as guerreiras da nova rainha dessem a privacidade que os dois provavelmente desejavam.
Subitamente, Jae In parou fez o cavalo parar com um comando rápido. O animal escorregou um pouco no chão de terra e raízes antes de parar completamente, dando ao aprendiz tempo para analisar o que via.
Uma parte da floresta estava mexida, o que parecia ser o princípio de uma nova trilha despontando por entre a mata. Jae In fazia aquela ronda há meses, assim como outros guardas e todos eles achavam a tarefa desnecessária devido à falta de movimentação daquela região. Afinal, quem iria querer andar por uma floresta densa como aquela, que só abrigava animais e plantas? Não havia casas por perto além do palácio e ninguém tinha permissão para usar a madeira daquelas árvores ou a fertilidade do solo. O lugar era praticamente o quintal deserto do palácio.
A única serventia óbvia era como caminho para chegar ao palácio, além dos passeios dos monarcas.
Devagar, Jae In seguiu alguns metros à frente, com cuidado para não pisar onde não deveria. De repente aquela mata não era mais o que ele conhecia, o jovem não podia baixar a guarda.
O que ele viu à frente, bem no centro da trilha original que Taeyang costumava seguir em suas cavalgadas, deixou-o apreensivo e trouxe de volta a sensação de impotência que tinha sentido semanas antes, quando recebeu a ordem para abandonar a comitiva do antigo rei Ha Jun com uma mensagem para o palácio.
Taeyang estava a caminho daquela trilha com Malaika e poderia chegar a qualquer momento. Jae In não sabia em que momento o rei pretendia começar o passeio a cavalo, mas tinha certeza do caminho que ele usaria.
Por um segundo, o aprendiz pensou em ficar parado bem ali, à espera do rei para alertá-lo sobre o perigo, mas ouviu o farfalhar inconfundível de folhas que surgia quando alguém corria entre elas. O som de galhos quebrados por passos rápidos apenas confirmou suas suspeitas.
Sem pensar duas vezes, Jae In seguiu os sons, determinado a ser rápido e erradicar o perigo antes que o rei chegasse até ele.
Mas o cavalo tropeçou nas raízes de uma árvore e caiu, fazendo Jae In perder a pessoa que perseguia por entre a mata, da qual tinha tido apenas um vislumbre. Enquanto o aprendiz se levantava e verificava se o cavalo estava ferido, o som dos passos e das folhas se movendo diminuiu até sumir, deixando-o perdido, o desespero crescendo em seu peito por não saber o que fazer.
Àquele ponto, Jae In já estava longe da armadilha que vira na trilha, mas não ouvia qualquer sinal do rei se aproximando. Ele podia voltar para a armadilha e esperar pelo rei ou podia voltar para o palácio e alertar a guarda e as guerreiras de Omlai. Afinal, se alguém tinha perdido tempo abrindo uma trilha nova na floresta e preparando o que ele viu, a ameaça era maior do que uma queda do cavalo.
Montando outra vez, Jae In ignorou os galhos que batiam em seu corpo à medida que ele corria desenfreadamente de volta ao palácio, saindo da trilha original para seguir o caminho que fosse mais rápido, uma linha reta pelo meio da mata. Tentava focar os pensamentos no que precisava fazer, em busca de evitar que o caminho à sua frente se transformasse na cena que ele vira recentemente, do momento em que ele não conseguira salvar o antigo rei e tivera que correr para entregar a mensagem de sua morte.
Desta vez, Jae In estava disposto a ser rápido o bastante.
Ao ver Nia e Hadiya conversando em meio a uma caminhada lenta próximo ao portão sul do palácio, Jae In desmontou do cavalo sem nem ao menos frear. Ao sentir a falta do peso do jovem aprendiz, o cavalo diminuiu o ritmo até estar apenas trotando em volta do trio preocupado.
Nia e Hadiya estagnaram onde estavam, os olhos procurando por entre as árvores o problema que imaginavam acompanhar o aprendiz.
— Onde está o rei? — perguntou Jae In, a respiração alterada pelo esforço de cavalgar em alta velocidade.
— Saiu para um passeio com a rainha — Hadiya respondeu com olhos semicerrados enquanto analisava os arranhões no rosto bonito do rapaz.
Nia apenas apertou os olhos. Os arranhões no rosto do aprendiz, os pequenos rasgos na roupa bem-feita, a velocidade em que ele deixara a floresta e a pergunta sobre o paradeiro do rei, tudo aquilo tinha um significado importante e ela precisava saber qual era.
Jae In, porém, não tinha a menor intenção de prolongar a espera de nenhuma das duas guerreiras.
— Por favor, digam que eles não foram sozinhos — pediu o aprendiz, apreensivo. — Há uma armadilha na trilha. Tinha alguém por perto. Fugiu quando comecei a seguir, e eu não consegui...
Suas palavras foram interrompidas pela não firme de Nia em seu ombro ao mesmo tempo em que a comandante lançava um olhar imperativo para Hadiya.
— Onde? — perguntou Nia enquanto Hadiya corria para dentro do palácio sem dizer uma única palavra.
— Pouco mais de dois quilômetros daqui seguindo a trilha original — informou Jae In, ainda ofegante.
— Trilha original? Existe outra?
— Encontrei uma nova hoje pouco antes de encontrar a armadilha.
Alguma coisa passou pelos olhos de Nia tão rapidamente que Jae In não pôde nem começar a tentar entender o que era.
Instantes depois, Hadiya surgiu pelos portões do palácio montada em um cavalo marrom e segurando as rédeas de um lingo puro sangue negro, que seguia ao seu lado quase relaxado. Nia montou o cavalo com a mesma naturalidade com que subia nos telhados baixos do palácio e virou em direção à floresta, os instintos aguçados indicando o que Jae In conseguia ver.
Atrás dela, toda a guarda de Malaika Kalejaiye estava a postos com ainda algumas integrantes da guarda de Kayin junto a elas, mulheres a cavalo e a pé ostentando tanta imponência que o aprendiz se perguntou se existia alguma pessoa no mundo disposta a enfrentá-las.
— Jae In, mostre a elas onde viu a pessoa fugindo pela última vez — ordenou Nia como se Jae In fosse um de seus subordinados, sem o menor pudor, enquanto controlava com as pernas o cavalo que ficava agitado ao perceber a energia inquieta da comandante. — Eu quero cada centímetro dessa mata revirado, quero saber quem fez isso e por quê. Vou encontrar o rei e a rainha. Hadiya — chamou Nia e disparou floresta adentro sem esperar pela amiga que sabia que a seguiria.
Ayla parou ao lado de Jae In, olhando fixamente para o belo aprendiz que ainda estava abalado com a forma como Nia lidava com a situação. Desacostumado a receber ordens de qualquer pessoa que não fosse Chul ou Taeyang, ele ainda demorou um instante para agir, olhando de volta para o grupo de guerreiras intimidadoras que o rodeavam devagar.
— Ela deu uma ordem — foi tudo o que Ayla falou e mal conteve um sorriso ao ver os olhos de formato amendoado se arregalarem e o homem correr até seu cavalo e montá-lo com agilidade.
Segundos depois, o que parecia um pequeno exército omlai em Hanbyeol adentrava a floresta com a força e a determinação de uma manada de búfalos.
A dois quilômetros dali, Nia e Hadiya exigiam tudo o que podiam de seus cavalos, disparando pela trilha lado a lado até encontrarem Taeyang e Malaika, que cavalgavam devagar, conversando sobre amenidades e rindo despreocupadamente.
Era assim que deveria ser, pensou Nia por um instante, enquanto lembrava que seu trabalho era manter aqueles dois despreocupados para que pudessem reinar em paz e fazer o melhor pelo povo. Algumas vezes, porém, a paz era interrompida por pessoas insatisfeitas e isso deixava Nia irritada, não por ter que trabalhar mais, mas por perceber, outra vez, que a inveja e a ganância nunca ficariam completamente adormecidas.
A comandante passou por entre os monarcas como um arajada forte de vento, não parando até encontrar a armadilha citada por Jae In, alguns metros à frente.
Hadiya, por sua vez, diminuiu a velocidade ao se aproximar do rei e da rainha, passando por eles com mais cuidado e parando o cavalo logo em seguida, obrigando-os a parar também.
— O que houve? — perguntou Malaika.
— O que está acontecendo? — questionou Taeyang ao mesmo tempo.
Em seguida, o casal olhou um para o outro e deu as mãos. Por mais impulsiva que a comandante fosse, os dois sabiam que ela não agiria daquele jeito sem motivo.
— Um dos guardas encontrou algo durante a ronda matinal — foi tudo o que Hadiya disse enquanto se virava de volta para a trilha à sua frente e aguçava os ouvidos para qualquer sinal de aproximação.
Nia levou algum tempo analisando as folhas dispostas cuidadosamente sobre um grande buraco fundo no chão. Ela checou quanto peso as folhas aguentariam e rangeu os dentes ao perceber que a resposta era quase nenhum. Em seguida, retirou parte das folhas para olhar o que tinha embaixo e suas sobrancelhas arquearam em descrença. Era quase cômico como quem quer que fosse estava disposto a usar absolutamente qualquer recurso para se livrar de Malaika.
Provavelmente de Taeyang também, pensou ao imaginar os dois chegando a cavalo e caindo na armadilha cheia de estavas pontiagudas no fundo. Mesmo a própria Nia, com todo seu treinamento, não conseguia se imaginar sobrevivendo à queda, quanto mais o rei e a rainha.
Manteve a armadilha descoberta enquanto se afastava na direção do casal, pensando em como se livraria daquilo.
— É um matumbo — declarou ao se aproximar dos monarcas e de Hadiya, que franziu o cenho.
— Uma cova funda para plantio de mandioca? — Taeyang perguntou, surpreso.
— Um matumbo não é tão perigoso — comentou Malaika.
— Talvez não quando o que tem no fundo são as estacas dos tubérculos, mas, nesse caso, as estacas são pontiagudas, adequadas para a perfuração instantânea — falou Nia, sem ser desrespeitosa, apesar da franqueza. — E tem estacas demais para crescer qualquer coisa lá dentro. Duvido que qualquer coisa maior que um rato sobreviveria.
Aquilo fez todos se calarem. Taeyang estava inclinado a ir até a armadilha e observá-la com os próprios olhos, mas desistiu ao olhar para Malaika. A nova esposa estava apreensiva, tentando entender por que alguém faria aquilo e, é claro, encontrar a ligação entre aquela armadilha na floresta e o ataque repentino na estrada semanas antes.
O rei sentiu vontade de suspirar, mas apenas ordenou que todos voltassem ao palácio, para a segurança das paredes e dos guardas e guerreiras a postos.
Com os olhos, percebeu os gestos das duas guerreiras indicando que elas descobririam tudo que pudessem sobre a armadilha e quem a preparou. O rei sorriu. Podia imaginar o trabalho incansável delas até obterem as informações que queriam.
— Acho que realmente preciso agradecer a vocês duas — começou Taeyang. — Sei que faz parte do seu trabalho, mas vocês não estavam nem perto de nós durante o passeio e mesmo assim nos encontraram a tempo de impedir uma tragédia. Eu não sei como fazem isso, mas são impecáveis em seu trabalho.
As duas levantaram os olhos para ele sem interromper a caminhada silenciosa dos cavalos. Hadiya levantou uma sobrancelha curiosa, os lábios de Nia se repuxaram levemente para a esquerda em um início de sorriso orgulhoso. Se ela sentia orgulho do próprio trabalho ou do rei por reconhecê-lo, ninguém nunca saberia.
— Na verdade, devemos tudo isso ao pensamento rápido de Ha Jae In — contou Nia. — Ele viu a armadilha e tentou perseguir o culpado. Quando não conseguiu, voltou para o palácio e nos informou imediatamente.
— Ha Jae In? O Ha Jae In byeol, aprendiz da guarda real? — perguntou Taeyang, não surpreso pelas ações do aprendiz, mas por ele ter estado no local certo na hora certa.
— O jovem com o sorriso quadrado bonito? — perguntou Malaika, menos incrédula, fazendo uma careta de ciúme pela descrição surgir no rosto bonito do marido.
— Ele mesmo — respondeu Hadiya com uma risada curta.
— Para ser honesta, ele parece ter algumas habilidades muito úteis — comentou Nia.
— Úteis para trabalhar com você? — perguntou Malaika, agora realmente surpresa, já que nunca tinha ouvido Nia falar assim de alguém.
Normalmente, quando encontrava alguém que imaginava ter potencial para ser guerreira ou guerreiro, Nia apenas dizia essa pessoa devia ter uma espada na mão. Mas em todo o tempo em que conhecia a comandante, Malaika nunca tinha ouvido ela sugerir que uma pessoa tinha potencial para segui-la correndo por aí, montando uma rede de contatos, analisando terrenos e usando arco e flechas. Aquela era a primeira vez.
Nia abriu um sorriso largo em resposta, fazendo o queixo aristocrático de Malaika cair.
— Sim, Alteza.
— E como você percebeu isso? Pelo que ele fez hoje? — Taeyang tentou entender.
— Jae In vem me seguindo há algum tempo, acredito que por ordem de seu capitão — explicou Nia. — É claro que ele não é tão sutil ou imperceptível quanto gostaria, mas eu consigo ver o potencial.
— Acho que você é a primeira que enxerga algum potencial verdadeiro nele como guerreiro — contou Taeyang, um sorriso de orgulho pelo jovem que ele considerava um amigo surgindo em seu rosto. — Pode treiná-lo? Sei que isso foge de suas atividades normais, mas ele a admira e...
— Seria uma honra, Majestade. Sempre achei que seria útil ter outra pessoa por perto capaz de fazer o que eu faço. — Nia interrompeu o rei, que sorriu abertamente em vez de se incomodar.
— Quando encontrá-lo outra vez, diga que ele deve treinar com você. Chul não vai gostar muito disso, mas essa é a minha ordem e todos devem obedecê-la.
— Pode deixar que eu lido com o capitão — resmungou Nia em voz baixa ao retomarem a cavalgada silenciosa de volta ao palácio.
O rei não poderia estar mais certo. Young Chul invadiu o dormitório feminino do pavilhão de treinamento como um furacão, encontrando Nia sentada ao lado de uma cama, afiando as pontas de metal de suas flechas.
A mulher nem mesmo levantou os olhos. Já esperava que o capitão aparecesse em algum momento, soltando fogo pelas ventas e indignado com a última ordem do rei. Como Chul não podia recriminar a ordem real ou obrigar o rei a revoga-la, o capitão certamente voltaria – e, aparentemente, já estava fazendo isso – sua raiva para ela. Assim, Nia evitou um suspiro de cansaço pelas ações previsíveis do homem à sua frente e decidiu ignorar a invasão como se nem mesmo a tivesse percebido.
— O que pensa que está fazendo? — indagou Chul, andando a passos fortes até estar perto dela.
— Flechas novas.
Nia testou a ponta de uma flecha com os dedos antes de coloca-la sobre uma mesa pequena e pegar outra para afiar.
— O que pensa que está fazendo com Jae In? — perguntou Chul outra vez, complementando como se a estrangeira não conseguisse entender o que ele dizia.
A comandante finalmente ergueu os olhos para encontrar os do capitão, mas seus dedos continuaram a passear perigosamente pela ponta da flecha em sua mão.
— Não é da sua conta — ela respondeu simplesmente e voltou sua atenção para a flecha.
— Ele não vai treinar com você.
— É a ordem do rei.
— Não interessa. O rei está fora de si. Vou fazê-lo voltar à razão.
Decidindo que a mulher à sua frente era a mais teimosa do mundo inteiro e que não adiantaria discutir com ela, Chul deu as costas a ela e começou a andar para a saída da mesma forma em que entrou, a passos duros e irritados, como se pela primeira vez em sua vida alguém tivesse ousado desobedecê-lo. Mas parou abruptamente ao ouvir a voz de Nia atrás de si:
— Está insinuando que o rei não tem capacidade de reinar?
Chul trincou os dentes.
— Não. Estou dizendo que ele pode estar tomado de amor pela esposa e sendo precipitado em fazer todas as vontades dela — respondeu ele. Não daria àquela mulher a chance de colocar o rei contra ele.
— O treinamento de Jae In comigo não é um desejo da rainha. — Nia deu de ombros sem deixar de afiar mais uma flecha, como se a conversa não a interessasse.
Então Chul mudou de tática. Não sabia o que se passava na cabeça do rei e só podia especular que Taeyang achava que o treinamento do aprendiz tinha se tornado longo demais. Mas o jovem Jae In ainda não parecia confiante ou particularmente apto com uma espada, como Chul poderia promove-lo a guarda sem isso?
— O que você teria para ensinar a ele? Como subir em telhados?
Nia nem mesmo viu os braços cruzados do capitão, pois não levantou os olhos outra vez, mas Chul não deixou de perceber o sorriso malicioso nos lábios grossos da mulher.
— É bem mais útil que ficar parado.
— Ele está desenvolvendo suas habilidades!
A cada palavra, Chul se aproximava um passo de Nia, que finalmente desviou a atenção das flechas e semicerrou os olhos, pressentindo certo perigo.
Ele estava perto demais e isso a deixava desconfortável.
A postura rígida e raivosa de Chul tinha a pretensão de ser intimidadora e Nia odiava ser intimidada. Normalmente, essas coisas não a afetavam de verdade, apenas traziam uma raiva branda por alguém pensar que podia intimidá-la. Normalmente por ela ser mulher.
— Habilidades de mensageiro, talvez — comentou a comandante, esforçando-se ao máximo para manter a etiqueta que Malaika tanto prezava.
Mas Chul deu mais um passo à frente. Com certeza ele estava perto demais. Perto o suficiente para tornar a respiração de Nia pesada sem que ela sequer tivesse se movido.
A guerreira encarou o capitão, os olhos quase negros soltando faíscas de alarme.
— Afaste-se — ela ordenou, a voz muito baixa em uma tentativa de se controlar.
— As habilidades dele não dizem respeito a você. — Chul não gritou, mas havia algo em sua voz que lançava um alerta a qualquer um que a ouvisse. Nia já estava alerta o suficiente.
Em um piscar de olhos, a flecha de ponta já afiada na mão dela se aproximou do belo pescoço liso de Chul, o controle da mão direita dela sendo a única coisa que impedia o objeto de perfirar a pele clara.
Chul sequer piscou quando o rosto dela se aproximou quase tanto quanto a flecha, o ato facilitado pela diferença de altura quase inexistente entre os dois.
— Segundo a ordem do rei, elas dizem sim. — A voz de Nia também estava baixa, rouca, com um aviso nítido quando repetiu: — Afaste-se.
Mas algo na voz dela ou nos movimentos rápidos, talvez até na tentativa de intimidá-lo ainda mais do que ele mesmo tinha tentado intimidá-la, fez algo explodia na cabeça de Chul, como um buraco negro que toma tudo o que está em volta e deixa apenas o vazio, extinguindo todo e qualquer pensamento racional que o homem pudesse ter além do fato de que ele precisava calá-la. Naquele instante. A qualquer custo.
Com a sensação de algo queimando sob sua pele, Chul usou agilidade e força para afastar a mão de Nia com a flecha de seu pescoço. Seus olhos grudados nos dela o tempo todo, mas sua atenção estava em outro lugar. Os lábios grossos e cheios da guerreira de repente pareciam convidativos de uma forma que ele não estava disposto a admitir nem para si mesmo ainda.
Chul colou seus próprios lábios aos dela sem sequer perceber que pretendia fazer isso e Nia soltou a flecha que segurava, surpresa.
A comandante abriu a boca levemente, arrancando um suspiro de incredulidade do homem, mas, antes que Chul pudesse sequer se mover, ela mordeu seu lábio inferior com força e o afastou com um soco poderoso em seu peito.
Chul tossiu, mas olhou para ela com determinação em vez da raiva que ela esperava e Nia piscou, surpresa, quando o viu se aproximar com um fogo diferente queimando nos olhos castanhos. Tudo em que ela conseguiu pensar no instante que antecedeu o novo toque de lábios foi que Chul de repente parecia mais atraente que o normal. Mais másculo, mais competente, mais...
Ela prendeu a respiração ao sentir os lábios macios dele contra os seus novamente e já não sabia mais se mexia os braços contra ele para afastá-lo ou aproximá-lo mais.
O movimento, porém, fez com que Chul se movesse também, tentando parar as mãos inquietas dela, e os dois perderam o equilíbrio, caindo sobre a cama ao lado e espalhando flechas pelo chão.
Como se a queda não tivesse acontecido ou a mulher não tivesse tentado se desvencilhar, Chul usou a língua para abrir a boca de Nia, que não fez som algum, mas deixou a respiração sair pesadamente com a mudança. A língua de Chul passeou preguiçosamente pelos lábios que ele secretamente queria provar há semanas antes de penetrar o calor da boca e encontrar a língua dela.
Devagar, hesitando como se pudesse se arrepender do movimento, Chul soltou uma das mãos que segurava os pulsos de Nia para segurar o rosto dela com sofreguidão. O homem abriu os olhos ao perceber que ela movia a mão agora livre e acompanhou o movimento sem parar de beijá-la. Quando ela apenas segurou uma mecha de cabelo dele e apertou, mantendo os rostos próximos e aprofundando ainda mais o beijo, Chul nem sequer pensou em evitar o gemido que surgiu do fundo de sua garganta.
Nenhum dos dois sabia quanto tempo tinha se passado até que Chul moveu uma das pernas para cima, tocando sem querer o meio das pernas de Nia. O contato despertou os dois para o que estava acontecendo e eles afastaram os rostos, encerrando o beijo, apesar de continuarem olhando nos olhos um do outro.
Sempre a primeira a se recompor, Nia inspirou o ar devagar antes de falar:
— Isso não muda nada. Jae In ainda vai treinar comigo.
— Você quer roubar meus guardas também? — Porque parece que já está roubando meu juízo, completou Chul em pensamento enquanto se sentava, deixando o corpo de Nia livre para se mover.
— Só aqueles que puderem se sair melhor comigo — respondeu a guerreira em uma tentativa de desviar a mente do que acabara de acontecer.
Os dois se entreolharam por mais alguns instantes em silêncio, as mentes ocupadas demais em tentar controlar a vontade de voltar um para os braços do outro.
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